Terá sido um acaso, uma mudança brusca no sentido do
vento, um batimento diferente do coração da mãe, mas o facto é que nascera
diferente. À medida que foi ganhando pelo e peso, tornou-se notório que os
pelos da cauda não formavam riscas horizontais, mas sim, verticais. Cresceu
ágil e trepador alheio à direção dos desenhos do seu corpo e aos comentários
hostis dos que possuíam a espécie que afinal não era a sua. A mãe defendia-o
com as unhas que tinha e um dia foi ele que se cansou de estar à defesa e
foi-se ao mundo. Encontrei-o ontem na praia, ao entardecer.
Para escrever, eu gosto do entardecer. Para chegar a casa
e atirar os sapatos para o lado, também. Para beber chá quente, para ouvir a
gritaria das aves, ainda mais. Para soltar o gato, abrir a janela, cheirar a
folhagem incipiente dos pessegueiros, as flores rosa forte no
vazio dos ramos.
Para entardecer, gosto do mar mesmo que chova. Às vezes
um pargo, um caranguejo, baleias nem tanto, por isso não me surpreendi de o ver
ali, embora peludo. Andava pela beira da água, as patas dianteiras esfregavam
as pedras à procura de qualquer coisa. Talvez seja um rato-lavadeiro a quem
pintaram a cauda de branco.
-Vê lá, não te cortes nos ouriços - disse-lhe eu, assim
como quem verdadeiramente diz – vê lá, pareces-me longe de casa.
E olhei em volta, não fossem os cães tardios como nós
ladrar-lhe às canelas. Ele saiu da água, sacudiu o pelo e sentou-se ao meu lado.
Eu tirei do bolso um punhado de amêndoas que ele comeu levando-as à boca com os
dedos.
Depois contou-me o que já vos contei e seguiu-me até
casa.
18 comentários:
MANUELA BAPTISTA
Tu num outro ser, um cão ... um rúcula!?
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Fevereiro de 2014
Devem continuar na viagem, e a entrevada aqui acamada, a servir de colchão... :-\
Hoje
Cheguei
sentei-me aqui
a ouvir-te
nem me mexi
.
.
. nascer diferente é não nascer in.diferente . e vive.se in.diferente . perante tantos olhares presentes . para nós . tantas vezes ausentes .
.
. diferentes . somos todos iguais enquanto bate o coração .
.
. íssimo feliz .
.
. 10:38h a.m. .
.
.
Kriu?
Que bonita ficou a Siri depois da mise... No entanto, a coloração, poder-lhe-á dar cabo do pelo!
Kriu!
Nascer diferente ainda não é todas
as pessoas que aceitam. Ontem muito
me revoltei com certos comentários
sobre a inclusão de crianças
deficientes num cortejo carnavalesco
das escolas e creches.Havia quem não
concordasse.Que povo é este!!!
Amiga obrigada pela sua preocupação
pelo m/estado de saúde, que estou
ultrapassando.
Bom fim de semana. mesmo que com
chuva.
Um bj.
Irene Alves
Todos somos diferentes.
E ainda bem...
Gostei do teu conto. Muito bom, como sempre.
Manuela, tem um bom domingo e uma boa semana. E um bom Carnaval.
Beijos.
Olá, Manuela!
Tantas vezes, só se é diferente para quem não nos conhece e a nós não está habituado.Já quanto ao acto de nascer, nele ninguém mete prego nem estopa; somos todos fruto do acaso...
Sorte, a desse rato-lavadeiro, por se ter cruzado com a pessoa certa...
Lindo conto!
Bom restinho de Domingo, com um abraço.
Vitor
Ficou muito interessante,...
Beijo Lisette.
Mesmo nas nossas semelhanças nunca somos iguais.
Chega sempre um momento em que nos fazemos ao mundo e os pais terão de nos deixar ir.
Fazemo-lo por muitas coisas, seria bom que fosse principalmente por nós.
Depois, aparecem coisas diferentes e desconhecidas e até novas novas amizades.
Belo e suave como o entardecer a beira mar! Já me imaginei e lembrei quantas vezes na areia fiquei a olhar os bichos que por ali passavam...
Uma ótima semana, Manuela!!!
Bia
um estilo muito próprio de escrever diferente e belo.
gostei muito.
:)
Não era diferente. Apenas o resultado de "um batimento diferente do coração da mãe". E é ao entardecer que o fantástico acontece. Nessa "hora dos mágicos cansaços" como diria Florbela Espanca. É ao entardecer que se escrevem textos assim, tão belos.
Um beijo, Manuela
Gosto tanto desses que nascem assim diferentes! :)
Beijos
ao entardecer somos ainda mais diferentes
Belo
Minha querida
Escutei em silêncio para não perturbar a vossa conversa.
Como sempre sublime.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
.
.
. the last point . in Hong Kong . :))) .
.
.
. íssimo feliz .
.
. 18.42 p.m. .
.
.
many happy return
:))
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