face


Tinha a transparência de um fio de água na gelada madrugada e nascente é o sol que ainda não está.
Concentrado no olhar aquilo que sabia, era na interrogação dos lábios que a curiosidade se manifestava e o desejo de tocar o desconhecido enchia-lhe a cabeça de perguntas e ela girava como um moinho de vento, os panos soltos e o eterno chiar das cordas e as nuvens de farinha a cobrirem as formigas e os gafanhotos.
Morava no cimo de um monte, numa casa de madeira com duas portas, cinco janelas e um sótão com duas outras mais. A lareira era no meio da casa, a cama colocada ao seu lado direito, à esquerda a mesa da cozinha e o armário dos pratos estava onde quisesse estar.
O sótão era o lugar onde espreitava o mar tão ao longe, que poderia duvidar da sua existência, mas não o faria, porque o ouvia perfeitamente na calma das marés e no turbilhão das tempestades.
Se o vento uivava, o cão chamado Estrela uivava com ele e o rapaz ria-se do vento e do cão e saíam os dois a correr, os cabelos em pé, a cauda a abanar.
Era um cão bom, ligeiramente atarracado, o pelo rijo e forte da cor do mel com pinceladas pretas, as patas potentes e o olhar meigo de conquistar corações.
Ninguém se lembrava da chegada do rapaz e muitos brincavam, dizendo que seria de um outro planeta, mas este facto não tinha a menor importância porque também já ninguém se lembrava de como era a sua vida antes de ele ter chegado. Não lhe perguntavam nada e ele não respondia, porque calado era e gostava de o ser.
Jacinto e o cão iam à escola às segundas, quartas e sextas, porque sabiam ler e escrever e contavam às crianças as histórias de quando não tinham amigos e uma casa de madeira no cimo de um monte e o cão ainda não era cão, mas uma estrela no firmamento. Uma noite, caíra desajeitadamente em cima da orelha esquerda do rapaz que disse baixinho au! O cão Estrela respondeu au! au!
Ficaram amigos e era desse ouvido, que o rapaz conseguia ouvir as vozes dos habitantes secretos das árvores e dos quintais, o sussurro da canção das mães que embalam os filhos e o pensamento dos homens quando estão tristes.
Nessas alturas, guardava as terças, quintas e sábados para apanhar malmequeres e fazer pão e partilhava-os com os vizinhos.
Depois, ao crepúsculo, Jacinto gostava de ver a noite chegar e o cão Estrela matava as saudades do céu. No chão húmido do cimo do monte, deitavam-se em frente à casa de madeira e o rapaz pousava a cabeça no dorso do cão e o mel dourado dos cabelos de um, confundia-se com o castanho e preto do outro.
E eram os dois lados da mesma face.




este é um conto que se quis de um outro mundo fácil de gostar




desenhos de mb




27 comentários:

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA BAPTISTA


Cão de outra face
porque não
a cara do rapaz
o seu quinhão

Sonho por um lado
de Verão
de estrelas firmamento
sem ter chão


Lindíssimo!


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Fevereiro de 2011

Anónimo disse...

Que bom ter um sótão onde se adivinha o mar ao longe. Que bom ter um cão chamado Estrela por companheiro e ser com ele a face de uma só moeda.

Lindo Manuela( como sempre)

Gostei

Beijinhos de mel como os cabelos do Jacinto

AC disse...

A Manuela tem um pote de mel num canto do coração que partilha com os amigos. Depois conta-lhes os segredos do vento, os nomes dos peixes, com quantas voltas se faz a amizade...

Beijo :)

Anónimo disse...

Saudades de um tempo em que possámos voltar a ser "estrela no firmamento"!?...
Também gostava de ter um sótão assim, guardador de pérolas em banho de mel, mais ainda, com vista para o mar!...
Beijinho e um bom fim-de-semana!

Unknown disse...

sempre este olhar sonhador terno e doce, sobre um mundo que é tão fácil de gostar...

e eu gosto do seu mundo, Manuela...
tem a dimensão exacta do meu sonhar!

porque hoje é sábado, dou-lhe um beijinho, um raminho de malmequeres e um pãozinho acabadinho de cozer... aceita?


Walter

Nilson Barcelli disse...

Mais um belíssimo conto.
Gostei imenso, querida amiga.
Bom fim-de-semana.
Beijos.

Branca disse...

Manuela,

Este mundo é mesmo tão lindo e fácil de gostar! Eu tive um sótão de onde já não via o mar, nem as estrelas e uma lareira que não era tão linda como esta, porque basta ter uma casa de madeira no meio do monte, um cão chamado Estrela e um armário com pratos que anda por onde se quer, uma cama do lado direito da lareira e um coração grande para ouvir o som das ondas e sentir o cheiro a maresia.
Basta que existam dois lados da mesma moeda para nascerem malmequeres e campos floridos.

[Até já, vou apanhar malmequeres]

Beijos
Branca

. intemporal . disse...

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entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
estás tão bonita hoje.

[José Luís Peixoto]

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. e hoje,,, .

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. somos os dois lados da mesma face . na inter.face de todas as emoções .

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. muitos parabéns mANU.ela.de.elo .

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. no dia de agora .

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. íssimo .

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. total e feliz .

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Anónimo disse...

Por aqui também se mandam uma mão cheia de momentos felizes para este dia


Beijinhos de parabéns, Manuela



Filomena

António r. disse...

E o que faziam aos domingos?

Branca disse...

E depois de todas as festas por onde passei termino o dia nesta casa, onde os últimos raios de sol ainda brilham festejando uma menina do mar.

[Só me falta o bolo, :)]

Que o dia tenha sido pleno de luz e amor e que o sejam todos que se seguem.

Beijos
Branca

alegria de viver disse...

Olá linda amiga

Gostei desta casa no cimo do monte e para lá me transportei. Agora está difícil voltar, começo a pensar porque tenho que sair.

Obrigada mais uma vez por me fazer sonhar.

Lindo coração, com mãos de fada que escrevem e desenham.

Com muito carinho BJS.

manuela baptista disse...

aos domingos

davam grandes passeios

e repartiam croquetes acabados de fritar

o bolo era de ovos e farinha e o chocolate lambia-se da taça até fartar

depois
davam um abraço aos amigos e agradeciam

eram bonitos estes dias!

manuela

Anónimo disse...

Manuela!

Não sei se chego a tempo de lhe dar os parabéns, mas deixo um longo abraço e congratulo-a, não só pelo aniversário mas por tudo que acabo de aqui descobrir.
Voltarei.

Beijo

Graça Pereira disse...

O caminho era longo: mas caminhavam juntos!
O caminho era difícil: mas ajudavam-se mutuamente!
O caminho era semeado de alegria: dividiam a casa no alto do monte!
O Jacinto deu-me a mão para me ensinar o lugar mas, chegámos só a estas horas porque, o Estrela decidiu apanhar todos os pontinhos do céu, tantos como os anos da Manuela(era o nosso segredo) para que quando cantassemos os Parabens, todas as estrelas se acendessem!
Mil beijos de Parabens!
Graça
Teremos chegado a tempo?

manuela baptista disse...

Ná e Graça

a tempo chegaram,

ainda é hoje sendo amanhã :)

um beijo e obrigada

manuela

Linda Simões disse...

Eu cheguei agora para dar-te um bejinho de parabéns pelo aniversário

Para dizer-te que és uma amiga querida

Para abraçá-la hoje sendo amanhã

Para saber se o bolo foi de chocolate com morangos :))

E para dizer que estás no meu coração





Abraço grande

. intemporal . disse...

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. íssimo feliz . íssimo feliz .
. íssimo feliz . íssimo feliz .
. íssimo feliz . íssimo feliz .
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. [18x2] .

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Dulce AC disse...

"...e o rapaz pousava a cabeça no dorso do cão e o mel dourado dos cabelos de um, confundia-se com o castanho e preto do outro"

Lindíssimo. Absolutamente maravilhoso.

Manuela no melhor que a vida nos dá quantas vezes fundimo-nos enquanto pessoas que se dão em sentimentos de ternura numa sintonia tão perfeita.

Olá...
Será que ainda há esse bolinho de chocolate e morangos...bem sei chego um pouco depois do que devia

PARABÉNS Manuela..!!
Muitos mais dias de encanto, de Vida sentidamente vivida e sempre sempre com muita Saúde.

E num abracinho amigo, deixo duas mãos de beijinhos de muita ternura.

dulce

Beatriz disse...

Manuela
O menino a correr com o cão e os meus pensamentos a voar por aí...

É sempre um encanto passar por aqui!

Bia
www.biaviagemambiental.blogspot.com

manuela baptista disse...

Linda e Dulce

os morangos ainda não estão doces e maduros

têm saudades do sol

mas o chocolate é eterno!

abraço-as!

manuela

manuela baptista disse...

22x2

íssimos felizes, Paulo!

manuela

manuela baptista disse...

olá Bia voadora!

passe sempre por aqui

um beijo

manuela

Anónimo disse...

Hoje, aqui, li um conto que é fácil de amar...
Partilhei esse sotão com vista para o mar onde todos os sonhos são perfeitos. Onde a fantasia é verdadeira, onde a comunicação é perfeita.
Dá vontade de ficar ... aqui ... consigo e neste sotão.

Parabéns não só pelo texto mas também pelos desenhos.

Beijo

manuela baptista disse...

por cada face
um abraço

por cada abraço um traço,

grata a todos!

manuela

Mª João C.Martins disse...

Dois lados da mesma face. Um que olha o mar ao fundo sabendo-o certo pelo rumor das marés e tempestades, e o outro a adivinhar estrelas e sóis medindo-lhes a distância com fios de água. Dois lados num só, onde a partilha do universo é feita de amizade tanta que não cabe no peito dos homens e tem o contorno de uma meia-lua, com outra lua que também é meia e as duas vivem, redondas, na memória das crianças.

Linda a sua face, Manuela e tão fácil de gostar!

Um beijinho

manuela baptista disse...

para lá da face

a sua, Maria João!

um beijo

manuela