Rolando era um rato ágil e esperto. Não existia
contrariedade que o demovesse nem perigo que o fizesse desistir. Conhecedor das
casas, dos esgotos e das ruas, movia-se tão rapidamente que se alguém abrisse a
boca para gritar, olha um rato! não gritava. Porque Rolando já não estava ali.
Também não era fácil admitir que numa cidade como aquela
ainda habitassem roedores e assim ninguém fechava o queijo da serra nos
armários, ou escondia o chouriço de carne na despensa.
Quando o estômago de Leonardo produziu um novo ruído,
Rolando pegou-lhe na ponta da orelha esquerda e disse-lhe:
- Não saias daqui.
Foi num pé e veio no outro, as patas dianteiras
espalharam sobre um guardanapo amarelo duas fatias de tarte de maçã, um paio e
uma perna de frango. A cauda de Zê abanava da esquerda para a direita e minutos
depois apenas restava o guardanapo amarelo. O rato arrotou estrondosamente e Zê
riu-se, depois dobrou o riso e era tão contagiante a sua alegria, que o rato se
rebolava a rir e ficaram com soluços os dois. E Zê disse com se fora muito
pouco:
- Perdi-me.
Foi então que apareceu Aurora. Neste tempo de dias a
crescer, ela chegava sempre mais cedo e trazia consigo o tom azulado daqueles
espaços da fronteira entre o dia e a noite, entre o sonho e o pesadelo, entre a
mágoa e a alegria. Quantas são as vezes em que choramos a rir. Aurora calçava
uns sapatos pretos, meias vermelhas de acordar pirilampos e sapateava nas
pedras da calçada, nos paralelepípedos dos passeios, nas tampas dos esgotos.
Conhecia as passagens secretas por onde circulam os ratos, as certidões de
nascimento rasgadas em pedacinhos, os pauzinhos de gelado de baunilha. Os
sapatos pretos dançavam e o clap clap clap das solas pretas desacertavam o
passo com os ti ti ti ti dos despertadores e as pessoas adormecidas viravam-se
para o outro lado e dormiam mais duas horas com se fossem dez.
Zê continuou:
- Procuro o campo dos girassóis amarelos.
Aurora parou de sapatear e virando-se para o rato
perguntou:
- E esse aí, é um cão perdido?
Aurora e o rato olharam Leonardo que tinha parado de rir
e este respondeu:
- Eu sou Zê da tribo dos Leonardo.
E na antemanhã, Rolando, o rato, e Leonardo Zê, seguiram
os sapatos pretos de Aurora em busca da passagem perdida que os levasse ao
campo dos girassóis amarelos quase laranja.
A cauda de Zê apontava o norte.
foi num pé e veio no outro
o estranho caso de Leonardo Zê, parte segunda
em que o rumo perde a história para a voltar a encontrar
22 comentários:
MANUELA BAPTISTA
... ou de como a tua história tem de ter mais duas partes uma em que a cauda de Zê aponta a leste e outra a oeste!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Abril de 2013
Os irmãos Grimm certamente desdenhariam da tua história, e eu perdi-me sem saber que personagem assumir. Não faz mal, a cauda de Zê apontou o norte... e eu gosto de girassóis amarelos
A ficção
por vezes mais real
supera o que os olhos veem
Palavras com vida por dentro
Histórias com poesia ao fundo, e infinito é uma palavra tão longa, que se escreve com suavidade tão breve
:-)
Estas histórias que nos abstraem do mundo real e nos deixam sonhar na magia dos contos infantis.
Agradeço mais este texto bem conseguido.
Fim de semana com Beleza para todos, não é para todos. Gloriosas imagens e textos :-)
Olá, Manuela!
Linda conto de encantar, deste nosso mundo em que ratos se misturam com gente, a Aurora vai chegando mais cedo - felizmente,e o rabinho do rato Zê aponta a Norte.Oxalá que ele tenha sorte e não se perca!
Abraço amigo, bom fim de semana.
Vitor
Bom fim de semana beijo Lisette
.
.
. Os dias crescem avidamente . Como cresce à passagem de cada dia . A qualidade inequívoca dos seus contos . Que nos são sonhos à mesa . A alma ao peito . E o peito em arco . Aberto . Escancarado sobre o seu mar . Todo ele Azul . Onde flutuamos .
.
.
. Íssimo . Mais do que feliz .
.
.
Kriu?
Eu também sou uma espécie de Roland-Garros, mas esvoaçante.
Kriu!
Enviado do meu iFly
Atualmente já prefiro o peito à perna, por razoes que têm a ver com o meu sustentado crescimento...
E eu quero uns sapatos pretos :)
Bjs
Eu sou tita, da tribo dos kitis
e prefiro a perna do sofá para afiar as unhas
Uma bela história, com uma narrativa de luxo.
Manuela, minha querida amiga, tem um bom resto de domingo e uma boa semana.
Beijo.
Eu me perco, nesses porões encantados, tão repletos de magia.
Sensibilidade à flor da pele!
Beijo, Manuela
E aposto que a causa do Zé apontava para a direcção certa!
Beijo, boa semana, Manuela
=> Instantâneos a preto e branco
=> Os dias em que olho o Mundo
=> Pense fora da caixa
O meu grande desejo é que Aurora seja a esperança para o nosso peludinho perdido. E que no próximo capítulo o campo de girassóis encontrem a maior alegria.
Que os sapatos pretos vos guiem:)
Boa semana para si Manuela,
Abç
Gostei muito desta história.
Enquanto leio o que escreve
esqueço tudo.
Gostava de viver "nesse mundo
imaginário"...
Um beijinho
Irene Alves
vamos lá ver este desenrolar e saber até onde os sapatos de aurora nos vão levar....
gostei como sempre.
:)
ah as meias que acordam pirilampos.
Tive umas cor de laranja, que me acordavam sonhos (que ainda tenho:-)
(mas aguardo pelo caminhar dos sapatos pretos de Aurora)
É tão bom vir até aqui.
b
e
i
j
i
n
h
o
Kriu?
Eu não tenho a perna nem a anca gorda, mas as unhas, as minhas unhas estragam tudo...
Kriu!
Manuela
Que dizer senão que acabo de "ver" um filme maravilhoso...Meias que acordam pirilampos? Sapatos pretos que fazem tap, tap, na calçada?
E a Aurora que chegou cedo para iluminar ainda mais esta história onde há um campo com girassóis?
Parabéns, minha querida.
Mil beijos.
Graça
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