Os homens sabiam-no raro. Por isso o cobiçaram, armaram-lhe
ciladas, capturaram-no e por fim fecharam-no entre quatro grades. O rio corria
por ali e o balido das cabras nos montes e o cacarejar das galinhas no campo deixavam-no
doido de raiva, a jaula estreita a consumir-lhe as entranhas e batia com a cabeça
nas grades e rugia. As pessoas vinham de todas as ilhas para o ver e quanto
mais rugia, mais elas riam e pasmavam. Foi então que entristeceu, calou-se,
aquietou-se num canto e era tão simples pois apenas restavam três.
Quando o rapaz apareceu, estava ele magro, o pelo baço, o
nariz seco, a cauda caída. O rapaz disse-lhe, enviaram-me para te tratar.
O tigre nada sabia de tratador porque na memória perdida
da sua infância existia a mãe e o aconchego noturno do seu ventre e era ela que
o tratava e mais ninguém. Por isso não se mexeu.
O rapaz agarrou uma grade com a mão esquerda, outra com a
mão direita e enfiou o nariz entre as duas. O tigre bufou baixinho. No dia
seguinte o rapaz voltou e nos dias que seguiram o primeiro também e grade a
grade a sua cabeça foi percorrendo a jaula e o tigre já não bufava, olhava-o
curioso e o rapaz falava-lhe com doçura e colocava no chão uma guloseima para
ele comer. Mas ele não comia. O rapaz não desistiu, continuou a desafiá-lo e
quando o tigre devorou três bananas fritas com o pau da fritura e tudo, ficou
tão contente que pulou e imitou o rugido dos tigres. Na jaula, o tigre levantou
as patas dianteiras e rugiu também.
E o rapaz foi conquistando o tigre e o tigre deixou-se
conquistar. O cadeado da jaula abria-se, o rapaz entrava, fazia-lhe festas, alimentava-o,
escovava-o e ia-lhe falando da aldeia, da escola, dos campos e do rio e dos
peixes que pescava. Até se esquecia de regressar a casa e adormeciam os dois, o
tigre na jaula e ele junto às grades do lado de fora.
Uma noite o rapaz não fechou o cadeado e incitando o
tigre a segui-lo dirigiu-se para o rio. Correu descalço e o tigre correu também
e ultrapassou-o e chegando à margem saltaram os dois num mergulho profundo.
Grande nadador, um, imenso nadador, o outro. A lua era plena e estava para
breve a estação das chuvas.
Os visitantes pasmados foram regressando e aplaudiam o tigre
na jaula, o pelo escovado e o rugido ameaçador. Compravam camisolas pretas com a
cabeça do tigre e atiravam moedas para um prato de prata. No entanto, apenas o
rapaz entendia a interrogação que se formava e crescia no olhar do tigre.
Uma noite, colocou à volta do pescoço um lenço novo que a
mãe lhe tecera, e sem fazer ruído abriu a jaula, escovou o tigre com o maior
cuidado, abraçou-o e dividiram entre si três bananas fritas com doce de coco.
Depois disse-lhe, vai. O tigre hesitou, mas os olhos do rapaz brilharam e ele
foi, ágil, veloz, a cauda levantada a cortar o ar.
O vento anunciador das monções fez o lenço do rapaz
voltear e baliam as cabras nos montes e o rio era ali.
ao paulo
respigador de contos felizes
memória da história
verdadeira de Mulan Jamilah, o tigre de Bengala e de Abdullah Sholeh o seu
tratador
25 comentários:
MANUELA BAPTISTA
... e o rio era ali.
O rio da liberdade.
Bravo!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 31 de Janeiro de 2014
esta estória
devia ser dada na escola
Tripa Seca adorou :-)
Troco o meu sol pelo tigre, e fico a ganhar :-)))
Olá, Manuela!
Bonita lição, dada por uma alma sensível e bom coração - capaz de entender o valor da liberdade.Que nos faz pensar em todos aqueles tristes animais enjaulados, e a insensibilidade de quem lhes bate palmas...
Lindamente contado!
Bom fim de semana, com um abraço
Vitor
.
.
. a amizade . a amizade verdadeira . plena e perene . resulta de uma sólida construção . a qual se edifica pela conquista . através dos gestos . que mais não são do que o decalque da maioria dos passos deste certo caminho . que nos é dado a percorrer . por um tempo . ainda que determinado .
.
. gestos que mais não são do que atos . (resistentes a comuns desacatos) . como este . que surpreendentemente . encontro hoje aqui . neste canto de encanto . onde reside uma parte importante de uma amizade maior . a nossa . :) .
.
. o resto . são e serão sempre . as memórias anafadas dos balões da pretensão . que por mais que tentem erguer.se . viajarão sempre vazios e consequentemente sozinhos .
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. manu.ela.de.elo . ,,, . minha amiga .
.
. muito obrigado . :))) .
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. íssimo feliz .
.
.
Kriu?
Que este não seja o teu último texto... Porque quando o escreveres, gostaria que o mesmo me fosse dedicado.
A maioria dos escritores dedica-me sempre a parte final dos seus livros, até porque, sabem que é na contra capa que encontro o papel mais rijo e que mais luta me dá ao cortá-lo as tirinhas, com as quais construo mais um ninho...
Kriu!
Desbravaste-me a alma com tal mestria, que agora carrego uma planície inteira dentro de mim!
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. e,,, . que lindo está o "fecho" das histórias . que lindo está . :) .
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. destaco também a supremacia dos versos que escreve nos seus/nossos tesouros .
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. aquele sim . um lugar . intemporal . :) .
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. sente.se . não é ? . assim que se entra . adensa.se a atmosfera . e não mais se consegue sair . do lugar onde não há d.antes nem agora nem depois . antes a via láctea e o infinito .
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Uma bela história.
E muito bem contada, como é teu timbre.
Manuela, tem um bom resto de domingo e uma boa semana.
Beijo.
este tipo despenteado, amarelo torrado, barba branca
é meu primo, afastado
Feliz Ano do Cavalo: que a Luz impere e ajude os nossos seres divinos :-)
Lindo e emocionante, de alguém com uma alma genuína.
Se toda a gente sentisse assim o mundo seria um lugar melhor de viver (para todos, inclusive os animais).
bjinhos
A 6 de fevereiro,
na cova do outeiro,
nasceu a poetisa dos mares crepusculares, e quando de eles se cansava, contava uma história das auroras das manhãs, quando a água nos enforma os tornozelos,
espuma afoita,
e, entretanto, já o tempo passou. Paciência: somos como as pirâmides, deixá-lo passar. Todos os nossos aniversários são um ano a menos, na ampulheta da nossa sensibilidade.
Privilégio da Eterna Juventude.
Hoje apenas passei para desejar parabéns, e roubar um pouco dela
:-*
Comoveste-me, Manuela. Ainda há quem saiba o valor da liberdade e da verdadeira amizade. Quaisquer grades só podem tirar a alegria... Gosto tanto dos teus contos.
Beijo grande.
MANUELA BAPTISTA
Muitos, mas mesmo muitos parabéns!
Um beijo
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 6 de Fevereiro de 2014
Kriu?
Muitos e muitos parabéns, Manuela Da Silva!
O Jaime já preparou o Bloody Mary?
Passo por aí daqui a nada e ele que não se atreva a prepará-lo com os ingredientes do Lidl, porque bem sabes que detesto os alemães e então os alemões nem se pia!
Kriu!
A sul, tens uma carroça à tua espera e à tua disposição, destinada a uma visita guiada a ver o mar... que aqui se situa ao meio e não ao fundo, pelo que, podes deixar os ólicos em casa!
Muitos parabéns, ó teimosita!
está muito frio para bloody mary,
talvez irish coffee
para mim, uma pescada sff
Manuela
passei pelo intemporal
e
através do seu Amigo Paulo
descobri que hoje é dia
de comemoração
Parabéns, Manuela!
.
.
.
aqui está o "Ano Sabático"
http://tempolivremundo.blogspot.pt/
todo um tempo se atravessa
e pede uma resposta que "ainda"
não tenho...
AH...se eu pudesse "voar"
voltaria a um passado bem distante onde o amor era verdadeiro
a Amizade leal
a Família mais unida
o que é bom neste
"Ano Sabático"
é, que, ao acordar,
tenho todo o tempo do mundo
sem correrias
sem stress
nem o despertador grita
ao ouvido...
acordar em "Paz"
há quanto tempo eu
ansiava essa paz!
Beijinho
da Tulipa
Esta é vida,
e tem sulcos e marcas
de encanto e dor!
Parabéns, ainda que atrasados, devido ao meu desconhecimento da data...
Manuela, tem um bom fim de semana.
Beijo.
.
.
. mudar.de.página . é por ora urgente .
.
. (.há pessoas ansiosas por comentar.) . :))) .
.
. grato . muito . tanto .
.
. por este momento . respigador .
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.
. íssimo . feliz .
.
.
obrigada a todos!
e
um grande abraço ao Paulo intemporal!
Uns enclausuram à força, outros libertam com amor.
É o equilíbrio que tem de se manter para que a terra e o homem se encontrem e reencontrem sem se extinguirem.
Um abraço atrasado mas firme
aqui.
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