lomami


Uma linha de água separou-os. Nem deram por isso.
De pé na floresta húmida, parece pequeno, cinquenta centímetros de músculos, ossos, cartilagens, coração, pulmões, sangue, cabelos, olhos, boca. O solo rente, o odor primitivo do mundo.
A noite que lhe dá segurança, curiosidade, destreza, também atrai o perigo. Um descuido e torna-se presa, caçado, privado de liberdade, desfeita a vida.  Isso, apenas o saberá no momento exato da captura, não antes, não quando ainda não existia.
Talvez tenha medo do ruído das torrentes, da luz dos relâmpagos, dos ramos emaranhados das árvores, da picada das cobras, da peçonha das aranhas.
Talvez tenha saudades de andar às costas da mãe, de mordiscar o pescoço dos irmãos, de rebolar na erva, único, perfeito.
Nos eclipses da lua interroga-se sobre a mancha que cresce e ocupa a luz, nos do sol cala-se, porque lhe é familiar a natureza da privação. O grupo que o protege é em número reduzido, reconhecem-se pelas vocalizações que emitem, pelo território que ocupam. Escutam os sons da floresta e o estalido das folhas e por fim mergulham nos grandes lagos, superfície líquida, pura, que emerge do olhar.
Nós ficamos deste lado e do outro, timidamente maravilhados macios dentro do peito.
É uma espécie vulnerável. Nós também.
Lomami desenho a pastel de mb
o verdadeiro Cercopithecus lomamiensis é este aqui

23 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Ia o fim da tarde, como sempre belo com a senhora do sol a prometer, como sempre fazia com seus tons vermelhos e alilasados, um próximo dia bem quente. Já no lusco-fusco se ouviram as primeiras estridências. Não eram nem choros nem gritos. Entre uma coisa e outra, eram sons aflitos, não atribuíveis a humanos. E eram muitos, e em crescendo, num coro entre o belo e o horrendo. Perguntei ao preto André o que seria. E ele, naturalmente, me respondeu: "Furrié dotor, uns macaco mureu". E som cresceu, cresceu, cresceu... mais que as inúmeras gargantas que a família do macaco teria... e me perguntei se, quando morrer, tanta gente, assim, choraria por mim...

Tão vulneráveis quanto nós, mas mais solidários. Certamente.



Jaime Latino Ferreira disse...

CERCOPITHECUS LOMAMIENSIS


Desculpa-me, temo-nos por dominantes, com ou sem rio a separar-nos, que queres!?


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Setembro de 2012

. intemporal . disse...

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. a paixão em flor . o quebranto da linha d`água . e cada mágoa se apazigua . nesta mar de tanta água . onde sábia . a palavra sábia . a cada história . se insinua .

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. íssimo . sempre feliz .

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Kika disse...

O Lomami é muito parecido com a minha namorada nova! Talvez até um pouco mais bonitinho... Também é do norte?

Unknown disse...

ó gostava tanto de abraçar estes meus manos...:)

tão fofinhos... herdei eu deles, ou foram eles que herdaram de mim? :)
ó não interessa, somos lindos!

olá Manuela!

obrigado, pelo traçado das suas linhas, rectas ao coração dos homens

um beijo

nandinho

Rita Freitas disse...

Magnífico, este texto sobre estes seres tão especiais.

Beijinhos

Nilson Barcelli disse...

O que pensarão de nós, se é que pensam, quando nos vêem? Provavelmente que somos uma espécie doente, pálida de fome e cansaço... se forem brancos, que pretos deve ser outro o seu entendimento...
Belíssimo texto. Tal como os desenhos.
Manuela, tem um bom fim de semana.
Abraço.

Anónimo disse...

Estás a pintar cada vez melhor!

Cada coisa que pintas parece-me outra coisa!

Aposto que se um dia quisesses pintar uma poetisa, eu veria uma enfermeira! Do Centro Hospitalar de uma Póvoa que eu cá sei...

. intemporal . disse...

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. e,,, .

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. o Lomami . tem um triângulo azul . no mesmo tom do Pernaltinha .

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. re.tenho.o como um sinal . :) .

. de esperança . :) .

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Isa Lisboa disse...

Sim, somos uma espécie vulnerável, embora nem sempre o queiramos admitir...
Iomani deve ser feliz, fico contente por isso!
Beijos

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

O Cercopithecus iomamie está mais pra humano que muitos ditos....sentí-me na Amazônia, que está mais perto de mim...lá estão seus (nossos) irmãos africanos.
Que beleza, pintura e texto!
Beijos, Manuela.

Em tempo: você está certa, quanto à música de Alberto Nepomuceno...a letra é um poema de Machado de Assis(o escritor, poeta...) que era seu contemporâneo e grande amigo, no Rio de Janeiro (que era a Corte, então).Até...

alegria de viver disse...

Olá querida Manuela

Seu desenho melhorou muito o rosto de Lomami, ficou tão expressivo com essas cores que até eu tenho coragem de dar colo.
Infelizmente o ser humano caminha a passos lentos, mas está melhorando.

Com muito carinho uma estrada luz BJS.

Graça Pereira disse...

Sim, não podia deixar de gostar deles... Conheci-os de todos os tamanhos! São irrequietos, inteligentes e meigos, família do Lomami aqui, tão bonito!
E por incrível que pareça, são bons guardas. Ao aparecimento de estranhos, guincham até aparecer o dono. Como diz o Rogério são solidários. Choram a perda dos amigos e fazem luto.
Vulneráveis? Somos todos.
Beijo
Graça

CamilaSB disse...

Querida Manuela,
as suas palavras são sempre de uma sensibilidade poética admirável... gosto muito de as ler e reler!
Conheci o Cercopithecus Lomamiensis e achei que, a linha d'água que nos separa é tão ténue... talvez que a maior diferença entre nós e eles, esteja na capacidade que nós humanos temos de destruir muitas das coisas em que tocamos...
Também acho que nós e eles somos espécies vulneráveis e devemos zelar pela nossa conservação e pela deles claro!
As suas pinturas, além de maravilhosas têm alma dentro delas!
Trouxe as duas "taças cheias" para brindar ao seu talento! Tchim-tchim!
Beijinho e BS :)

Silenciosamente ouvindo... disse...

Os seus posts são especialmente dedicados "a ideias sublimes" que
a Manuela consegue ter. Este ao
Lomami é maravilhoso.Também gostava
de saber o que pensam de nós. Entre
"os ditos humanos" já é normal não
se chorar os mortos, não fica bem -
-dizem.
Um beijinho
Irene Alves

mz disse...

Os afectos entres os bichos surpreendem-me sempre.

Nós estamos dos dois lados maravilhados mas também vulneráveis.


Um abraço Manuela.

Menina no Sotão disse...

Você tem razão, é uma espécie vulnerável, mas acho que são mais humanos. Isso dito por alguém que tem apreciado e admirado muito mais ao seu cão que certos humanos em fila pelas ruas da cidade. rs

bacio

Menina no Sotão disse...

Uma curiosidade sobre esse desenho. Foi tu quem o fizestes? Adorei as pinceladas...

manuela baptista disse...

mb sou eu, Lu

:)

fui eu que pintei, inspirada na fotografia do jornal do Cercopithecus lomamiensis, muito mais bonito do que o meu...

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida

Por vezes são mais humanos que nós, como sempre sublime nas palavras e na pintura.

Um beijinho com carinho
Sonhadora

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

surpreendente.

como sempre muito bem escrito.

beij

Luis Alves da Costa disse...

Este também é fantástico!
Já estou a pensar numa exposição conjunta, de animais miniatura, em ambiente ingénuo. :-)

manuela baptista disse...

o Lomami...??

:)