nesse espaço onde bate o coração de um peixe








Era uma vez um peixe tímido. Gostava de permanecer sozinho na superfície da água, os raios de sol a brincarem-lhe nos olhos, a boca aberta a sorver oxigénio. As escamas azul-forte-turquesa-branco-amarelo-torrado ganhavam vida e as barbatanas ventrais-anais-caudais e dorsais eram unicamente peitorais. Nesse espaço, onde batia o coração azul do peixe.
Não te exponhas assim, bica-te alguma gaivota esfomeada, avisavam os outros peixes. Ele fingia que não ouvia e quando se fazia escuro no céu e o fundo do mar fervilhava dos seres que brilham, ele escondia-se entre duas rochas, os olhos abertos e vigiando dormitava a desejar a manhã.
Um dia apareceu o rapaz. Os pés descalços, uma cana de pesca e um balde de isco. Cantava e assobiava, ou seja, primeiro cantava e depois assobiava. Preparou a cana, lançou-a e continuava a cantar e a assobiar sentado na beira da rocha. Com o ruído os peixes fugiam, mas ele parecia não dar por isso. Depois cansou-se, pousou a cana, levantou-se, despiu a camisola e com um salto encarpado mergulhou na água. Sentiu o frio a refrescar-lhe a pele e em duas braçadas atingiu a areia do fundo e ficou ali a controlar a expiração, os olhos bem abertos a olhar para cima, as bolhas de ar a soltarem-se e um fio de luz levava-as dali para um outro lugar. Nesse instante o peixe tímido atravessou a superfície da água e o rapaz surpreendeu-se com a beleza daquele ventre de escamas e a dança das barbatanas ao sabor da corrente. Atrapalhou-se, esbracejou e na subida acelerada chocou com o peixe e o peixe calado porque os peixes não gritam, mas cuidou ser uma gaivota esfaimada que o ia comer e nunca mais os raios de sol a brincarem-lhe nos olhos. Não era. 
Eu sou um rapaz, não te assustes, tenho uma cana de pesca mas não sei pescar, dizia o rapaz e o seu coração batia com mais força no peito sem barbatanas e sentia uma escama presa na garganta.
Então o rapaz nadou devagar à roda do peixe e este rodopiou à tona de água e serenaram os dois. 
Foi assim que o rapaz e o peixe ficaram amigos.







conto primeiro de "o peixe, a medusa e a estrela" 








13 comentários:

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA BAPTISTA



... e bateu um coração azul, o coração de um peixe ...



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Maio de 2014

Agostinho disse...

Uma história de encantar.
Há encontros assim; é preciso mergulhar.

Graça Pereira disse...

Mais um conto desse mar ao fundo...do mar que tanto te inspira e fortalece a tua imaginação e nos apresentas um peixe tímido, muito colorido e que fez amizade com quem não sabia pescar...Sorte e felicidade para os dois!! Parabéns pelos teus desenhos que me encantam sempre...Beijo
Graça

Unknown disse...

Maravilhosa amizade. Aqui a pesca foi uma arte de saber viver.
É maravilhoso como nos faz sentir mergulhando nas águas e vestindo as cores do peixe ou da pele branca do mergulhador.
Boa semana

Graça Pires disse...

Um mergulho. Uma dança. Uma amizade.
E o mar com todas as cores que habitam as escamas do peixe e aquelas que ficaram para sempre no coração do rapaz...
Contas tão bem histórias, Manuela...
Um grande beijo.

Vitor Chuva disse...

Olá, Manuela!

Um pescador sem jeito que trocou a cana de pesca pela amizade dum peixe,quando com coração de ver descobriu a beleza que nele existe. Que amizade tão improvável, esta.Que assim tão bem contada até deixou de o ser...

Boa semana e um abraço
Vitor

. intemporal . disse...

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. très agréable et en douceur écrite .

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. baiser heureux .

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Olinda Melo disse...


O pescador pescado... Bela parceria. Tons maravilhosos que as suas palavras e o seu desenho nos fazem distinguir tão bem como num sonho.

A música de fundo também a ajudar.

Obrigada, Manuela.


Bjs

Olinda

Kika disse...

Kriu?

Os teus peixes parecem-me travestis, pelo que e para o efeito só lhes falta mesmo a barba!

Kriu!

Anónimo disse...

Rise Like a phoenix e mái nada!

ki.ti disse...

é verdade, grande erro!

faltam-lhe mesmo os filamentos barbiais

:))

ONG ALERTA disse...

Encontrou algo. De bom...
Beijo Lisette.

mz disse...

Por vezes o predador tem coração e surge uma espécie de afecto por seres que nos sustentam a vida.

Mas é só às vezes.


Abraço