Distraidamente pensamos “estou a repetir-me…” e pelo dedo indicador deslizam num riso brincalhão, o pássaro, o menino, o macaco. Os morcegos e as meninas magrinhas são mais subtis, esperam pelo fim do dia, pelo crepúsculo, que também pode anteceder o amanhecer, mas é essa a claridade que precede qualquer coisa, a escuridão e a luz.
Já os barcos, os peixes e as tartarugas fazem um pacto de silêncio, prendem-se ao visor, navegam teimosos por detrás das letras, confundem-lhes os tipos clamando pelas ondas, o que nos impede de aguentarmos mais do que cinco segundos sem desviar o olhar.
Sinto um silêncio lunar quando recomponho os quatros cantos de uma folha branca e o cursor é a sapatilha de uma bailarina desensaiando passos, volteando do fim para o princípio, reclamando mais espaço à medida da formação da escrita e a sapatilha deseja a outra sapatilha porque dançar só, não tem arte e eu respondo que o soldadinho de chumbo tinha apenas uma perna e conquistou o coração de uma bailarina a quem até hoje ninguém regateou uma sapatilha. Quando a música irrompe clarificando o tom, é como a seiva, a lava que se espalha, o desenhar de veias nas mãos transparentes de alguém a quem o sol magoa, tímido, ferido de morte, mas forte. Não é muito diferente da estrutura de uma folha, do estuário de um rio, da complexidade de certas nuvens, de uma nascente de água doce.
São infinitos detalhes os personagens que uma vez criados, dão origem a outros exactamente iguais a si, originalmente infinitos. Com excepção do macaco, toda a gente sabe que existem milhares de pássaros, centenas de meninos, de peixes e de barcos, embora as meninas magrinhas e as tartarugas sejam mais raras, porque qualquer coisa se quebrou no bom senso das mães e dos mares, simultâneamente matriz, água e vida. Mas é temporário e localizado, quando desistirmos da pressa que temos e formos capazes de nos colocar no centro e nos quatro cantos de uma folha, teremos a noção exacta do que se quebrou.
É como sentarmo-nos no chão e encostarmos as costas e a cabeça ao tronco de uma árvore, tem de ser grande a árvore, não um arbusto qualquer, nós, nem tanto. Podemos ser grandes ou pequenos, mas temos de saber escutar, calados. No mar, calado, é o espaço ocupado pelo barco dentro da água, a distância vertical, medida da quilha do navio até à linha de flutuação. É assim connosco.
Sinto um silêncio lunar quando recomponho os quatros cantos de uma folha branca e o cursor é a sapatilha de uma bailarina desensaiando passos, volteando do fim para o princípio, reclamando mais espaço à medida da formação da escrita e a sapatilha deseja a outra sapatilha porque dançar só, não tem arte e eu respondo que o soldadinho de chumbo tinha apenas uma perna e conquistou o coração de uma bailarina a quem até hoje ninguém regateou uma sapatilha. Quando a música irrompe clarificando o tom, é como a seiva, a lava que se espalha, o desenhar de veias nas mãos transparentes de alguém a quem o sol magoa, tímido, ferido de morte, mas forte. Não é muito diferente da estrutura de uma folha, do estuário de um rio, da complexidade de certas nuvens, de uma nascente de água doce.
São infinitos detalhes os personagens que uma vez criados, dão origem a outros exactamente iguais a si, originalmente infinitos. Com excepção do macaco, toda a gente sabe que existem milhares de pássaros, centenas de meninos, de peixes e de barcos, embora as meninas magrinhas e as tartarugas sejam mais raras, porque qualquer coisa se quebrou no bom senso das mães e dos mares, simultâneamente matriz, água e vida. Mas é temporário e localizado, quando desistirmos da pressa que temos e formos capazes de nos colocar no centro e nos quatro cantos de uma folha, teremos a noção exacta do que se quebrou.
É como sentarmo-nos no chão e encostarmos as costas e a cabeça ao tronco de uma árvore, tem de ser grande a árvore, não um arbusto qualquer, nós, nem tanto. Podemos ser grandes ou pequenos, mas temos de saber escutar, calados. No mar, calado, é o espaço ocupado pelo barco dentro da água, a distância vertical, medida da quilha do navio até à linha de flutuação. É assim connosco.
Por isso sentimos a árvore, a seiva a correr, a força que a faz crescer em direcção ao céu, enquanto as raízes se afundam na terra, dedos compridos entrelaçados em busca do princípio das coisas, da beleza das coisas, da repetição dos rios e das nuvens, das nascentes e das montanhas.
E no silêncio mudo que tronco e árvore me emprestam, é um latejo, um pulsar, fonte, radiação maior, cercadura que me conduz ao centro da folha branca e enquanto na minha mão direita repousa a cabeça de um menino, em cada cabelo da minha cabeça enrola-se um cavalo-marinho, padrão complexo e infinito, no que de finito cada conto tem um canto dentro de mim.
"árvores irregulares" fotos de mb
20 comentários:
ESPANTO
Num canto
dentro de mim
um labirinto
encontro
no centro
que é folha
e espanto
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Outubro de 2010
Com o passar do tempo, depois do saltitar das raízes para as copas, o espanto deixa de ser espanto, harmonizando-se quando sentimos o fluir da seiva no tronco...
Baila a efémera folha outonal, como corolário de um ciclo, procura a tartaruga a praia da desova, como início de outro, enquanto os poetas continuam a cantar as canções de sempre...
Beijo :)
Cada conto aqui é um conto de encantar, com todos os ingredientes da vida e da natureza.
E é de seiva que se fazem os dias.
Um Beijinho para a Manuela e votos de um bom fim de semana.
Branca
Cada gesto, cada silêncio, cada palavra, "cada conto tem um canto dentro de mim", na verticalidade do céu, na horizontalidade do mar, na diagonal de uma estação a chegar, sentem-se os risos deles e delas no passar dos dias, no nascer das horas, no escrever dos dizeres, no contar das histórias...
Gostei de "flutuar" :)
Beijinho
Manuela,minha amiga!
Vir aqui
"É como sentarmo-nos no chão e encostarmos as costas e a cabeça ao tronco de uma árvore, tem de ser grande a árvore, não um arbusto qualquer"...
Obrigada.
Ana Maria
E do seu dedo indicador Manuela, surge a varinha ou condão que nos leva a voar, num espaço próprio entre cá e lá, de pura magia.
Quando a leio, encosto-me sempre a uma grande árvore, sento-me nas suas raízes, oiço-lhe a seiva e pasmo o olhar ao ritmo do vento nas folhas.
Que bom que é….
Um beijinho
.
. porque é sempre mais clean ser lean .
.
. porque me repetirei vezes.sem.conta.tantas.e.tontas.as.vezes .
.
. porque só no silêncio mudo oiço a voz .
.
. que sendo noz é também foz .
.
. e nunca nós . e nunca dós .
.
.
. e assim nasce uma escritora a rasar o sol poente .
.
.
. por dentro . por fora . sempre gente vivente .
.
. e aqui fecho os olhos junto à tarde do dia .
.
. e deixo beijos aos molhos em gratidão à mestria .
.
.
. um bom.fim.de.semana .
.
. paulo .
.
e é por esta e por outras histórias assim...
que um dia a menina bailarina se escapará das prateleiras de uma qualquer livraria, para dançar nas enrugadas mãos de uma velhinha, outrora menina magrinha, coleccionadora de soldadinhos de chumbo...
raras são as tartarugas e as meninas magrinhas, mais raras ainda, são as mãos de quem escreve um conto raro como este...
bonito e muito original, Manuela!
um beijo
walter
Olá Manuela,
ESSA BAILARINA DE UM PALCO TÃO BRILHANTE…
TU
...
...
Com tatuagem nas veias dos pés…
tão leves como a pena com que desenhas as palavras que nem precisam de história nem fim…
É sempre o B ELO e tão especial que nos deixa tb a bailar no sonho das águas…
Sempre esse teu tom no som das margens a alimentar as raízes da brisa…
Fazes o verde claro e o azul do canto dos pássaros encanto da imaginação das rãs e das libe linhas….
É sempre surpreendente ler-te… adoreiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
!nfinito de beijinhosssssssssssssssssssssssss
e
da cabeça.tronco.árvore
para o deslizar de uma almofada
dou-vos um beijo
na infinita especificidade de cada um de vós
fractais.naturais
que ocupam o espaço entre o meu coração e a linha de flutuação que me mantém à tona!
manuela
Amiga querida
Estou sem palavras, sua imaginação é fantástica, um texto totalmente encaixado.
Estou arrepiada de emoção.
Queria ser esta arvore forte.
Bela alma de sentimentos lindos.
Com muito carinho BJS.
"Podemos ser grandes ou pequenos, mas temos de saber escutar, calados..."
aqui estou
e calo me
para poder escutar
o que sinto
nas palavras que leio
gostei muito Manuela, mesmo.
um abraço amigo.
dulce
Gosto da maneira com que escrve.
Boa semana.
Não gosto é das letras de verificação, rrss
Manuela, tu escreves muito bem. Este texto podia ter sido escrito por um autor consagrado.
Parabéns pela tua capacidade narrativa. Inesgotável e bela.
Querida amiga, boa semana.
Beijos.
Manela
Ainda bem que cheguei a tempo de ler este texto tão maravilhoso (estive ausente...). O ritmo da natureza - um diálogo entre a paciência e a persistência - tão diferente da resignação.
Encostei a minha cabeça ao tronco da árvore maior do quintal, fiz silêncio e fechei os olhos...passaram barcos, peixes, meninas, tartarugas e todos, pacientemente fizeram o seu trabalho...cortornaram obstáculos para atingir os seus objectivos...
Maravilhosamente bem escrito, o que não me espanta...porque será?
Beijo
Graça
.
. há dias em que me en.rosco aqui .
.
. e inspiro o fulgor do Seu regaço de Luz e os Seus dedos entre.laçam.se nos fios do meu cabelo .
.
. e sinto.me restrito e pleno .
.
. e respiro . por ora ameno .
.
. há dias . hão dias . hão hão .
.
. :) .
.
. íssimo . e,,, muito obrigado ! .
.
. paulo .
.
Por detrás das letras passa-se tudo: a dança, o silêncio, a música, a água, o fogo,o riso, a tristeza, os animais, as plantas. Tudo a fazer da tua escrita sinais de vida que gritas de punho incendiado...
Adorei ler-te. Um beijo.
Manu.
Como vi nada mais tenho a dizer, somar mais elogios quais seriam?
Só me resta agradecer por tão linda narrativa.
Beijo
Renata
Manuela, suas histórias me encantam. São tão ricas de imaginação, tão coloridas, tão poéticas, que nos roubam as palavras e nos presenteiam de silêncios.
Bjos
MariaIvone
obrigada a todos!
manuela
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