O rapaz e o pássaro ficaram amigos e trocaram entre si um
lápis de cera branco. Um, guardou-o na poupa, o outro, no bolso. O lápis de um era
o lápis do outro e sendo ambos brancos e de cera, só eles compreendiam a razão da
troca.
Cada olho à solta escolhera um peixe para habitar,
vagueavam por cima das suas cabeças e a sensação de medo desaparecera. Meia Lua
teve a certeza que nunca ali estivera antes.
Temos de encontrar Gomo o rapaz com orelhas de cão, disse
o pássaro. Só ele sabe o caminho para a rua Oposta, acrescentou. Nesse instante
no canto direito da praça, o peixe lula e o cavalo caracol capturaram o funil
malfeitor. Ninguém deu por isso.
E quanto tempo nos falta? perguntou o rapaz. Temos seis
horas, mas tu tens muito mais tempo do que eu. Aquele era o tipo de resposta
que o rapaz entendia. A brincar ou a pedalar na sua bicicleta, uma tarde podia
durar três dias e quando terminava, parecia que tinha passado apenas um
segundo. Decidiram seguir a pista das frases escritas pelas paredes, dando
particular atenção às que não faziam sentido nenhum, como: não pisem os
canteiros de nuvens, ou, esta é a segunda porta a contar da primeira e ainda, é
favor virar à direita, sentido obrigatório à esquerda.
Mas foi Gomo que os encontrou. Era o ser mais divertido
que Meia Lua alguma vez conhecera. Pequenino, azulado, os olhos espertos e
vivos, possuía a capacidade de ouvir os sons num raio de dois quilómetros e
sabia falar mais de duzentas línguas. É das orelhas de cão, explicou ele
naturalmente. E acrescentou, se fizeres uma festa a um cão, não interessa o
país a que pertences, ele compreende a tua língua e retribuiu-te com meiguice.
Meia lua, o pássaro e Gomo, atravessaram a rua Oposta
onde os homens caminham para a frente mas deixam a cabeça virada para trás, disseram
adeus às mulheres nuas, tão belas, tão poderosas e simultaneamente despojadas
de tudo o que possa pesar. Fugiram dos seres que povoam os pesadelos das
crianças adormecidas, do homem do saco, do bicho papão não me levas não,
desolhar é mau olhado leva-me para outro lado.
E Gomo gritou, já chegámos! No céu brilhava a lua em
quarto crescente.
Meia Lua sentiu uma tristeza estranha como ele, e voltou
a meter as mãos nos bolsos. Olhou o pássaro e marcaram-se mutuamente com um
traço branco. Depois, marcaram Gomo que rebolou a rir pelo chão.
Então o pássaro esticou as suas longas pernas, abriu as
asas e agitou-as duas vezes. O rapaz segurou-se às penas da poupa, subiu-lhe
para o dorso e ergueram-se os dois num voo ágil.
Cá em baixo, cada vez mais pequenino, Gomo acenava-lhes
feliz até ser apenas o ponto de um i numa folha de papel de jornal.
Meia Lua e o pássaro voltearam pelo céu durante muito, muito,
um imenso tempo, que poderá ser apenas um segundo ou a vida inteira.
Não me deixes, disse o rapaz, e rasaram as luas a
crescer.
o rapaz regressou a casa
levantou-se vento
Gomo e o pássaro salvaram o homem do saco
ou talvez não
técnica mista s/tela de Fernando Pedrosa
quem olha um quadro nunca conta a mesma história
18 comentários:
Só há uma coisa mais terna que um menino: a imagem de um pássaro
Só há uma coisa mais promissora que um pássaro: a imagem de um menino
Pássaro e Menino voaram numa estória de palavras tuas e só haverá estória mais maravilhosa que esta: a que de seguida eu sei que irás contar...
Espero, enquanto luto, para que não chegue nem a fome ao miúdo, nem a sede ao pássaro... alguém tem de fazer esse trabalho!
:)
sim, benditos todos os contadores de histórias!
Manuela... voei com as asas do seu olhar e adormeci numa nuvem de penas!:)
verdadeiramente encantado...! :)
um beijo
nandinho
A minha namorada cota é uma goma do caraças e diz que faz umas coisas com os pés...
Ainda não senti nada!
Oh Lobinho, tu tem cuidado pois ela gosta mais pelas traseiras, mais até do que tu próprio...
Olá, Manuela!
Tanto imaginação à solta no reino do absurdo é convite a voltar atrás no tempo e de novo ser criança, para verdadeiramente entender e saborear tanta fantasia feita história.
Ainda não consegui poisar os pés no chão...
Abraço amigo; bom fim de semana.
Vitor
MANUELA BAPTISTA
... e eu ainda não consegui tirar os meus do chão de tão ágil ser o teu voo ...!
( Com a ajuda do Fernando, claro! )
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 13 de Outubro de 2012
É a linguagem do amor, amor incondicional.
Tão bonito!
Bjs
Menino e pássaro...
Duas coisas que eu gostava de ser.
Mas ao mesmo tempo, porque uma de cada vez é muito fácil... e, sozinhos, não salvam nenhum homem do saco...
Um abraço, querida amiga.
e assim é....
o que uma tela pode desencadear...
e menino e pássaro ainda devem andar a voar.
uma boa semana
e sempre, muita inspiração.
beij
.
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. este é um espaço ir.repreensível . per.feito .
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. um espaço onde a literatura portuguesa se exala e se exalta por todos os poros . deixando no ar . um odor salvífico . e.sempre . entre.pétalas de bem.me.querer .
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. um espaço onde a imagética acresce e cresce porque acrescenta . sedenta . sendo também "palavra" ao saber rodear.se da palavra escrita . como uma extensão .
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. este é o espaço . o espaço da manuela baPtista .
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. o espaço . que nada tem a ver com outros espaços . onde a "palavra" é des.semeada pelos tractores agrícolas que teimam "semeá.la" .
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. refiro.me . claro está . aos espaços . que sendo mais.do.que.pequenos . são ínfimos . pelo que . não chegam sequer a serem detalhes . e também aos espaços onde a seara é a messe de todos os joios .
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. e os girassóis são só para despistar . :))) .
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. íssimo . sempre feliz .
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É uma maravilha a história deste pássaro e do rapaz (que já vem de trás) e o Gomo, é mais um personagem amoroso e encantador, que enriquece a nossa vida e nos dá sábias lições!
A Manuela, é uma exímia contadora de histórias e, é um privilégio passar por aqui para ler e reler...
Parabéns também ao Fernando, pelas belíssimas imagens!
Bem-haja pelo carinho...
Beijinhos e tenha uma semana muito feliz :)
Asas de menino
Aqui...esqueço tudo: crises, homens do saco ( bem os podiam ter levado...) e recuo, recuo...não sei se um minuto ou se a vida inteira e vou com o Gomo à procura de outros seres que ficaram pelo caminho...Não tinha um lápis de cera branco para marcar o ponto em que os perdi...
Talvez o pássaro das histórias me ajude...quem sabe!!
Beijo
Graça
Tu és um "Gomo" que tão bem nos conduz à rua da fantasia.
Um beijo.
Querida amiga
Conheço estas telas é de um grande amigo, maravilhosos e ainda precisa se valorizar.
Tem razão quando olhamos um quadro algo de novo vamos encontrar, assim a história é recontada com maestria.
Com muito carinho BJS.
Minha querida
Não tenho palavras para te acompanhar neste voo por dentro do tempo.
Simplesmente maravilhoso ler-te e pintar dentro de mim este quadro, que apenas senti.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
venho deixar omeu sorriso :)
bom fim de semana.
beij
grata a todos
e
obrigada Nandinho!
pela interminável história da sua pintura,
técnica mista sobre tela de
Fernando Pedrosa
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