Gostava de pedras, dos seixos dos rios, das rochas da
praia. Apanhava-as, sentia-lhes o peso, segurava-as entre o polegar e o dedo
indicador da mão direita e olhava-as em contra luz. Depois escondia-as nos
bolsos das calças e do blusão e carregava-as o dia inteiro se necessário fosse,
a professora a perguntar, o que tens, estás tão parado. A recusa no passe da
bola e o incómodo na cadeira do refeitório.
Sabia classificá-las, magmáticas, sedimentares,
metamórficas, mas não era isso que o fascinava. Era a sua beleza, a forma que
as distinguia, a sua solidão. Uma pedra, mesmo junto de outras pedras, parece
sempre só. E ele não resistia, levava-as para casa e dava-lhes um lugar, como o
lugar dos copos é o armário e o das camisolas, a gaveta da cómoda. As que
refletiam a luz ficavam junto das janelas, as mais tristonhas, ao lado da jarra
dos amores-perfeitos. As indefinidas, serviam de travão aos livros de ficção
para ganharem coragem e imaginação. As redondas, na cabeceira da cama, as
irregulares, prendiam os papéis pardos. Como devem decerto saber, os papéis
pardos não têm forçosamente de ser cru claro. Este nome deve-se à sua
personalidade vincadamente forte e servem para deixar recados que não se
entendem, contas que jamais se poderão saldar, ou poemas mancos, daqueles a que
sobram rimas e falta talento.
Quando ouvia alguém dizer, tem um coração de pedra, dava-lhe
uma raiva, uma ferocidade da qual não se sabia capaz. As pedras são mansas,
ouvem-nos, observam, pacificam, não pedem nada em troca, investem no silêncio, e
caladas, são incapazes de dizer disparates.
E uma tarde qualquer, vinda do espaço, passou-lhe rente
ao peito uma rocha enorme e o coração saltou-lhe como um seixo branco.
Disseram-lhe que era aster, uma estrela que tinha perdido o caminho do
universo, que era apenas um ponto luminoso ao entardecer, que não voltaria, que
era infiel aos homens e sobretudo às crianças, um corpo menor. Ele não
acreditou.
E atirou-lhe dois rebentos
de oliveira para que dessem fruto na aspereza solitária das travessias.
duas oliveiras e um asteróide de mb
18 comentários:
Depois de desbaratar botas e sapatos a pontapear pedras, um professor me ensinou a falar delas. Fiquei, depois dessas lições, a gostar das pedras. A única limitação das pedras é não terem braços para nos abraçarmos a elas. Um dia gostei particulamente de uma. Guardei-a. Estive quase a usá-la, quando me disseram que a pedra, qual fosse ela, seria (sempre) um objecto de arremesso.
Tenho-a pois guardada, à espera da altura de ser usada. Talvez a use, para desviar o asteroide,se tua oliveira não der fruto ou se provocarem na alma, o luto...
MANUELA BAPTISTA
Da mansidão à ferocidade dos tempos e à fidelidade das pedras.
Bravo!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 15 de Fevereiro de 2013
Um texto lindíssimo dentro do estilo a que mos habituou.
Gosto de pedras,. Cada uma exerce em mim um fascínio que me deixa a pensar nas sua origem e por quantas mãos terá passado até que nos encontramos.
Não costumo transportar as pedras. Levo apenas a sua imagem e as formas que lhe descobri.
Um dia farei uma parede com todas as pedras que já acariciei.
Será uma parede para abrigar quantos neste tempo ficam sem os seus abrigos e as suas coisas.
Será um baluarte onde os políticos sem sentimentos nem pensamentos de dignidade humana haverão de rachar as cabeças ocas...
Passei apenas para lhe dizer que a solidão, não é áspera.
A solidão é uma excelente companhia.
O Eu com a simplicidade do Eu.
Gosto dos seus contos, envolvem-me em tranquilidade e transportam-me para a minha maravilhosa infância.
Bem haja.
.
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. another point . in . langkawi .
.
. :) .
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. and . another . too . in the music of the words .
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. best regards . from malaysia .
.
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e espantoso
é vê-lo a piscar!
agorinha mesmo
:)
Achei fascinante, lindo, maravilhoso e todos os outros adjetivos que possam existir!!!!!!!!!!
parabéns
beijo e um lindo fim de semana
Gosto de pedras, principalmente no seu estado bruto.
Adorei este conto!
Beijinhos
Amo pedras... desde a infância.
E sempre que posso trago uma comigo, dos lugares por onde passei, na esperança de lá um dia voltar e então devolvê-las.
Beijinhos
Também acho interessante, o formato de algumas pedras. Mas agora fiquei a gostar ainda mais delas!
Beijo
Olá, Manuela!
Uma pedrinha tornada tesouro, ou como é bom ser-se criança...
História de encantamento - e um prazer de leitura.
Um abraço, e bom fim de semana.
Vitor
interessante, as nuances que dás aos textos.
eu tb gosto de pedras, e tenho algumas guardadas.
beijo
bom fim de semana.
...e as pedrinhas de beira de rio, ovaladas e lisinhas? Iria recolhê-las todas,como fiz muitas vezes...
Enchi a alma de infância, como é bom!
Beijos,
da Lúcia
Na minha adolescência apanhava pedras e pintava-as. Ofereci algumas e outras ficaram para me lembrar que até numa pedra se pode plantar algo.
Mentalmente também eu vou atirando rebentos de oliveira a todos os asteroides, uma prece de vida para para lembrar que todos temos o nosso lugar.
Sempre surpreendente, Manuela.
Um abraço.
Minha querida
Eu adoro pedras, pois cada uma é diferente da outra e acho que também têm vida e neste belo texto elas viveram nos olhos do menino.
SUBLIME sempre.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
Há corações que são uma ofensa às pedras...
Também gostava de pedrinhas, mas nunca tive espírito de coleccionador. Gostava de as atirar tangentes à água do rio, para que dessem passos sobre a água fora até se afundarem...
´Magnífico texto, como sempre.
Um beijo, querida amiga.
voo da alma
tem razão, a solidão nada tem a ver com estar só
um abraço
Hos da maneira como escreve e expressa o seu pensamento.
Agradeço os momentos de leitura e reflexão que me proporciona.
Romão Machado
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