Abro todas as janelas da casa, as portas, as gavetas, a tampa do açucareiro, os frascos de doce de abóbora amarela e os cadernos
onde pincelo nadas.
Numa indefinida linha, era uma vez, inventa qualquer
coisa, um reino pacífico, um bordado, quem tem vocação para bordar agora sem
campos de linho ou arte tão pouco, paciência, a transpor motivos pelo buraco de
uma agulha. E apago, deito fora o que escrevi.
Chega a estontear o adocicado das flores da laranjeira e
os morcegos são os pássaros da noite a ecoar rotas seguras. Apago mais uma vez.
Faz-me falta a menina dos fósforos, a andorinha do
príncipe, a Justine, de Alexandria. O Grande Hotel da Praia, em Balbec. Tão
poucos afinal os que me provocam um frio no estômago, um desejo de eternidade.
E lê-los, relê-los, até os saber de cor, até os saber perfeitos. Tudo o mais é
vaidade, desabafo, suspiro, entretenimento, repetição, consolação, confidência,
sublimação de sentimentos, querer dar o talento que não se possui. E não apago.
Crescem espontâneos, por todos os recantos haja luz e
terra. Na ausência de uma razão maior, vingam-se quando colhidos, mancham as
toalhas dos dias de domingo e os dedos e as unhas e os livros mais do que
perfeitos. Se levarmos as mãos à boca nauseamos, asfixiamos sem conseguir
respirar.
E por fim falo-te dos jarros, ou nem isso.
19 comentários:
MANUELA BAPTISTA
E por fim falo-te dos jarros
ou nem isso
um jarro te dei
e gostei
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 15 de Março de 2014
Jarros. E porquê jarros no fim quando a brancura está no início?
Guardo o teu não talento
numa jarra
e te recomendo
nunca apagues nada
dá-me esses pedaços apagados
farei deles plágios
ou, quem sabe, jarros
Os jarros chegam a ser uma praga.
Mas são bonitos...
Tal como o teu texto, que é magnífico.
Manuela, tem um bom domingo e uma boa semana.
Beijo.
Olá, Manuela!
Fez muito bem em não apagar: Dos jarros, fiquei a saber o que não sabia,e quanto ao resto gostei de a ler.E depois, conhecer o que outros escrevem não retira nem um só pouquinho de prazer àquilo que possamos nós escrever...
Um abraço e boa semana.
Vitor
Gosto sempre de tudo o que a Manuela me fala aqui! :)
Beijos, boa semana!
Amei seu texto sobre jarros...
Gosto deles, mesmo só folhas que prefiguram uma elegante flor...
Soberbo como sempre!
bjs e uma boa semana
"Chega a estontear" esta capacidade de escrever tão bem, com simplicidade à mistura com a erudição, com o jeito sensível de quem conhece a ternura e a mágoa...
Um beijo, Manuela.
Kriu?
Quando é que pintas uma arminda do campo?
Vá lá, pinta cá!
Mesmo que não caiba numa página, publicas, em duas ou três...
E para não gastares muito dinheiro em tinta, utiliza a cal...
Kriu!
As armindas não são fáceis de se pintar, correm e por vezes voam de blogue em blogue, fazem as necessidades no FB e escorregam na própria língua e depois rastejam na respetiva baba...
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. _______________________ . parfait .
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. :))))))))))))))))))) .
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. plus que .
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. íssimo . feliz .
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um texto tão bem construído que deslumbra quem lê.
feliz dia da Poesia!
:)
Pois é, escrever...ficar/deitar
fora...mas consigo que escreve
de uma forma tão sublime?
Jarros...confesso que não tenho
uma boa relação com eles mas não
sei explicar...
Bj.
Irene Alves
ora aqui está uma ideia genial
abrir todas as portas e janelas, assim circulo sem ter que miar
Troco essas flores do jarro branco pelos primeiros perfumes dos meus jssmins,
ou não troco,
por que, das janelas da minha infância elas eram uma constante que ritmavam muros :-)
Tão suave e gostoso, esse cenário tão simples, tão intimista tão cheio de vida serena...fantástica, na poesia que aqui sempre encontro... Manuela.
Beijo,
da Lúcia
O talento também é espontãneo mas não floresce se não o cultivarmos.
E tudo começa com pequeno nada; um fio, uma palavra, uma pincelada e depois tudo cresce.
Se desistirmos nunca saberemos até onde poderemos ir.
Abç
Os jarros...são tantos agora na verde da natureza...Deitam-nos fora mas tu apanhaste-los e fizeste palavras novas sem medo do amarelo que mancha...Um texto de brancura que apetece dobrar e guardar dentro de um livro...
Beijo
Graça
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