boreal



Falaram do equinócio, do brilho do luar e na impossibilidade de escutarem a baixa frequência dos sons, aceitaram que a água estaria fria pela razão volúvel de uma qualquer corrente.
Mediram a exactidão do dia e registaram, a verde, a igual presença da noite, depois, julgando cumpridos os ritos deste tempo, desinteressaram-se da ciência das pétalas, da seiva, das abelhas e da vontade que os gaios têm em voar.

A baleia era branca.
Sossegou o ruído das placas, das estruturas fronteiriças e comprovou a relativa ausência de ondas sísmicas. Os sinais precursores eram apenas e somente os que indo à frente, tinham ficado para trás, como a água dos poços e a densidade de certas rochas.
E reluz a pele gordurosa que a protege do frio e a ajuda a flutuar.
Elevada no ar, toda a sua força concentrada num salto que parece infinito, o voltear das barbatanas caudais, propulsão e impulsão, as narinas no alto da cabeça expulsam o ar quente e húmido dos pulmões num jacto imenso e por fim o mergulho, onda de prazer, loucura desmedida.
A baleia era azul.
Pensam-na um animal feroz, mas o seu coração pesado é imenso e manso. Sabe onde cada elemento da sua espécie se encontra, sonar natural, ouvido perfeito, a conversa de viajar, as praias onde busca a morte são o mito que a faz mais forte, morre ali sem explicar nada, solidária.
Quase não há marinheiros, urgente, premente a vontade de em todos os portos deixar um pedaço de si, uma história secreta escrita com os olhos na estrela da manhã que desamanhece ao entardecer. Afogar a tristeza da terra, a ausência de horizontes, azul marinho, turquesa, esmeralda mar.
A baleia era cinzenta.
O seu país são os oceanos e a liberdade de se movimentar não tem pátria nem lugar.
Os homens invejam-lhe a carne e não precisam dela para nada, cobiçam-lhe a gordura, mas não será com ela que iluminarão as noites de lua nova, nem esconjurarão os medos da escuridão e os outros mais profundos, do início do mundo, dos arpões que inventaram para se magoarem, entristecerem, descoserem a pele e permanecerem a sangrar.
As vocalizações são o canto, ouvido absoluto. Frase musical, poema de um poema primeiro, porque não é das baleias que falo mas de uma primavera boreal, inundada de peixes, escamas prateadas no coração dos poetas, vagamundos, erráticos, no salto infinito que os faz poemar.





"baleias e peixes" óleos de mb








26 comentários:

ju rigoni disse...

Manuela, vou-me encantada depois desse mergulho no seu "poemar"

"O seu país são os oceanos e a liberdade de se movimentar não tem pátria nem lugar."

Correndo o risco de me repetir, minha querida, é um prazer ler seus escritos.

Imagens que compõem belamente com o texto.

Bjs, poeta. Uma boa semana. Inté!

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA BAPTISTA


Cromático de cores desmedidas
boreal
no salto musical de um poema
a vontade de amar


Como os teus desenhos ... bravo!


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 21 de Março de 2011

Unknown disse...

Deixei-me tornar num peixe e segui neste mar que nos abana levando-nos a algum lugar.
Sonho, ilusão....?

Por toda minha Vida disse...

Manuela inspirada demais...
me permita levar este desenho e guardá~lo como fiz com suas borboletas e mariposas.

Beijo amiga como me orgulho em descrever-te assim talentosa amiga.

Renata

Mariazita disse...

Manuela... fiquei de tal modo encantada com este texto que nem sei como comentar. Não quero estragar a magia. Por isso direi apenas:
Gostei. Muito!

As telas (?) são muito bonitas, perfeitamente enquadrados no "ambiente".

Boa semana. Beijinhos

Isabel Maria Rosa Furtado Cabral Gomes da Costa disse...

Aprecio muito aquilo que escreve, quer em prosa(poética), quer em poesia. Vem-me à memória a Florbela: "Ser poeta é ser mais alto".
Um beijinho.

Graça Pereira disse...

Manela
Será que os poetas aprenderam com as baleias? Apanharam as escamas prateadas e fizeram versos e foram com elas pelo mar fora...por isso, foram navegadores e trovadores...
Só tu para descobrires este enlace!
Maravilhoso como sempre e os desenhos?? De encantar...eu que nem um rabisco sei fazer!!!
Mil beijos
Graça

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

branca, azul e cinzenta.

metamorfoses de cor e arte nas suas belissimas palavras.

imagens bonitas e deixo um

beij

Manuela Freitas disse...

Aqui afastei-me da minha realidade...a música é de uma grande cumplicidade...e fiquei a pensar na baleia descrita tão poeticamente!
Beijos,
Manuela

Unknown disse...

acho que dei um salto no tempo, à primavera primeira, onde o arpão ainda não era, e era eu o mais solitário e amedrontado dos seres à face da Terra...

o tempo foi passando, passando... e eu nunca quis ouvir o canto das baleias, porque achei que cantava melhor do que elas e a sua inteligência substimei...

perdi o medo do tamanho e inventei um arpão e com ele assassinei tanta primavera...

perdi a inocência primitiva, quando inventei um arpão e achei que com ele poderia dominar o mar e a terra... ah mas como me enganei!
não só, perdi o respeito por mim próprio, como não soube utilizar a minha inteligência para perceber a mansidão de um coração do tamanho da lua, assim como nunca tentei perceber as canções primaveris que do mar do norte nos chegam em cada onda...deram-me uns ouvidos e eu guardei-os nos bolsos; deram-me dois olhos que só me lembro deles na escuridão!

vão à praia e encostem os ouvidos às ondas e ouçam [com o coração] um canto de primavera, ainda que não o percebam... somos [ainda] tão pequeninos!

Manuela, simplesmente admirável!

um beijo

Walter

Glorinha L de Lion disse...

Chorei hj ao te ler amiga Manuela, tamanho impacto tuas baleias fizeram em mim, ressoaram, sonaram no mais fundo do meu oceano/alma....tens o poder de me tocar profundamente com tua escrita e tua arte...beijos imensos,

Eva Gonçalves disse...

:) E gosto tanto destes quadros...que dão cores fortes e quentes às palavras que nadam neste mar... beijo

alegria de viver disse...

Olá querida amiga

Lindas estas telas.

Amei o titulo, [boreal] nos remete a algo grandioso, e assim é seu texto.
Será que agora vão deixar as baleias em paz!
Será que entenderam!
Será que a lição foi aprendida!
Será!

Amiga, obrigada pelo seu amor em causa.

Com muito carinho BJS.

. intemporal . disse...

.

.

. de regresso . dentro de momentos . o inicio .

.

. issimo feliz .

.

.

Penélope disse...

Amo estas coisas do CÉU que refletem no MAR e nos faz navegar por este teu poema magnífico feito marinheiros encantados...
Um abraço

Anónimo disse...

Conto belo de sabor poético com alguma dor.

E pensar que ... "NAS ILHAS FAROÉ DA DINAMARCA FORAM MASSACRADAS E MORTAS CERCA DE 4.000 (quatro mil) NUN SÓ ANO. ELES MATAM ESSES MAMÍFEROS AINDA BEM JOVENS INTERROMPENDO ASSIM O CICLO DA VIDA NO REINO ANIMAL… CENAS BARBÁRIES E HORRIPILANTES..."

Beijinho

Branca disse...

Manuela,

Hoje não falo [(...:))] nem escrevo, não sei o que dizer, é demasiado lindo e não há volta a dar-lhe porque já tentei comentar por três vezes e não encontro palavras. É sempre difícil perante a beleza do mar e do seu habitat e a ligação que aqui faz à poesia é perfeita.
É como encostar um búzio ao ouvido e ouvir o som do mar, a música que o habita e essa mesma poesia, mas não sei dizê-lo...apenas viver.

Beijinhos

P.S. Agora volto para onde devia estar, a ver se amanhã já tenho aquela voz que perdi há dois dias - um pássaro sem pio.

Mar Arável disse...

Pareceram-me roazes

mas não é importante

Na verdade relativa de todas as coisas
quando a ficção se torna realidade

apetece amar melhor as palavras

Gostei imenso do seu texto

Linda Simões disse...

Encantada, querida amiga!

Eita!


Eu queria escrever tanta coisa bonita, tanta!


Mas as palavras bonitas pertencem aos poetas, aos escritores assim,iguais a ti...


Clap! Clap!


Saudades, muitas !


Abração


Linda simões

Mª João C.Martins disse...

Ás vezes,
imagino-me peixe ( acho que sou mesmo! ), porque é o canto, ora manso, ora revolto das ondas, que me guia até à superfície das águas, para sentir o prazer do sol a espelhar-se nas escamas enquanto salto feliz e respiro mundo.
Ás vezes,
os anzóis quase que se prendem aos meus lábios, mas é de arpões que tenho medo e disso me falaram as baleias quando me ajudaram a perceber os sons que não se ouvem em mais lugar nenhum, senão dentro de um poema.
Nas suas telas de mar, Manuela, a imaginação não é apenas sonho, mas o encontro com uma natureza que fala a mesma língua dos poetas.

Um enorme beijinho

Manuela Freitas disse...

Olá Manuela,
Venho aqui para te dizer que tens um selo no meu blogue. Uma distinção que faço a alguns dos blogues mais criativos, onde o teu tinha necessariamente que estar.
A nada és obrigada!
Beijinhos,
Manuela

Mariazita disse...

Manuela, estou passando apenas para desejar bom fim de semana.
E... já que aqui entrei, fiquei um pouquinho admirando os quadros e ouvindo a Reverie, de Debussy.

Bom final de sábado. Até amanhã.
Beijinhos

António R. disse...

Tenho um problema sempre que passo aqui. O problema é este: faltam-me as palavras. Talvez seja por perceber muito pouco da ciência das pétalas, ciência na qual a autora deste blogue deve ser mestre, pois consegue pintar escamas prateadas no coração dos poetas.

manuela baptista disse...

aos que me acrescentaram

escamas prateadas
selos de rei
palavras de amigo
abraços de ternura

e pontos vermelhos em horizonte distantes

obrigada!

manuela

AC disse...

Vejo, no alto do promontório, a silhueta duma mulher. Sabe fazer feitiços de harmonia e, sempre que pode, lança-os a um mundo em equilíbrio periclitante. É uma luta tremenda, mas ela nunca desiste. E os peixes, os pássaros e as flores falam-lhe baixinho....

Beijo :)

manuela baptista disse...

entendendo a língua
dos peixes

obrigada AC!

um beijo

manuela