Era uma vez uma rapariga que possuía uma tesoura. As
irmãs diziam-lhe, tenho um vestido novo, tenho um pente de marfim, tenho um
verniz vermelho, tenho uma carteira de couro. Ela respondia, eu tenho uma
tesoura, de bicos finos e uma fitinha cor-de-rosa para a marcar.
As irmãs troçavam dela e cacarejavam pela casa,
bico-de-tesoura, bico-de-tesoura, vê lá se és capaz de me cortar. E fugiam a
rir e ela ficava com o silêncio que elas lhe deixavam e como aqueles eram os
dias de dobrar o ano, ela escolhia os papéis de que mais gostava, dobrava-os em
acordeão, recortava meninos de mão dada e colava-os nos vidros das janelas.
Nos momentos bons a rapariga era suave como a seda, macia
como o papel de arroz. Nos momentos maus armava-se de pensamentos ruins e
desejava cortar em pedaços o vestido e a carteira, entornar o verniz, riscar o
marfim do pente, como se ferisse a pele das quatro irmãs de cabeça leve como as
folhas no inverno e elas choravam a sangrar pela casa, bico de tesoura, bico de
tesoura, foste capaz de me cortar.
A rapariga guardava a tesoura num saco de veludo preto e
trazia-a sempre consigo. Na escola recortava os cadernos diários, nas salas de
espera transformava as revistas em flores e pássaros, no autocarro usava os
bilhetes para inventar nuvens. Mas era uma arte menor, não por ausência de
beleza, mas por ser estática, muda, plasmada nos vidros apenas.
O ano terminou e outro começou e a rapariga cresceu tanto
que ultrapassou as irmãs em altura e cada vez as ouvia mais longe, eu tenho, eu tenho, eu tenho, eu tenho.
E foi espaçando os cortes e os recortes e pareciam-lhe
tão infantis os meninos de mão dada, parada.
No entanto, um dia encontrou um papel especial. Era branco
e não era branco, poderia ser preto, refletia a luz e simultâneamente tinha luz
própria e quando encostava nele o ouvido, sentia-o murmurar. Comprou-o e nessa
noite deixou-se ficar pela mesa grande da cozinha, baixou a intensidade das
luzes e enquanto todos dormiam desenrolou-o, esticou-o e pegando na tesoura
começou a recortar.
Os dedos acompanhavam a tesoura ou talvez fosse apenas o
seu contrário e ganhou forma humana a menina de papel. E dançou. Sobre a
chaminé, nas escadas do sótão, por cima das camas, no parapeito das janelas.
Veio um vento e levou-a, pernas de tesoura e uma fitinha cor-de-rosa para a
marcar.
36 comentários:
MANUELA BAPTISTA
... e marcou a dança, o passo e a contradança ...
Um Bom Ano de 2015
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 1 de Janeiro de 2014
Kriu?
Olha tanta bailarina preta com saia branca, antes assim, pois em 2014 andou sempre por aqui uma pata de chumbo branca com a cinta preta!
Feliz ano novo, Manuela, ciganamiga!
Kriu!
Só gosto do vento quando não estou ao relento ou quando viajo, de barco, com velas enfunadas por cima das águas agitadas. Também gosto do vento quando me traz notícias ou me diz coisas de me fazer feliz.
Hoje, ainda a madrugada não se tinha feito alvorada, o vento trouxe-me um objecto, que me bateu, forte na vidraça. Quase a estilhaça. Do alto do meu terceiro andar, olhei o passeio e mal vi o que bateu assim. Brilhava. Pouco, mas brilhava. Seria uma estrela? Desci as escadas, rápido e de pronto alcancei o lugar onde julgava estar. Estava. Era uma tesoura, um pouco enferrujada com um laço, desbotado, que ainda a enfeitava. Peguei-lhe com o mesmo cuidado que pegaria numa estrela. Afiei-a, depois lhe lhe avivar o cromado e lhe renovar o laço. Dançou, para me agradecer.
Devolvo-a a quem provar lhe pertencer...
Manuela:
É infindável
o poder da criação literária!
Um simples instrumento
de trabalho
dá vida
a belas criaturas:
a menina de papel
é uma linda
mensagem de Esperança!
Bom Ano Novo
Olá, Manuela!
Mais uma bonita história de encantar, nesste rico mundo onde a imaginação não conhece fronteiras; delícia de conto que nos encanta.
UM BOM NOVO ANO!
Um abraço
Vitor
MANUELA BAPTISTA
Um Bom Ano de 2015
agradeço a sua presença no meu blogue
Pelo Natal não passei por cá, desculpe
Li a sua história e concordo:
Nos momentos bons a rapariga era suave como a seda, macia como o papel de arroz.
Nos momentos maus armava-se de pensamentos ruins e desejava cortar em pedaços o vestido e a carteira, entornar o verniz, riscar o marfim do pente, como se ferisse a pele das quatro irmãs...
Quem de nós não reage da mesma maneira?
Nos momentos bons melhor
e nos momentos maus pior...
um abraço da Tulipa/Kalinka
Como dizer que as tuas histórias me comovem? Elas têm "luz própria". E as palavras dançam como as bailarinas que desenhaste. Tudo tão belo!
Um beijo, amiga e um Ano cheio de coisas boas.
De olhos rasos, nem consigo comentar...
Tens um lenço, amiga?
A poesia não tem limites
Bj
É assim o que amamos fazer: um dia ganha vida! ;)
Um Feliz 2015! :)
.
.
. e de um recorte foi dado o mote para uma levíssima dança .
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. ! bravo . nelita .
.
. íssimo feliz .
.
.
Doce menina de papel a embalar seus próprios sonhos pelo ar...
Um beijinho Manuela
Bia <°)))<
E que melhor forma poderia ter surgido?
Com dança, música, poesia e sensibilidade se pode ajudar a construir um melhor
2015.
Bj.
Irene Alves
A tua imaginação nunca terá fim...é como o mar! Acredito que, em cada onda, vem um montão de histórias que ninguém vê mas, que tu as descobres, ainda que sejam com tesouras...
Um ano de 2015 muito feliz e um beijo
Graça
Olá, Manuela
Gostei. Gostei muito desta história que tem muito daquilo que sentimos, nos bons e maus momentos. Momentos maus que somos capazes de superar como esta menina que, na sua arte, se ultrapassa e se sublima.
Beijos
Olinda
Kriu?
Que calor que está aqui na Micronésia, e tu aí a bater o dente!
Só regresso para o aniversário do Jaime, dia 11!
Kriu!
Kika,
Sabes nadar?
A AirÁsia tem voos directos, caso te sintas cansada para regressares pelos teus próprios meios...
A imaginação é infinita!, Manuela.
Quero apenas dar nota que a menina, sem se saber quem, veio agora dançar frente à minha vidraça. Vejam como faz negaças à Lua que acordou há pouco entre alinhavos de estrelas.
Lindos, lindos estes contos.Depois deixaram as meninas a voar dançando na cor branca do papel.
É bom ter tanta imaginação mas ainda é melhor saber esperar e saber sonhar.
Um dia acordou grande, maior do que as irmãs. Muito, muito maior porque dentro de si não tinha maldade e nunca as quis maltratar - cortar, desprezar com aqueles risos escondidos nos cantos da casa.
Lindo, lindo, lindo!
Bom 2015, minha querida amiga Manuela Baptista.
quando é que envias a magrela em pontas para a companhia nacional de bailado?
já cansa...
Parabéns, por aí :-*
Lindas são as bailarinas,
e quem me dera poder dançar.
Quis a sorte e fado que até a dança me fosse um fardo, e sou um palco artrítico da imobilidade,
já nada sinto
e nada me dói,
mas eu também sou essa dançarina aos bocados, sobretudo naqueles instantâneos em que tenho as coxas todas escarrapachadas, e depois as pernas fechadas, em tenaz.
Quer o meu relógio biológico apontar para as tenazes serem muito mais raras do que as horas e horas de espargatas a que sou obrigada...
Creio ser isto a santidade, não acha?...
:-*
Kriu?
Irra que o raio das bailarinas não desandam daqui, são tal qual a Arminda Branca Mendes Vieira Pinto...
Kriu!
Manelinha, vê se não um problema com o email. Já veio devolvido três vezes.
Só para dizer que a pessoa de que falámos pode vir almoçar, mas só no fim de semana de 24/25. Questão de escolher.
Por mim posso em ambos.
Vêm os dois Paulos também.
ah, e não é para publicar.
Envia email de volta para ver se chega
:-*
Pronto, chegou, já enviei.
Desde que começou esta porcaria do sócrates voltámos ao inferno...
(Não era para publicar)
Telefone logo :-*
Kika, socorro!
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