Após as chuvas fortes e à medida que as noites se estendem ainda a tarde não caiu, o frio quebra-se num interregno doce e quente de frutos descascados, de geleia fervida em pau de canela, a calda, o ponto de estrada, de cabelo fino, de pérola como um colar, assoprado como bola de sabão, de rebuçado para enjoar e trincar, atirado às colheradas quentes na pedra mármore gelada.
“Não é rebuçado, se não tiver papel…”dizia o menino, “terá! de seda, encarnado, azul ou amarelo-torrado e as duas pontas enroladas, para se esconder, para ninguém saber que está ali um rebuçado, de açúcar queimado!” respondia a mulher, “é um mês enganador” continuava, “o décimo primeiro, dizem, mas é o nono de um calendário antigo e não te esqueças das falas que te ensinei, das rezas para amedrontar os animais maldosos, maliciosos que apenas te querem enfeitiçar, enovelar nos seus enredos! Diz comigo…” e ele dizia:
“se um novénio de tempo me trouxer medo e torpor
por um noveno eu troco uma novena de amor”Sabiam outras, para espantar os sustos e as sombras da madrugada quando as corujas libertam o seu piar, as árvores espectrais desenham vultos inquietos e os morcegos rasam os anjos, desafiando-os a um voltear.
“Num barco de prata acordo o luar
“Não é rebuçado, se não tiver papel…”dizia o menino, “terá! de seda, encarnado, azul ou amarelo-torrado e as duas pontas enroladas, para se esconder, para ninguém saber que está ali um rebuçado, de açúcar queimado!” respondia a mulher, “é um mês enganador” continuava, “o décimo primeiro, dizem, mas é o nono de um calendário antigo e não te esqueças das falas que te ensinei, das rezas para amedrontar os animais maldosos, maliciosos que apenas te querem enfeitiçar, enovelar nos seus enredos! Diz comigo…” e ele dizia:
“se um novénio de tempo me trouxer medo e torpor
por um noveno eu troco uma novena de amor”Sabiam outras, para espantar os sustos e as sombras da madrugada quando as corujas libertam o seu piar, as árvores espectrais desenham vultos inquietos e os morcegos rasam os anjos, desafiando-os a um voltear.
“Num barco de prata acordo o luar
num barco de seda espalho um segredo
num barco de vime vou ao fundo
num barco de ouro tenho um tesouro.”Ficavam pelos pomares das macieiras e combinavam as tartes de folhada massa e de como se cortava finamente o fruto com rapidez e perícia, para que não oxidasse e na mistura sábia do ácido e do doce as ligações soltassem todo o seu esplendor na simplicidade química dos elementos.
Depois caminhavam a distância dos montes e dos carreiros onde na Primavera as bagas vermelhas cresceriam, num zumbido de abelhas gulosas e à medida que o dia amornava, iam mais longe onde o coração chamava.
Na densidade de um bosque onde a luz penetra apenas na manhã terna, a mulher e a criança descansavam e o menino procurava folhas secas, pedras redondas e pauzinhos do tamanho de uma casca de noz.
Depois caminhavam a distância dos montes e dos carreiros onde na Primavera as bagas vermelhas cresceriam, num zumbido de abelhas gulosas e à medida que o dia amornava, iam mais longe onde o coração chamava.
Na densidade de um bosque onde a luz penetra apenas na manhã terna, a mulher e a criança descansavam e o menino procurava folhas secas, pedras redondas e pauzinhos do tamanho de uma casca de noz.
Ele pedia-lhe: “conta-me o conto da árvore dos cisnes…” e ela contava, de um cisne negro apaixonado por um cisne branco vaidoso e altivo que o desprezava e ele chorava inconformado e só. O menino ouvia e espalhava na terra as pedrinhas redondas, as folhas e os paus do tamanho de uma casca de noz e fazia a casa do cisne, o lago dos peixes, a terra molhada.
Quando na torre o sino tocava as cinco e meia da tarde, o cinzento inundava os troncos despidos das árvores, as tocas dos coelhos, as curvas da estrada e as serpentes rastejavam e silvavam sob as folhas secas.
Quando na torre o sino tocava as cinco e meia da tarde, o cinzento inundava os troncos despidos das árvores, as tocas dos coelhos, as curvas da estrada e as serpentes rastejavam e silvavam sob as folhas secas.
E enquanto os cisnes da árvore curiosos espreitavam, a mulher dava a mão ao menino e lentamente regressavam a casa, inventando e desenrolando as falas mansas como se fossem asas.
desenhos recortados, colados, falados, de mb
41 comentários:
.
. como se fossem asas ao lusco.fusco do final da tarde .
.
. como se fossem rasos os elementos químicos que assim se atrevem e assim se insinuam .
.
. como se fossem passos o estalar dos dedos entre.tantos.abraços .
.
. amplos e lassos .
.
. e sem em.baraços .
.
. en.quanto me fico pelo íssimo total e feliz .
.
. e d.aqui e.terno aprendiz .
.
. paulo .
.
MANUELA BAPTISTA
É ...
... e como falas mansas que mais parecem asas, como o teu conto, o teu desenho reluz para lá de um acinzentado entardecer!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 6 de Novembro de 2010
Bom dia Manuela,
Deliciei-me numa leitura lenta e atenta e senti-me como uma menina ouvindo os contos de sua mãe. Recordei uma infância feliz, com tantos destes ingredientes e pelas falas mansas e doces e por todos os caminhos percorridos na leitura lhe agradeço este belo momento.
Adorei o simbolismo das rezas, não conhecia estas, espantosas e belíssimas, de um património que se vai perdendo com os nossos avós.
Genial como sempre.
Um beijo
Branca
Só a Branca para me fazer rir, logo pela fresca!
ainda bem que se sentiu menina e feliz
mas tenho de ser verdadeira
as falas para esconjurar medos e segredos
foram inventadas por mim!
o património cultural, apenas se pode sentir mais rico com isso, é claro, talvez as envie à Gabriela Canavilhas :)))
beijinhos
manuela
“se um novénio de tempo me trouxer medo e torpor
por um noveno eu troco uma novena de amor”
Uma enorme capa de ternura protege os dias, alicerçados em falas e encantamentos vários.
O mundo, ali, tem a imaginação como limite, tecida na envolvência das cores, dos sabores e dos cheiros, e o cisne branco aprenderá, com certeza, a devida lição.
À noite os dias prolongam-se nos sonhos, e as manhãs de afectos irromperão com o retomar das falas, velhas as sempre novas...
beijo :)
AC
entre falas e encantamentos
a si dou-lhe um abraço, por ter chegado atrasado :)
manuela
Manuela
Ler os seus textos é um acto de magia neste Outono que se alonga em dias de oiro.
Beijissímos
Manuela,
Os meus parabéns, as falas inventadas são tão fantásticas, que embora não tivessem um cunho muito popular, nunca adivinharia serem suas, o facto de estarem entre aspas induziu-me a pensar que teriam outra origem.
Enriqueceu concerteza o património dos esconjuramentos. :)
Beijos
Branca
Manela
Um conto de encantar...numa tarde onde os aromas das compotas se misturam com as das folhas secas, estalando debaixo dos pés e em Novembro, o mês nono noutro tempo...já se sonha com a Primavera!
Para ler muito devagar...como um rebuçado escondido num papel verde brilhante e deliciarmo-nos lentamente e depois, pedir:
-Conta-me todos os contos do mundo, como só tu o sabes fazer!
Beijo
Graça
atrasado chego eu!
e agora não sei se apenas me sobram os papelinhos dos rebuçados... e se assim for, com eles farei uma frota de barquinhos coloridos que lançarei ao lago onde moram cisnes negros tristes e sós
Manuela,
de tão suculento que é este conto, tenho vontade de o espremer na boca; vontade de o apertar entre os dedos para ouvir um estalar de folha seca...
belíssimo belíssimo belíssimo!!!
um beijo
walter
uma escrita escorreita, limpa e transbordante de memórias.
por vezes é muito dificil (para mim) comentar a escrita da Manuela, porque ela me transporta sempre a um cais de memórias que eu julgava extinta.
obrigada por mais um texto tao belo que aqui nos dá a partilhar!
e deixo um beijo
Olá Manela,
Muito atrazada eu… mas podias ao menos dar-me aquele botão de papoila que parece mesmo o bico de um cisne… parece único mas vão nascer + e mais e abrir todos quando o sino tocar ao mesmo tempo que os guizos entre a lã branca e sedosa das ovelhinhas …. ás cinco e meia da tarde de um dia destes… com mel no chá e bolachas de manteiga….
A©or dei tarde, dum sono leve com asas de papa gaio colo® !do na porta do sol…
Era o sonho vestido de trovador à lua
…
a bolacha americana estaladiça…
quebradiça na língua solta ao aroma dos ouvidos…
coisa digna nos caminhos do ©éu…
deslizo ensonada da areia da praia deserta e mergulho nos restos de luar e da espuma da onda maior…
deusa do orvalho e feiticeira dos caçadores de gaivotas
um pescador de penas
sem arma nem flecha só uma cana para recortar um pífaro
e entoar o cântico ás águas profundas…
apenas corais
e a profecia de um canto macio onde continuar o sonho com a deusa do amor
Uma Afrodite sem baton tingida de azul esmaltado e prata…
é o que dizem as falas dos pescadores de oráculos
….
É sublime… esta história… fez-me pensar nos meus patinhos amarelos que pareciam de veludo deitados em sedas vermelhas… tinham o sol quentinho nas penas delicadas…
Adorei tb o desenho… como sempre…
Tudo tão B ELO…
...
...
!
n
f
i
n
i
t
o
beijinho…
dou
um Outono de oiro à Filomena!
um conto só
à Graça Pereira!
dou
um barco de rebuçados
forrados de folhas acastanhadas
ao Walter, para ele trincar!
um cais
de memórias felizes à Piedade!
e dou!
o botão de papoila que não sabe que é novembro
e se lembrou de crescer
à f@!
Querida amiga
Conto mágico.
Como todo mundo já pegou algo resolvi levar folhas secas, pedras redondas e pauzinhos do tamanho de uma casca de noz.
Para mim é o mais valoroso tesouro.
Estava com saudades dos belos desenhos, estes estão com tons de natureza, e os cisnes magníficos.
Linda semana para a maravilhosa escritora.
Com muito carinho BJS.
Rufina
são seus!
um beijo
manuela
Agarro-me à sua mão Manuela, e deixo-me guiar por si.
Olho para a seda dos rebuçados e não lhes toco, são preciosos demais. Guardo-os no olhar, onde guardo os tesouros.
Repito as falas que me ensina para espantar os medos, reparo no movimento sereno e terno dos seus passos e sei que a casca de noz é uma casa bonita onde me posso abrigar, enquanto as folhas caem mansas à espera chuva.
Um enorme abraço
.
. bonitos os re.cortes, as colagens, falados em tom mayor quando contemplados em pormenor .
.
. pelo que, sugiro aos leitores que cliquem sobre os desenhos para visualizarem melhor .
.
. íssimo total.íssimo e,,, .
.
. uma boa semana .
.
. paulinho .
.
Uma delícia!...Uma invenção cheia de criatividade e ...
“se um novénio de tempo me trouxer medo e torpor
por um noveno eu troco uma novena de amor”
!...
Palavras doces e mansas, gosto muito!...
Bj,
Manuela
Maria João
pode levar
a minha mão...
um beijo
manuela
paulinho
o meu blog
tem falta de espaço ao meio
e sobram-lhe pontas!
digamos que é um pouco magriço,
daí, as imagens não brilharem...
obrigada pela sugestão que deu e
uma boa semana!
um beijo
manuela
Manuela
obrigada pelas palavras!
beijinhos
manuela, eu!
e eu Manuela...
eu só quero um aconchego num seu abraço
que as palavras mansas já as sinto em mim
muito bonito,
beijinhos que são já começar de um abraço
dulce
da Dulce
quero um abraço!
manuela
Manela,....
beijinho e obrigada pelo botão de papoila fora de tempo...
gosto mto de botões de blusas, de casacos de sobrtudos...
e deste de uma paloila fora de tempo com jeitinho de bico de passarinho ainda gosto +...
agradeço com abraço e beijinhos
Manuela, adorei este conto.
Pela qualidade da narrativa (a de sempre) e pelo regresso à infância a que o leitor fica "amarrado" à medida que vai lendo.
Parabéns pela excelência da tua escrita.
Boa semana, beijos.
Fá
dos botões são mágicos,
beijinhos
manela
Nilson
esta é uma página cheia de falas!
obrigada pelas suas
um beijo
manuela
Manuela.
Não sei que mais posso dizer da sua escrita. Encanta-me permanentemente e agarra-me como se de um livro de poemas se tratasse.
E que dizer dos seus desenhos!?
Lindos de morrer. Adorei os cisnes aparecendo de trás das árvores, tornando-as quase surreais.
Beijo grande
MariaIvone
Maria Ivone
estar aqui, já me diz muito!
um beijo
manuela
Manuela, quis voltar à minha infância e inventar um tempo de acreditar em novenas, de ouvir histórias de cisnes e espalhar pedrinhas redondas sobre a terra e de partilhar esta cumplicidade...
Um grande beijo.
.
. um barco não se submete à ode da navegação .
. porque tem personalidade e em.barca entre.tons de azul .
.
. a navegabilidade é sempre assimétrica, não fossem as ondas bocejos da alma .
.
. íssimo .
.
Graça Pires
de um tempo de acreditar,
a um tempo de partilhar
um beijo
manuela
.intemporal.
um barco é vadio
como um coração ondulado, assimétrico sim
maravilhado
íssimo
manuela
Manuela, sempre que venho aqui (e já não o faço há algum tempo)delicio-me com teus poemas, textos, contos.
Agora me deparo com lindos desenhos. És uma mulher mutimidia! Lindos ambos! beijos,
Glorinha
obrigada!
beijos
manuela
E enquanto os cisnes espreitam a mulher
Eu venho aqui
Abraçar a minha amiga
E dizer que estou com saudade.
Beijo de carinho
Linda história,como sempre.
Linda, como sempre!
beijos
manuela
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