Simplifico. Nada de mais falso a artificialidade das
palavras.
Pegamos numa folha no sentido horizontal e com os dedos
indicador e polegar rasgamo-la até ao pecíolo e debaixo de um jacto de água
purificamo-la. Se a carne estiver lardeada, entalamos pedacinhos nos fios que a
sustentam, um contacto íntimo, promíscuo, essencial para a libertação do aroma
e do sabor. Mas se a nossa pressa for apenas vagar e o fogo médio, os sucos
formam-se e jamais se desforma a folha. Depois é molhar o pão quente e escorrer
brandura.
Vai-te embora passarinho, deixa a baga do loureiro, deixa
dormir o menino, que está no sono primeiro.
Acrescenta-se o sal e a pimenta e as ervas de cheiro e o
azeite está na natureza desta terra tão mal querida, desajeitada, ferida. Lágrimas
de crocodilo diz-se de quem chora fingido. Chorar não ajuda nada. Ninguém muda
o lugar onde nasceu, mas muda o destino ai sim.
Observo calada para não acordar os pés de salsa. Nada de
mais belo a simplicidade das folhas. Isoladas são insonoras, folheadas as
árvores, copa frondosa vem o vento e são como a água, é só fechar os olhos e
não saberemos nunca se é um regato, a chuva ou as folhas a contar viagens, as
persistentes, de um só limbo ou de dois limbos o paraíso terreal é uma busca de
séculos efetuada pelos homens que acreditam no seu próprio sonho. O de deus é
para nós um sonho adiado infinita a sua misericórdia mas dura a sua travessia.
Pergunto-me se um dia nos encontraremos os quatro, eu e deus e os sonhos de
ambos.
Se não caracterizamos falamos de quê, de que é que
falamos. Laureado é aquele que colocou na cabeça uma coroa de louros, nós, uma
coroa de mago.
Vai-te embora papãozinho e até o peixe ganha vida se
acrescentarmos à água da cozedura uma folha das mais pequenas e soprarmos,
navega, uma espinha é um mastro e tu barco à vela, deixa as telhas do telhado,
deixa dormir o menino um soninho descansado.
E se por um acaso o coração nos parar assim de repente
sem o esperarmos nem tão pouco desejarmos, é porque nos enganámos na folha e
colhemo-la do loureiro-rosa, venenoso. Esta hipótese é apenas remota mas o
perigo real.
Imagino. Nada de mais real imaginar assim. As folhas
captam a luz e eu devolvo-lhes a sua própria vegetalidade.
Relato histórico é embalar um canto não te vás pássaro
que o menino dorme papão é um país assustado nas telhas de um telhado. Negra é
a baga e tranquilizadora a folha verde a que dei brilho silêncio e cor.
insonora óleos de mb
34 comentários:
Olá, Manuela!
Rico e suculento prato este, cozinhado no reino da criatividade e imaginação. E lindamente decorado de fantasia.
Abraço amigo; bom fim de semana.
Vitor
As falsas palavras - artificiais.
A Manuela deu a receita. É só saber cozinhar e não nos enganarmos nas escolhas.
Algumas espécies são venenosas e matam.Precisamos todos estar atentos e não nos deixarmos enganar.
Querem servir-nos pratos de palavras com alto teor de veneno disfarçado de bombom...
MANUELA BAPTISTA
Fica aqui meu passarinho
come a paga sê primeiro
deixa acordar o menino
do seu sonho prazenteiro
BRAVO!!!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 14 de Abril de 2012
Palavras esclarecidas, forjadas no filtrar do acessório.
Muito bem, Manuela!
Beijo :)
As escolhas podem ser fatais quando não se conhece a natureza das plantas.
Podemos fácilmente envenenar o nosso próprio cozinhado.
Imaginei o meu país um peixe a ganhar vida tendo a sua própria espinha como mastro de um barco à vela. A dor num retrato surreal.
Mesmo querendo expressar perigo, as tuas palavras são sempre doces.
Um abraço e bom fim de semana.
Mz
É sempre tão bom ler as palavras que aqui inundam os minutos em que as leio. Palavras que pegam em algo (aparentemente) simples e a povoam de beleza!
Um beijo e bom fim de semana!
Excelente texto...
Cumprimentos
.
.
. e assim se coroa a nossa rainha das palavras . maga zoroástrica na predição do destino . como oráculo ou vaticínio .
.
. como um presságio .
.
. ao deixar.nos o pressentimento .
.
. de que em breve . muito breve.mente . a Obra . manuscrita . impressa . nos seja ir.remediavel.mente um altar de Luz . que nos nasce das palavras oriundas da Criação .
.
. para legarem . seja qual for em que futuro do tempo . a gratidão que reconhecem às folhas . onde repousam . como centelha eterna .
.
.
. íssimo . feliz .
.
.
Auf!
Aqui não se enrolam, quaisquer que sejam, as extensões do corpo, porque aqui, a palavra flui, liberta das pretensões sahroi, de tantos metros e meio.
(Acho que mereço um croquete...)
Auf!
Béu, béu!
Alto sou eu, durante uns segundos...
Béu, béu!
E assim me delicio a ler mais um conto onde a folha do loureiro que tempera também mata, especialmente se for de cor rosa.
Li calada "para não acordar os pés de salsa" enquanto o meu coraçãozito palpitava a acreditar neste sonho.
Obrigada amiga Manuela, nunca saberei dizer-te tudo o que mereces, nem eu nem muita gente, só talvez a Eva!!!
Beijo
Ná
Sabes brincar com as palavras, do mais complexo cozinhado ao navegar num barco com vela num mastro de espinha.
Soberbo, uma vez mais.
Manuela, querida amiga, tem um bom fim de semana.
Beijos.
sem artifícios, simplificou e muito bem!
só a digestão pode ser muito complicada, quando se não conhece a natureza dos ingredientes que cozinhamos
e depois, há que ter em conta a importância de uma faca bem afiada, para cortes cirúrgicos, precisos, enérgicos, mas de nada nos valerá se não tivermos um pulso firme, uma mão que a domine
provavelmente, este, é dos textos mais incisivos e inteligentes que li aqui, é recto e directo, limpo e límpido, tem a segurança de um pulso firme, que sabe guiar o fio da lâmina até à raiz do veneno
complicado? nada complicado, quando se domina a arte de bem confeccionar os alimentos, e na língua se tem um refinado e apurado paladar, e num canto da cozinha, um caixote do lixo, sempre pronto a receber o que não pode entrar no nosso cozinhado: o intragável
Manuela, um beijo e... venham mais assim!:)
compliquei? :))
Nandinho
Eu percebi tudo nandinho!
Simplifico. Cá do telhado, agarro a folha verde que nos estendes... :) Das palavras menos artificiais que já cá li! Beijinho
Explique-me Manuela,
deseja que o passarinho parta para deixar dormir o menino ou que o pássaro fique, para que o menino observe o seu voar num espaço amplo de liberdade?
Um pássaro feliz, livre que esvoaça numa brisa de levíssima aragem, sobre um mar ora fremente ora complacente.
Ou sobre uma lagoa de cor azul esmeralda, numa trajectória de astros brilhantes, mitridatizados.
Diga-me.
digo, Hanaé
mas apenas porque não tem blogue e não lhe posso responder de outra forma
pois é, esta dicotomia mitridatizada :)
mas é simples: são a novas orientações, despacho conjunto da saúde, educação e segurança social
os meninos dormem demais! e assim como os pais vão ser proibidos de fumar nos carros estando os ditos, meninos, na cadeirinha
-coisa que qualquer pai ou mãe já fazia, mas com este estímulo vai deixar de fazer-
também as sestas dos bebés serão extintas para que todos aprendam desde cedo a não serem mandriões
e eu fico assim sem saber, se o pássaro cante ou não, para acordar ou não, o menino
desejando que tenha sentido de humor
e que conheça a canção de embalar que me embalou a folha de louro
um abraço
.
.
. e,,, .
.
. terna.e.e.terna.mente grato . pela construção do dia dez de abril de dois mil e doze . no intemporal . que reconheço . neste aparte .
.
. íssimo feliz .
.
.
obrigada, paulo!
Não é saber brincar com as palavras
é saber colocá-las de uma certa
forma tendo como pretexto x peça,
x situação.Além de ter inteligência
q.b. tem uma dose enorme de sensi-
bilidade, de captação da vidas nas
mais pequenas vertentes,Em suma os
seus posts requerem um grau de capa-
cidade para os ler/entender...mas
são sempre geniais e (a mim) torna
difícil o papel de comentarista,
porque entendo, que um comentário
deve acrescentar algo de positivo,
mas como fazê-lo se o post é de tão
elevado nível?
Tenha um bom domingo.
Bj.
Irene Alves
e a folha verde ganhou vida com o texto cheio de criatividade, que se lê de um só fôlego.
um bom domingo
beij
Há verdadeiro mundo embarcado no dorso verde da folha verde.
Cadiho RoCo
Entendi Manuela.
E tenho um enorme sentido de humor.
Adoro rir e sou e serei uma eterna menina, que solta sempre na primeira oportunidade uma gargalhada.
Uma gargalhada feliz, que envolve todos os que comigo privam em felicidade.
Obrigado.
"...E se por um acaso o coração nos parar assim de repente sem o esperarmos nem tão pouco desejarmos, é porque nos enganámos na folha e colhemo-la do loureiro-rosa, venenoso. Esta hipótese é apenas remota mas o perigo real..."
É sim, Manuela, o perigo é real!
Fabuloso, como sempre.
Beijinho,
Ana Martins
E que não faltem ao "menino" doces canções de embalar, capazes de o libertar de pesadelos! Artificiais, as palavras?! Não nestas letras: por aqui não se (a)colhem temperos venenosos!
Fabuloso, como sempre, Manuela!
Beijinho
jc
Belíssimos texto
Em Abril tudo floresce
até os os sonhos
Querida amiga
Folhas simples com muita sabedoria, é assim que sinto, a simplicidade só existe no sentimento dos sábios.
Maravilhoso.
Com muito carinho BJS.
Olá, adorei estas palavras tão leves como a brisa. Também adorei a dos ovinhos da Páscoa. Beijos
Se o tempero não é certo, não tem conta, nem medida...fica o assado estorricado e não há loureiro que o salve! O país assarapantado enfeitou-se de loureiro-rosa muito à pressa para conquistar uma coroa.
Ficou tudo envenenado e o menino já não dorme descansado.
E agora, o que fazemos ao papão?
Dos contos mais perfeitos e verdadeiros, numa analogia que só tu conheces o tempero.
Beijo
Graça
Minha querida
Ler-te é adentrar por mistérios insondáveis...entrelinhas por dentro das palavras.
E...comentar o BELO é muito difícil é como temperar a vida com o ingrediente certo.
Deixo um beijinho com carinho
Sonhadora
Interessante este texto.
As mensagens que passa são muitas, provocando o discernimento, assim como o brilho, silêncio e cor
Beijinhos
Manela
vim reler e deixar votos de bom fim de semana.
beij
Manuela,
És uma querida!
Simplifico,assim,num abraço sem palavras.
Linda Simões
Soberbo o que escreve. Contos infindáveis dificeis de esclarecer
ao acordar da manhã.
Não há certezas
Não há tempo a contar.
Maria Luísa
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