Estaria calor, as andorinhas recém-chegadas, uma promessa de folhas de figueira, uma saudade algures entre o coração e o estalar das telhas de marselha.
Não tinha uma hora certa, era quando lhe apetecia.
Calçava as chinelas velhas de borracha, abria a porta e saía
para o quintal. Chamava o cão, desenrolava a mangueira, segurava-a e abria a
torneira na sua potência máxima. O cão ladrava. Nós ouvíamos estes ruídos em
qualquer canto da casa e era um sinal maior de alegria, de liberdade, de
loucura consentida. Saltávamos degraus, largávamos as canetas e os cadernos, a
faca das batatas, a toalha da mesa. Pelo caminho ficavam os sapatos e as meias
e nós descalços aos pulos e aos gritos, mais tarde nus a atravessar o jacto de
água, e até doía.
Há um momento em que a realidade se desdobra e estou eu
agora aqui deste lado insonoro, apenas a tarde quente e os cristais de luz em
cada gota de água. Do outro lado a minha mãe e eu e nós, os cabelos a escorrer,
ofegantes e a rir, deitados na relva.
songs my mother taught me das canções ciganas de Dvorak
19 comentários:
E às vezes é tão bom ir ao outro lado!
Bjs
Tem dias
Nuns, tem o sabor doce que sempre deixa uma doce recordação
Noutros, a ausência é mágoa que dói mais que o jacto de água...
Belo! Na simplicidade da vida, estao as energias do amor, de Deus, do Criador.
Obrigado
São memórias deliciosas estas!
Um bom fim de semana!
Isa Lisboa
=> Instantâneos a preto e branco
=> Os dias em que olho o Mundo
=> Pense fora da caixa
Olá, Manuela!
O prazer das coisas simples que custavam tão pouco, ou a felicidade jorrada dum jacto de água fresca num dia de calor.Que mais tarde se recorda com um misto de saudável saudade e uma pitada de saborosa nostalgia...
Bom fim de semana; um abraço.
Vitor
MANUELA BAPTISTA
Cantava a minha mãe
e eu a rir
procurava no aquém
o além por onde ir
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Maio de 2013
.
.
. "deste lado insonoro" . dão.se alvíssaras às sílabas . na de.composição de um silêncio . exacto . como um todo ou em toda a parte . onde re.encontramos reminiscências . dos alicerces às paredes . ao sotão . e ao telhado .
.
. e talhada está a nossa história .
.
. _________________ . dia da mãe ! .
.
. sempre .
.
. íssimo . pueril . :) .
.
.
Kriu?
Essa coisa dos jactos de água tem qualquer coisa, que não sei explicar, mas que faz com que venhamos sempre a correr...
Kriu!
Sabes como sou completamente elouquecido pelos teus azuis e pelos teus lilases!
São loucamente lindos!
Beijos
Eu sei explicar,
se vimos a correr, quase tropeçamos
é isso
Recordações que cresceram connosco e que agora se manifestam neste dia da Mãe. ~Ela deixava a rotina dos dias e soltava-se dando-nos a chuva da mangueira e os risos inocentes do amor.
Deixamos tudo, mas o tempo recarrega-o nas datas que ainda amamos com amor.
A sua escrita é maravilhosa.
Como gostaria que o outro lado, a outra margem, embora perto, fosse alcançável...
quase sempre (muitas vezes) ao ler-te
sou novamente criança.
leve e belo
boa semana
beijo
Quando chega a Primavera, as efémeras borboletas tingem de cor os horizontes: são os fogos fátuos do dia diurno, e a nossa crença efémera na perenidade,
e,
depois, o vento sofra, e tudo se esvai,
como cantavam os Antigos,
ó, solidão,
e só nos fica o velho rumor do mar
Um texto de uma grande sensibilidade
na recordação de um tempo passado
mas não esquecido.
Bjs.
Irene Alves
Dá vontade de ficar aqui em silêncio apenas suspirando lembranças com você. bacio e boa semana
Que memórias tão mornas, tão alegres, tão maravilhosas.
E a forma de as partilhar tão bem escritas.
Lindo.
Abraço,
Mz
Recordações que alimentam a alma... Revividências...tão bom!
Beijos, Manuela,
da Lúcia
É tão bom recordar...com as lembranças ( e estas tão felizes...) nunca estaremos sós. Há quem diga que" quem volta ao passado, não tem futuro" mas eu digo que é com passado que se constrói o futuro.
Beijo
Graça
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