Nasceu em junho no tempo das folhas tenras, das bolotas
doces, do aconchego do grupo. Quando o calor do verão se tornou insuportável
procuraram as encostas viradas a norte, as mais sombrias. Aos doze meses de
idade, separou-se da mãe.
Era um veado pequeno. Assustava-se com o ruído das folhas
secas, das gotas de chuva, dos ouriços a soltarem-se dos castanheiros. Enquanto
os jovens veados seguiam as fêmeas e concentravam a sua atividade na busca de
alimento, ele distraía-se, ficava para trás preso às asas das borboletas, ao
reflexo dos seus olhos na água dos ribeiros. O seu pelo castanho avermelhado
mantinha ainda as manchas brancas da infância e as suas hastes continuavam
aveludadas e macias. Indiferente à luta pela posse do território e das fêmeas,
Brama virava o dorso e afastava-se, sempre, cada vez um pouco mais.
Um dia foi incapaz de regressar para junto dos outros veados. Levantou o
focinho, inspirou, a cabeça estonteada e caminhou na direção oposta. Atravessou
os bosques de carvalhos, os matagais, os pântanos de águas paradas, reconheceu
os sobros e as azinheiras e teve o cuidado de se afastar das aldeias.
Vagueou assim sete dias e ao anoitecer descansou. A
cabeça pousada nas patas dianteiras, o dorso encostado a uma árvore, o azul
escuro da noite sem lua. Mal tinha dormitado uns minutos, foi acordado por um
ruído de unhas a arranhar a terra e um resmungo sinuoso semelhante ao assobio
de um pássaro. Deu um salto e levantou-se. Um esquilo desapareceu na entrada da
toca escavada no tronco da árvore. Brama baixou o pescoço, aproximou o focinho
do buraco, o esquilo lançou-lhe duas nozes na ponta do nariz. Nessa noite o
veado não tocou nas nozes e o esquilo não saiu da toca.
Na manhã seguinte ao ver as nozes fechadas, o esquilo
abriu-as e deixou-as sobre a terra. Brama comeu-as.
Delimitado o território de um e de outro, no silêncio dos
dias e na ausência de linguagem humana, Brama e o esquilo tornaram-se
inseparáveis. O esquilo trepava até ao topo das árvores mais altas de onde se avistavam
os picos das montanhas mais altas, mais altas que o garrote de Brama a crescer,
a muscular, a engrossar, e ele desatento sem dar por isso.
Nos finais de novembro a chuva chegou e com ela o gelo e
a rigidez do solo. As ervas no bosque e as nozes na toca escasseavam, o esquilo
saltou para o pescoço de Brama, as patas bem firmes presas às hastes, lançou um
piar de pássaro e começaram a caminhar em direção às montanhas.
Os picos mais altos cobriram-se de flocos de neve como as
manchas do pelo castanho avermelhado do veado e eram semelhantes na forma e na
textura de veludo das hastes.
Brama não se interrogou porque caminhava assim, o esquilo
também não.
O chamamento é a razão mais forte que nos faz quebrar as
regras de um grupo ou a casca de uma noz.
esta é a parte primeira das crónicas de Brama
deambulação figurada de uma demanda, conquista,
ou apenas sedução
25 comentários:
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. e porque o chamamento é e será sempre a razão mais forte . elejo.o aqui e agora como um ato de Fé .
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. ato este que desato .
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. e conquisto a liberdade .
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. e clamo e invoco e evoco .
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. não há . porque não pode haver . outra Escritora assim .
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. e as pinturas estão de tal modo ternas . que derreto de prazer .
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. íssimo . implorada.mente feliz .
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Kriu?
Estive uma semana no Brasil e haviam por lá muitos Bramas... que piavam como os esquilos!
Eu cá não delimito territórios, porque isso é coisa de gatas neuróticas...
Agora vou pra dentro que isto hoje por aqui está um vento que nem te passa!!!
Vou assumir-me personagem
E seguirei essa viagem
Ninguém me verá
e escusas de falar de mim
Ou se quiseres chama-me sombra
Sombra de Brama
MANUELA BAPTISTA
E como é que se chama o esquilo?
Eu bem sei que nem um, nem o outro falam a linguagem dos homens mas, se o veado se chama Brama ...!?
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 17 de Novembro de 2012
Brama tem estilo (sonhador) aventureiro e uma coragem desmedida.
vamos lá a ver até onde ele é capaz de ir.
beijinho
é!!
a sua demanda, Manuela!
eu sigo-a, de olhos arregalados...
leve-me para lá das altas montanhas, mostre-me que a beleza e a ternura não se quedam na linha do horizonte, que a vida é muito mais que um somatório de dias, mostre-me caminhos ainda desbravados, onde só ousam caminhar os afortunados de espírito, os conquistadores do sol e da lua...
mostre-se a si mesmo e veja como tem valido a pena!
e agora... que prossiga a demanda!:)
os desenhos estão 5 *****
um encanto!
beijo
nandinho
digo, caminhos ainda não desbravados...:)
Desviarmo-nos do caminho, ainda que inconscientes dos perigos, pode ser um chamamento ingénuo, contudo, necessário ao crescimento.
Aguardo as aventuras.
Um abraço.
Minha querida Manuela
Quando há confiança...não se pergunta para onde se caminha, apenas seguimos em frente.
Adorei como sempre e vou esperar a continuação.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
:))
m de montanhíssima
bramíssimo fim de semana!
Olá, Manuela!
Estranhos companheiros de percurso, estes: um veadinho rebelde, sonhador e vagabundo, mais um esquilo-providência transformado em amigo - a caminho sabe-se lá do quê...!
Cá fico à espera para ver.
Bom Resto de Domingo; um abraço.
Vitor
Kriu?
Na area store (antiga habitat) encontrei ontem um Brama destes, pendurado na parede e forrado com aquela lã de que se fazem as colchas de rosetas, muito coloridas, achei tanta graça que resolvi vir dizer-te, caso a fedorenta ceda a colcha, já podes forrar o Brama, pois está frio e a gata tem o cinescópio e o Brama não!
Pois é kika e tu precisas é de uma daquelas lâmpadas vermelhas de aquecimento que se utilizam para os pintainhos!
Como estamos quase no Natal já ficas toda enfeitadinha!
Quem é que pendurou o Brama na parede e acendeu a gambiarra???
que kroisa...
Todos os seus textos são maravilhosamente belos.
Como gosto de animais deixei-me seguir com eles e aceitar as regras.
Querida amiga
Estou encantada, nem preciso falar que fiquei feliz, amo a natureza, esta é uma linda criação de Deus.
Todos os tons e sons que mudam a cada estação.
Os desenhos sempre lindos.
Com muita alegria uma bela semana BJS.
Gostei tanto do mundo deles!
Bjs
Que lindo, Manuela! Tão bom vir aqui sonhar um pouco!
Estou ansiosa por saber mais e mais das crónicas de Brama!
Beijo, uma boa semana
Estou a gostar.
Fico à espera dos próximos capítulos...
Um abraço, Manuela.
Kriu!
Já tenho três! Compra o açúcar e abre uma garrafa de vinho do Porto, pois uma pinguinha dá-lhe outro sabor!
Também vou aguardar com ansiedade
o final. Mas gostei dessa relação damizade e do caminhar sem saber
para onde.
Beijinhos
Irene Alves
Só uma escritora como tu,conseguiria falar do mundo real com a precisão que aqui está,misturando-a com a magia das histórias que a mim me seduzem e me transportam para um mundo tão belo de onde não me apetece sair... E os desenhos ? O Brama, de olhar meigo que me conquistou logo? É urgente a publicação de um livro!
Crianças e adultos precisam deste encanto...não o deixes morrer em nós!
Beijo
Graça
O que escreve é para ser publicado e não escondido no mundo virtual.
Gostei muito!
Maria luísa
Menina, tem de aprender a pôr os links.
Parabéns :-)
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