Eu nunca vi o mar. A minha mãe nasceu na montanha, o meu
pai na planície. Eu nasci entre os quatro. A minha mãe, o meu pai, a montanha e
a planície. Vestiam-me da cor da neve no inverno, das papoilas vermelhas na
primavera, das castanhas no outono, das amoras no verão. Quando eles se foram,
eu continuei a vestir-me exatamente das mesmas cores para que não se
esquecessem de mim.
Se chegavam viajantes vindos de muito longe e eu
suspeitava pelo tisnado da pele ou pelo cheiro das roupas, a sua relação, ainda
que ínfima, com as praias, não os largava com perguntas e anotava todas as
respostas neste caderno, o mesmo a que arranquei duas folhas para te escrever
esta carta.
Não me alongarei. Para contar aos outros o maior dos
nossos desejos, são quase inúteis as palavras. No momento em que desdobraste o
tecido azul e disseste azul-marinho, eu senti a cara cheia de salpicos e eram
salgados como os cristais que acrescentamos à sopa, à massa do pão a levedar,
ao estufado de cordeiro pela páscoa. Formaram-se ondas à superfície e depois
aquele peixe longo a rasar o campo e a pousar no ramo mais alto daquela árvore
e eu a pensar que não conheço nada, pois se nunca vi o mar.
Todas as noites trepo à árvore e fico-me ali no alto a
ouvi-lo e diz-me que tem fome de plâncton e de espuma e que partirá em breve e
eu sei que apenas espera por mim.
Peço-te que me emprestes um pedaço grande do teu pano
azul-marinho para que dele faça uma vela para um barco e um vestido dessa cor
que eu ainda não vesti. Deixo-te ficar o Loris, toma conta dele como se fosse
teu. Ele é manso, tímido, afetuoso e muito inteligente, não te irá jamais
desiludir. Cabe no bolso da tua camisa e gosta de escutar o bater do coração. Quando
eu voltar não terei dificuldade em vos encontrar, mas por ora é esta a minha
demanda e tudo isto é tão fácil de explicar como de entender.
o peixe-voador
o peixe-frade
que não faz a menor ideia do que está a fazer aqui
20 comentários:
"Para contar aos outros o maior dos nossos desejos, são quase inúteis as palavras."
Só uma coisa ficou por entender: quem nunca viu o que tanto deseja ver como sabe descrever tudo como se já tivesse visto?
... entretanto...
chamar palhaço ao Cavaco
faz-me rir
MANUELA BAPTISTA
O peixe-frade ... ai faz, faz:
Meteu-te uma cunha para que o metas no próximo capítulo da tua, mais uma, bonita história!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Maio de 2013
Kriu?
Sabes como sou louca e tontamente enlouquecida pelos teus azuis e ainda mais pelos peixes frades que tanto têm feito pela paróquia de Fânzeres, ao não permitirem que as obesas como eu, permaneçam sentadas durante a missa, pois já não há quem repare as cadeiras como havia antigamente...
Agora vou a correr para o blogue da "poetisa" dos detalhes, outra obesa convencida, como eu, e a seguir ainda passarei pelo blogue daquela que tem muitos nomes e que fica angustiada quando escolhe as palavras, coisa que também me acontecia quando escolhia os namorados aqui, na blogosfera... Mas uns morreram e os outros salvaram-se, mas nunca nas minhas mãos sapudas...
Kriu!
Este mar arável escreve o mesmo comentário em todos os blogues por onde passa... Deve ser o efeito de ter de pagar para publicar, pois agora já sabe quanto lhe custa cada palavra que lhe sai do bolso...
Luas de fel, é no que dão...
Como sempre adorei.
Emocionante.
Beijinhos
Olá, Manuela!
E na companhia desse peixe-voador o desejo dela irá certamente ser satisfeito; num barco de vela azul -mar, e com um vestido da mesma cor.
Sonho comum a tanta gente, este - para quem o mar era terra distante.
Lindo, como sempre.
E agora, em nota de rodapé, sabia que os peixes voadores não voam; apenas são planadores?
Bom fim de semana; um abraço amigo.
Vitor
" Para contar aos outros o maior dos nossos desejos, são quase inúteis as palavras"
Lindo pensamento
Gostei do conto... como sempre
Beijinho de domingo
Filomena
gostei...
eu não sabia viver sem o mar.
:)
.
.
. tão fácil de explicar . tão fácil de entender . tão fáceis as mesmas cores . para que não se esqueçam de mim .
.
. entre.os.quatro . ainda .
.
. e ainda que saiba que nunca viu o mar .
.
. o Loris . gosta de escutar o bater do coração . tal como eu gosto de estar aqui . neste pedacinho de terra . e com o mar todo ele ao fundo .
.
. íssimo . sempre feliz .
.
.
Eu sei o que é que o peixe-frade está a fazer aqui,
mas não digo.
Excelente, como sempre.
Idem para os desenhos.
Um beijo, querida amiga Manuela.
Um sonho assim tem que ser cumprido. Um sonho indescritível são também os seus textos, e as suas pinturas! Gosto muito de parar aqui um pouquinho!
Beijo, boa semana
Isa Lisboa
=> Instantâneos a preto e branco
=> Os dias em que olho o Mundo
=> Pense fora da caixa
Eu também acho que o mar se veste em tons de azul para que eu não me esqueça dele.
O Lori irá ficar bem, esperamos o teu regresso.
Um abraço!
Muitas vezes quando perdemos a esperança e pensamos que é o fim,
Deus sorri lá de cima e diz:
Acalme-se confia em mim... é apenas uma curva não é o fim!
Se Deus encheu tua vida de obstáculos,
é porque ele acredita na tua capacidade de passar por cada um!
Se não podemos mover a terra com nossas palavras,
podemos mover o céu com as nossas orações!
Nossa amizade é como um diamante lapidado...
Seja feliz, DEUS estará sempre ao seu lado!
Um carinhoso abraço beijos no coração.
Carinhos na Alma.
Sempre sua amiga..Evanir..
Sempre nos encanta beijo Lisette
...e os nossos sonhos transformam tudo e tudo ganha nova vida e novas formas.
Bonita a forma dos teu sonho.
Há sempre sonhos por concretizar...
O Lori gosta de estar perto do
coração...como eu o entendo...
Eu também gosto muito de ver o mar... do azul...às vezes o do céu
é maravilhoso e esse peixe-frade um
sortudo!!!
Bj.
Irene Alves
"Para contar aos outros o maior dos nossos desejos, são quase inúteis as palavras"... e, porém, não deixamos de pedir que nos vistam de um azul de regresso...
Um beijinho amigo
Meu marido, que teve infância em Goa, levava o seu esquilo no bolso, para a escola. Conhecer o Loris, trouxe-me essa lembrança, que era dele mas, que ele me "presenteou". Obrigada, por tão linda história...\beijos.
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