Quando deixar a cidade quero ir à terra nessa páscoa. Um
saco meio vazio atirado para o banco de trás e eu atirada para a frente a ver
passar as árvores que dão pássaros.
Quando surgir aquela curva da estrada, não a outra,
aquela que eu reconheço pelo contorno violeta das vinhas, sei que estou quase a
chegar. A chave debaixo do tapete, o ladrar do cão, a bica de água a correr e a
mesa da cozinha. Comprida, de madeira tosca e sólida, a esconder pontapés nas
canelas, lágrimas e queixinhas.
Leva farinha, açúcar, leite, manteiga, limão, ovos e
fermento. Amassa-se bem, leveda abafado num cobertor, damos-lhe tempo para que
cresça, que se faça grande e macio e doce. Vai ao forno pincelado com gema de
ovo e três ovos cozidos em cima, come-se ainda quente e recomeça-se tudo de
novo. Fazem-se as camas de lavado e discute-se até à exaustão. A paixão, a
morte, a indiferença de deus. Os segredos guardam-se por baixo do papel às
flores pálidas que forram as gavetas, e na ombreira da escada desenhamos a
sangue e canivete o nosso nome e os centímetros de altura.
Pela madrugada arrefece sempre um pouco, mas isso deve-se
à deslocação dos medos, umas vezes sonhos, outras não.
Depois renascemos. E a minha mãe e as minhas irmãs acenam-me
da soleira da porta, o ladrar do cão e braçadas de papoilas vermelhas.
papaver rhoeas de mb
22 comentários:
"e eu atirada para a frente".
Relembro a minha infância.
Gostava de ver tudo.
De ver primeiro.
Para que a paisagem não se esgotasse.
O papel de flores que forrava gavetas e quardava segredos - O baú dos segredos.
Recomeçar tudo de novo.
Renascer.
E um doce conto.
Kriu!
Rosto de papoila linda tenho eu, é só não estou mais resplandecente porque as tintas estão caras, eu sei!
Venho dar-te uma bicada e desejar-te uma boa Páscoa!
Ópio não há! Desenrasca-te!
Kriu!
Vim aqui à sala enquanto finges dormitar só para não teres de lavar a louça do jantar...
Claro que juntos, teremos uma boa Páscoa!
Posso dar-te um pouco mais de corda?
Todos nós (ou quase) temos uma quinta a onde ir na Páscoa. Se não temos já tivemos, eu tive. Duas, ambas no Ribatejo e (hoje falo de mulheres) das minhas avós. Eram diferentes elas entre elas e diferentes as chegadas que, por sinal, também eram diferentes da tua descrita chegada. Não havia chaves debaixo dos tapetes, nem sei mesmo se havia tapetes ou se eram estrados plantados nas entradas... Uma avó adormecia contando as contas de um rosário e murmurava orações. Outra, murmurava canções. Cresci, passei Pascoas entre uma avó e outra amando as duas e com as duas aprendendo a enfrentar a deslocação dos medos... foi a alma que fez a opção, eu não, de ficar mais marcado por aquela que abraçava flores vermelhas. Nem sei se eram papoilas, mas talvez fossem...
.
.
. há tantos anos que não vou à terra . a uma . e a outra . à da madrinha . na infância . em vila verde . no minho . onde a Páscoa era . e ainda é . de porta em porta . portas a.dentro . Jesus Cristo ressuscitado .
.
. e a festa era enorme . cobria.se o chão com pétalas . nas mesas toalhas de linho e de renda . todo o tipo de doçaria . vinhos e licores . folares . e pão .
.
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. à outra . a terra do meu pai . fui até aos onze anos . na curva . ficava a catraia . e da catraia a freches . um quilómetro apenas . que depois percorríamos vezes sem conta . a pé . à tardinha de todas as tardes . pela fresquinha e uma brisa morna nos rostos . entre a nossa casa e a quinta de uma família amiga . onde jantávamos e saboreávamos frutos fantásticos e sempre frescos .
.
. depois . não mais fui à terra . nem a uma . nem a outra .
.
. hoje . esta página . fez.me re.nascer . voltar atrás . e sentir que o tempo passou . e eu estou aqui .
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. uma santa e feliz Páscoa .
.
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. enormíssima . e rainha . das palavras .
.
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. íssimo . feliz .
.
.
As minhas papoilas
mais leves que o vento
neste tempo de Cristos
no chão
Um punhado de recordações prontas a cozinhar num bolo da Páscoa.
A verdade são mesmo as manhãs frias.
Todas as viagens se fazem inclinados para a frente de modo que possam caber em nós tantas e tantas recordações, cheiros e sabores.
Até as lágrimas se fazem sentir.
Uma Santa Páscoa.
MANUELA BAPTISTA
Deslocam-se os medos e aquecem os corações!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2013
Nas cidades quase não há Páscoa.
Só na terra, na aldeia...
Belas palavras, como sempre.
Manuela, minha queridíssima amiga, tem uma Boa Páscoa.
Beijos doces.
...e com papoilas e encontros ao renascer, pode ser que se faça também o caminho perpétuo de luz... com tudo o que as nuvens dizem de desalento e solidão...
Um beijinho e uma Santa Páscoa
A cada instante a possibilidade latente de um recomeço...
Uma FELIZ PÁSCOA para si também, minha querida!
Agradeço seu carinho e um abraço
Assisti, há pouco, uma bela cena que me parece familiar...e cheira à saudade!
E por falar em familiar quero dizer que quando estive Porto, já se vão se vão 33 anos, quis conhecer Amarantes todinho. Aqui, há a dança de São Gonçalo (que é casamenteiro, disputando com Santo Antônio), cuja canção, começa assim: "São Gonçalo do Amarante, casai as moças donzelas..."...
Quando eu chegar no S, vou trazer São Gonçalo do Amarante (a cidade)...
Beijinhos, manuela
memórias, tão bem escritas....
_:)
Manuela
Com açúcar e com afeto viajei contigo
de volta à minha terrinha, o Rio....
Beijinho e bons ventos!
Bia
www.biaviagemambiental.blogspot.com
Olá, Manuela!
Vejo que chego tarde para apanhar este folar ainda quente.Que a mim traz à memória esse tempo doce em que a mãe amassava a massa, e no final lhe acrescentava uma oração ao mesmo tempo que com o cutelo da mão nela marcava uma cruz - como forma de reza para que ela levedasse e crescesse...
Doces memórias, avivadas por este lindo texto.
Um abraço; boa semana.
Vitor
Manuela, como são lindas as suas papoilas e o renascer de lugares, afazeres que a época de Páscoa nos delicia.
Fomos tocadas pelo mesmo propósito, e acho isso fantástico, é uma espécie de telepatia de memórias e realidade que ainda acontece.
Que este momento seja o renascer em cada pensamento, em cada sonho, em cada gesto na vida de cada um nós.
Abraço,
mz
Manuela,
O renascer... Sempre. Todos os dias.
Saudades,
Linda Simões
Minha cara, permita-me confessar, tu me levastes de encontro aos meus dias de menina quando os olhos não alcançavam tudo que era paisagem e eu ficava ali, com o movimento detido junto ao outro em busca de ilusões somente minhas.
Fui para dentro e agora por lá me deixo ficar. bacio
Também eu gosto de ir à terra da Páscoa...!
E quase sinto o aroma dos folares no seu texto!
Beijo, espero que tenha tido uma boa páscoa
=> Instantâneos a preto e branco
=> Os dias em que olho o Mundo
=> Pense fora da caixa
Oiço tantas vezes:
...
quero ir à terra nessa páscoa. .
pois
há muito
que deixei de ir à terra
.
e .
vou ouvindo
os outros
fazendo planos
e .
eu
pensando
que . a minha tERRa
está tãooooooooo
LonGE
...
Gostei da história!
Apreciei
a foto
com as tulipas
amarelas
a minha perdição
.
TULIPAS
Oiço tantas vezes:
...
quero ir à terra nessa páscoa. .
pois
há muito
que deixei de ir à terra
.
e .
vou ouvindo
os outros
fazendo planos
e .
eu
pensando
que . a minha tERRa
está tãooooooooo
LonGE
...
Gostei da história!
Apreciei
a foto
com as tulipas
amarelas
a minha perdição
.
TULIPAS
Que delicioso texto que acompanhei ( engolindo em seco...) com uma boa fatia de folar quentinho, com a manteiga a escorrer pelos cantos...sim, que eu sou muito gulosa. Imaginei-me na tua quinta... que eu só tenho uma a seguir à quarta.
Já tive uma que ficava fora de portas e onde passei dias e dias felizes mas, tinha outro nome...chamava-se "machamba" e era um sítio quase mágico.
Mas a tua quinta é muito mais bonita...com papoilas e amarelas que é a cor que eu mais gosto...
Mil beijos
Graça
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