Uma madrugada chegaram, e ela reconheceu-os pelo
despojamento das vestes, pelo pó nas sandálias, pelos olhos da cor do chá, pelo
tisnado da pele.
Despontavam já rebentos de frésias e aclaravam-se os dias
de inverno, porque se o frio apequena todas as coisas, o oriente é onde nasce o
sol e sempre será.
Os ciclos repetem-se, como se repete o nascimento e a
morte, o gelo e o calor, a guerra e a paz, os tempos de abundância e os de
penúria, o desânimo e a esperança, o sol e a lua.
De entre eles, ela sabia que apenas um seria rei e
entoou-lhes um canto de janeiro e eles ofereceram-lhe uma cana de açúcar, uma
linha de bordar e uma caixa de prata fechada a doze chaves, uma por cada ano
que ela tinha.
Nunca contou a ninguém este encontro e foi crescendo mais
doze anos e em cada um deles pela madrugada, pegava numa das chaves e abria a
caixa de prata e dela retirava uma alegria. Assim resistiu à solidão da
infância que os outros chamam de inocente, do melhor que o mundo tem, de
lugares comuns que são aqueles que nos conduzem a nenhures.
Pelo caminho aprendeu a trabalhar o açúcar com claras de
ovos batidas em neve fina e enfeitava os bolos, colocando-lhes no topo as esculturas
que imaginava e chamavam-lhe mão doce, a rapariga que plantava canas e
esculpia.
E quando as doze chaves terminaram, ela vestiu uma túnica
branca sobre o vestido preto, guardou a caixa de prata no bolso, partiu os
ovos, separou as gemas das claras, bateu-as em neve fina. Misturou o açúcar e
continuou a bater até o braço lhe doer e por fim fez uma coroa que parecia
doce, renda, abertos e fechados de linha.
Mago é o rei capaz de encontrar o que de invulgar tem
cada vida.
19 comentários:
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.
. acabo de clicar num link que dizia "sem comentários" .
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. é isso mesmo .
.
. sem comentários . está tudo tão belo . tão terno . o texto . as pinturas .
.
. sento.me e sinto.me .
.
. um reizinho . alegre .
.
. e feliz .
.
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. parabéns . nelita .
.
.
Menina que plantas canas
Faz-me um castelo de claras bem batidas
Enfeita-o com bandeirinhas
doces e coloridas
E na torre mais alta e mais bela
coloca-me lá, dentro dela
Sempre sonhei
Ser Rei
Kriu?
Há dias de tudo e para tua desgraça não te irei dizer qual é o dia da lazeira, caso contrário, irias já para lá...
Olha quem, mais (te) vale uma mão inchada do que uma enxada na mão!
kriu!
Gostei particularmente da cor do batom que se usava naquele tempo e da maçã de rosto quase a dizer um segredo ao ouvido...
Hoje falei de ti, porque me vens à memória, embora tenha estado longe demais de ti...
e disse
"Sei de aguém que faria desta "tela" um belo conto. Chama-se Manuela Baptista e conta histórias de encantar.
Sublime."
Não sei se encontrarás, pois são muitos os posts diários, mas se quiseres tentar, deixo aqui o link.
https://www.facebook.com/groups/314466852009869/
Um beijo doce como este conto tão leve e maravilhosamente belo.
Gostaria de lhe desejar
tantas coisas...
mas nada seria suficiente.
Então, desejo apenas que
você tenha muitos desejos.
Desejos grandes e que eles
possam te mover a cada
minuto, ao rumo da
sua felicidade e que vc tenha
sempre muita paz e luz.
Um feliz e abençoado final de semana
a primeira de 2013 .
Toda felicidade paz saúde e amor
para você Beijos no coração e carinhos na alma.
MANUELA BAPTISTA
Uma alegria faz a Primavera como invulgar sinal de esperança é a vida de cada um de nós ou um traço ... um desenho maravilhoso.
Bom dia de Reis!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 6 de JUaneiro de 2013
Olá, Manuela!
Original este conto de dia de Reis, como por aqui é hábito encontrar, com sabor a coisas doces e fantasia - e lindos desenhos a decorar.Uma delícia!
Abraço amigo
Vitor
Enquanto lia parecia estar a ouvir uma história antiga, no tempo da infância, quando o nono nos reunia a todos junto a lareira num fim de tarde, com chocolates em mãos e sensações de aconchego na pele. Fechava os olhos e sonhava com aquelas paisagens e suas pessoas. E quando abria os olhos a realidade era um delírio e a ilusão o sopro do vento morno. rs
bacio carissima, grazie por essas sensações deliciosas.
Minha querida
Depois de ler esta melodiosa história, senti-me no reino das fadas e fiquei sem palavras...senti-me tão pequenina perante o teu talento.
Deixo apenas um beijinho e a minha admiração
Sonhadora
"Mago é o rei capaz de encontrar o que de invulgar tem cada vida."
Assim é, e alma de escritora tem quem escreve assim...
Deixo um beijinho, em vez de uma caixa com 12 chaves, mas esperando que lhe traga também muita alegria!
se um pássaro-folha voar da sua janela, fique feliz se faz favor! :)
gosto muito de si, Manuela!
a gente vê-se por aí...!
um xicoração do tamanho do mundo, e um mundo com um coração maior ainda
seu amigo de sempre e para sempre,
nandinho, o pássaro-folha
De invulgar tem a vida e este conto tão sublime.
Bjs
original e inovador como só a Manela sabe escrever....
;)
Kriu?
Olha, sabes, ontem, pouco passava das seis da matina e já andava uma pessoa do Porto, naquele blogue, o intemporal, a meter o nariz em tudo, a ler os comentários, enfim, a cuscar...
Que vergonha, não é? Ao trabalho que se dão, só não sei como conseguem depois ter cabeça para um dia de trabalho pela frente, se calhar é por isso mesmo que o nosso país chegou ao estado a que chegou...
Maldito funcionalismo público!
Kriu!
O caminho é uma aprendizagem com sonhos de infância misturados com a realidade do fazer e aprender com persistência.
E seremos magos e reis se conseguirmos fazer crescer claras em castelo firme e à mão!
Não é para todos.
Abraço xx
maga a escrita que nos faz sentir coroas doces de reinados bordados a palavras de ouro.
uma admiração (e)terna, a minha. por si.
Kika,
Sabes bem que ela tem de ter assunto para dar à língua no Facebook e por email, junto das poetesas enfermeiras e das searas professoras...
Uma história para dia de Reis e tenho a certeza que foi a menina que, com a sua receita culinária, inventou o Bolo-Rei...talvez ela não soubesse mas, nós que acompanhamos a sua arte...temos a certeza do que afirmamos e isto, porque só é "Mago quem for capaz de encontrar o que de invulgar tem a vida".
Beijo amigo
Graça
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