argentatus


Quando a chuva pega, cola-se-nos ao peito a direito como uma faca afiada, boa para dar um golpe nas castanhas, um golpe seco, único, fatal. É essa determinação que nos leva a acrescentarmos duas colheres de chá de erva doce numa consolação acastanhada.
Esta é uma das fases de todas as perdas: negação, perplexidade, revolta, aceitação, consolação. Apenas os especialistas de coisa nenhuma, poderão afirmar que a sua sucessão é exactamente esta, porque não é. O encontro é marcado por nós e a ordem será arbitrária. Quem não dá luta, sucumbe.
O anis é a essência da erva e o espírito, aquilo que um líquido tem de volátil. Ou um ser.
Os patos selvagens migraram e encheram-nos um vazio de penas em novembro. Estão do outro lado da lua no mar da fertilidade. Deste lado, numa fidelidade tão longa e tão terna que são tantas as vezes que já não damos por elas, permanecem as aves marinhas.
Cobrem-se de prata num registo luminoso e as pérolas são vagas geradas pelo vento, desordenadas, caóticas.
A diferença está na cor das patas. A comum tem patas amarelas, a outra tem as patas rosa. Esta última é rara, dificilmente avistável.
Vago é um lugar errante e vagar é não ter pressa. Ou boiar à tona de água. Não atribuo significado singular a esta minha deambulação imaginária e as aves brilham entre pontos de luz.
A noite guarda o silêncio de uma pérola aluada.



fotos de f. pedrosa

a quem agradeço as Larus argentatus 





32 comentários:

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA BAPTISTA


E enquanto aluada a noite guarda
o silêncio é sua pérola com que se farda


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 11 de Novembro de 2011

Unknown disse...

Senti a chuva afiada a rasgar-me por dentro.
Nas castanhas apenas se faz um corte.

A chuva entra-nos na alma e deixa-nos estes pensamentos vagos de patas coloridas e pontos de luz imaginários.

BlueShell disse...

Sair de nós, divagar...adivinhar, ler no que se não escreveu...e mesmo assim...mover montanhas, enfunar velas de pesados navios...é sublime...

Te abraço

. intemporal . disse...

.

.

. "Vago é um lugar errante e vagar é não ter pressa." .

.

. há porém . o com.passo . como instrumento des.crevente das curvas na equi.distância de todos os pontos .

.

. há também . uma bússola marítima neste tributo situado à beira.mar . um movimento regular. uma medida do tempo .

.

. a.com.passo . passo e re.passo . na exatidão in.exacta desta minha casa mayor .

.

. bel.íssimas as fotografias . no prenúncio das aves .

.

.

. íssimo . sempre e para sempre feliz .

.

.

ki.ti disse...

Mas onde é está o ganso?

Tira-me já daqui estes patos com camadas de lixívia!!

Kika disse...

Auf!

Se o ganso já era tanso!

Se a fedorenta há tanto já cansa!

Sejam os patos, tal como eu, os actos e os desacatos, que tão bem afugentam os chatos!

Auf!

Anónimo disse...

Béu, béu!

O que são chatos? São o melhor amigo do homem, não são?

Agarram-se a ele e nunca mais o largam!

Béu, béu!

Unknown disse...

...do outro lado da lua no mar da fertilidade.

Verdaderamente hermoso. <3

Unknown disse...

... e eu agradecido fico, por esta deambulação imaginária, que tão longe me levou sem tirar os pés da praia, porque de uma fidelidade terna e longa também eu sou, e seja eu muito ou pouco avistável...

e à rebentação da onda mais forte, não sucumbo... ganho asas!

um beijo, Manuela

manuela baptista disse...

um beijo, Walter

Mar Arável disse...

Excelente

tanto voo

a vida em toda a dimensão disse...

Eu hoje vi um pato selvagem no
Rio Tejo quando ia num cacilheiro
para Lisboa.Estava sozinho, e
depois levantou voo.
Ler este seu texto fez-me lembrar
esse momento.
Beijinho e bom fim de semana.
Irene

Rogério G.V. Pereira disse...

"Quem não dá luta, sucumbe."

"Deste lado, numa fidelidade tão longa e tão terna que são tantas as vezes que já não damos por elas, permanecem as aves marinhas."

(f. pedrosa, graças a si, as aves ficaram vaidosas...)

Anónimo disse...

Deambulações/Divagações... prateadas, sem pressa, desafiando a chuva...
Beijinho
Quicas

AC disse...

Manuela,
É bom sentir o silêncio de pérola de lua, mas cada vez mais é necessário lutar por espaço para o preservar. Mas, como muito bem diz, "quem não dá luta sucumbe".

Beijo :)

alegria de viver disse...

Querida amiga

Gaivotas ficam para nos alegrar.
A volta tem dia marcado.

Lindo este Universo.

Linda amiga, uma semana de paz.

Com muito carinho BJS.

Mª João C.Martins disse...

Lutar e não sucumbir.
É preciso atar às asas, cada uma das fases do lado lunar e fazer uma vela das penas das perdas, porque o mar é tanto e a vida é tão pouca.

Um beijinho

Linda Simões disse...

"A noite guarda o silêncio de uma pérola aluada...."

Ah, Manuela."Aluada" estou eu com tantas obrigações didáticas nesse fim de ano letivo!
Nada que possa impedir meu vôo."Vagar é não ter pressa"...

Abração,


Linda Simões

Anónimo disse...

" quem não dá luta sucumbe" talvez a revolta passe por isso.


Beijinhos s. martinho atrasados



filomena

Anónimo disse...

Há que dar luta. Sempre.Só assim nos mantemos à tona da água.
Aprendi que o silêncio é uma pérola. Obrigado.
Abraço.

Lídia Borges disse...

Belíssimo retrato, este em que o envelhecimento cíclico do tempo (e do homem) se revela nas asas de uma ave migratória.

Um beijo

L.B.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

quem não dá luta sucumbe,
mas por vezes já nem há vontade de lutar.
um belíssimo texto a acompanhar as belas fotos de f.pedrosa

parabéns aos dois.

um beij

Branca disse...

Voar sem sucumbir, na medida do possível, sempre...

Acabei de ler um pensamento que penso se adequa: "Só aprendi a ser forte, quando ser forte era a minha única opção".

Uma bonita história de Outono, com paralelismo entre as migrações das aves e as migrações interiores dos homens.

Beijos Manuela.

Branca

Unknown disse...

Manuela, boa tarde!
E enquanto "A noite guarda o silêncio de uma pérola aluada.", nós vamos à luta para não sucumbirmos nos mares do desgosto.

Beijinho e muito obrigada pelo carinho.
Ana Martins

Kika disse...

Auf!

Hoje, uma Larus argentatus desgraçada descuidou-se quando eu estava a fazer doggyboard e o resto já sabes... e dizes tu que não gostas de pombos... como somos iguais!

Auf!

manuela baptista disse...

não Fézada,

tu ladras muito melhor do que eu!

:))))))))))))))))

Nilson Barcelli disse...

As tuas palavras são rosa. Só quase se avistam daqui... são raríssimas.
Gostei, como sempre.
Beijos, querida amiga Manuela.

ju rigoni disse...

Saudades, Manuela!

Bom demais estar por aqui a mergulhar nas suas poéticas letras.

"Vago é um lugar errante e vagar é não ter pressa. Ou boiar à tona de água. Não atribuo significado singular a esta minha deambulação imaginária e as aves brilham entre pontos de luz."

Lindo demais! Deambule, querida.

Um beijo, um abraço apertadinho, e uma boa semana. Inté!

BlueShell disse...

Da "negação" à consolação"! ...todo um prercurso...excelente deambulação.
Fui ao teu outro blog...não sabia como comentar: um excelente poema "amarga a vida presente a morte"...
Parabéns...uma pessoa poerde-se por aqui a ler e a meditar!
BS

antonio ganhão disse...

Os pássaros voam juntos em direcções de liberdade.

manuela baptista disse...

a todos

um abraço!

Anónimo disse...

Nem sempre a deambulação é sinónimo de inquietação.
Foram-se os patos, mas sobre o mar fértil, ainda há vagas com penas dos patos selvagens, agora noutras paragens.
Contemplam-se as aves marinhas em Novembro, num dia sem pressas onde as vagas reflectem pérolas.

Obrigada, Manuela.

Beijo