a mãe deu um grito e a tarde arrefeceu
as velhas agoiraram medos e segredos perdidos no tempo dos faunos quando era cerrada a floresta e ninguém ousava perguntar quem mora ali
era tão pequeno, tão louro esbranquiçado, frágil como uma asa de borboleta e leve como ela seria se fosse um menino louro e esbranquiçado
“é o segundo” disse o pai e pegou no machado pesado e afiado e foi lá fora cortar a lenha e rezou uma ave-maria para afastar o medo que sentia de um dia frio assim no meio do verão
os sinos tocaram muito ao longe e ele dormiu sereno num respirar de pétalas de rosa e o irmão mais velho e as sete irmãs repetiram “é o Segundo, o nosso irmão!” e os pinhões estalaram na lareira
cresceu mal e devagar embalado pelas sete irmãs para cada uma um dia da semana, a primeira ia com ele à escola, a segunda ensinava-o a cantar, a terceira fazia-lhe uma camisa, a quarta uma camisola no tear, a quinta cozinhava-lhe um pão, a sexta dava-lhe banho no rio e a sétima levava-o à missa mas ele não queria entrar
assustava-se com as ladainhas e com a cara dos santos, doíam-lhe os joelhos e fugia do hálito das velhas quando lhe perguntavam se já tinha estudado o catecismo ou quando se iria confessar
mas um dia vieram sete caminhos e cada um deles escolheu uma irmã e ele chorou “não vás! não me deixes sozinho!” mas todas elas foram e a mais nova delas deu-lhe um saco bordado a ouro, para que todos os dias guardasse um tesouro e não se sentisse tão só
mas sentiu
e o irmão primeiro, levou-o à taberna para o alegrar mas ele não queria vinho, nem jogos de cartas, nem apostas, nem risadas, nem palmadas nas costas
ele gostava dos pinheiros mansos, do canto das aves, do ladrar do cão, do calor de Agosto que era tanto que fazia tombar as pinhas repletas de pinhões e naquele instante mesmo antes de caírem, ouvia-se um estalido aquele tão antigo que o fazia chorar
e assim enchia o seu saco de ouro e os homens da aldeia diziam “é o homem do saco, estranho e cerrado, não vai à igreja não dança ao domingo e não bebe à sexta-feira” e as mulheres invejosas que o achavam bonito e o queriam proteger mas ele não queria, assustavam os meninos pequenos com o saco e o homem
e eles engoliam a sopa de nabiça, com cebola e batata e escondiam-se debaixo da cama e fingiam o medo que não tinham
à tardinha no muro da eira Segundo lia, um jornal, um poema, um livro de viajar e soltava-se da aspereza dos homens embriagados e da aldeia tão pequena
as velhas agoiraram medos e segredos perdidos no tempo dos faunos quando era cerrada a floresta e ninguém ousava perguntar quem mora ali
era tão pequeno, tão louro esbranquiçado, frágil como uma asa de borboleta e leve como ela seria se fosse um menino louro e esbranquiçado
“é o segundo” disse o pai e pegou no machado pesado e afiado e foi lá fora cortar a lenha e rezou uma ave-maria para afastar o medo que sentia de um dia frio assim no meio do verão
os sinos tocaram muito ao longe e ele dormiu sereno num respirar de pétalas de rosa e o irmão mais velho e as sete irmãs repetiram “é o Segundo, o nosso irmão!” e os pinhões estalaram na lareira
cresceu mal e devagar embalado pelas sete irmãs para cada uma um dia da semana, a primeira ia com ele à escola, a segunda ensinava-o a cantar, a terceira fazia-lhe uma camisa, a quarta uma camisola no tear, a quinta cozinhava-lhe um pão, a sexta dava-lhe banho no rio e a sétima levava-o à missa mas ele não queria entrar
assustava-se com as ladainhas e com a cara dos santos, doíam-lhe os joelhos e fugia do hálito das velhas quando lhe perguntavam se já tinha estudado o catecismo ou quando se iria confessar
mas um dia vieram sete caminhos e cada um deles escolheu uma irmã e ele chorou “não vás! não me deixes sozinho!” mas todas elas foram e a mais nova delas deu-lhe um saco bordado a ouro, para que todos os dias guardasse um tesouro e não se sentisse tão só
mas sentiu
e o irmão primeiro, levou-o à taberna para o alegrar mas ele não queria vinho, nem jogos de cartas, nem apostas, nem risadas, nem palmadas nas costas
ele gostava dos pinheiros mansos, do canto das aves, do ladrar do cão, do calor de Agosto que era tanto que fazia tombar as pinhas repletas de pinhões e naquele instante mesmo antes de caírem, ouvia-se um estalido aquele tão antigo que o fazia chorar
e assim enchia o seu saco de ouro e os homens da aldeia diziam “é o homem do saco, estranho e cerrado, não vai à igreja não dança ao domingo e não bebe à sexta-feira” e as mulheres invejosas que o achavam bonito e o queriam proteger mas ele não queria, assustavam os meninos pequenos com o saco e o homem
e eles engoliam a sopa de nabiça, com cebola e batata e escondiam-se debaixo da cama e fingiam o medo que não tinham
à tardinha no muro da eira Segundo lia, um jornal, um poema, um livro de viajar e soltava-se da aspereza dos homens embriagados e da aldeia tão pequena
onde até gostava de estar
na incompreensão fria daquele dia que arrefeceu o quente da tarde e o fez estalar
na incompreensão fria daquele dia que arrefeceu o quente da tarde e o fez estalar
emprestaram-me este conto, Segundo, fui eu que o escrevi
mas não é meu
eu sou o escritor que desenha um barco como um marinheiro dá a volta às estrelas
quando regressam, não são os mesmos
passaram 365 dias sobre as histórias-com-mar-ao fundo e elas já não são as mesmas
eu também não!
agradeço-vos por estarem aqui comigo!
"pinheiros mansos" desenho de mb
33 comentários:
MANUELA BAPTISTA
Sendo a mesma
já não és
e mais o és
porque aos trezentos e sessenta e cinco dias que passaram
e demais contos
o que contaste
aos pontos
se desdobrou em muitos mais
pinheiros que tais
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 2 de Agosto de 2010
amiga querida,
eu voltei hehehehe
logo mais eu venho saudades...
as férias otimas ....
bjos.
Esta sua prosa é deliciosa!!! Perdi-me nestes caminhos, neste seu espaço, sendo personagem nos seus textos por entre os pinheiros, nas voltas de bicicleta,
na voz que grita, na terra que arrefece...
Gostei imenso!
Parabéns!
Beijinho
"eu sou o escritor que desenha um barco como um marinheiro dá a volta às estrelas"
e eu sou uma simples mas atenta leitora
e esperançada de ao voltar ler um outro conto uma nova história
porque sempre encontro aqui vidas de muitos afectos feitas de
partilhas de segredos de confidências...e de muito mais
tudo o que importa tenhamos presente nos nossos dias
e um pouco de cada um de nós por aqui vai ficando
e isso Querida Amiga Manuela
isso ...é de uma gratidão para começar muito maior que os 365 dias...
muito maior...!!
também por isso aqui Lhe deixo num abraço muitos beijinhos de OBRIGADO
dulce
Ai que bom vir aqui e ali,encontrar pinheiros mansos,amigos, histórias com mar ao fundo,música nas palavras...
ai, ai...
Parabéns!!!!
Beijoquinhas de carinho,
Linda Simões
num segundo e por um segundo
que seja eterno nos nossos corações
ofereço-lhe um cordão de abraços dourados como pinhõoes
hoje nada mais sei dizer
porque esta história é linda de doer
Walter
Manuela
Do conto, a viagem por entre os pinheiros mansos com as pinhas a estalar e, com elas, os sons da infância a soltarem-se de mim, para se pendurarem no céu.
A sua escrita é um desenho da alma a brincar com as cores do arco-íris...
Direi a todas as crianças, que temem o saco e o homem que o leva, que afinal ele, o homem, tem cabelo loiro e é Segundo de seu nome e que, é de ouro, afinal, o saco que transporta, e nele só cabem deliciosos pinhões com sabor a verão e a brisa perfumada dos pinheiros.
E nos rostos assustados de outrora, pintará a Manuela um sorriso que destruírá o medo.
Um beijinho Manuela e, obrigada!
Jaime
pinheiros que tais
e muitos mais agradecimentos!
manuela
Loirita
as férias óptimas?
as suas
porque as minhas ainda não começaram...
obrigada por ter voltado!
um abraço
manuela
JB
onde é que está? continua perdida?
obrigada pelo seu comentário!!
um beijo
manuela
Dulce, atenta leitora
de que serviria contar, se ninguém me ouvisse?
leve daqui tudo o que quiser
porque o que aqui deixa é igualmente maior do que 365 dias!
beijinhos
manuela
Linda
e dando a volta às estrelas e ao mar
é aqui que eu a venho encontrar...
beijinhos
manuela
Manuela
Volto, para lhe dizer o quanto acrescenta dia a dia....
a si que escreve e a todos que a lêem.
Na soma, somos pequenos detalhes que juntamos dia a dia, em eterna descoberta. Com eles, tecemos um manto onde nos abrigamos, tantas vezes , e onde outras tantas, damos guarida.
Um beijinho de felicitações.
Walter
fico com o cordão de abraços e solto-o por aí
para que se multipliquem
como os colares de pinhões que compravamos nas feiras! bastava um puxão e antes mesmos de os trincarmos soltavam-se...
era tão bom! pinhões a trincar as linhas...
obrigada Walter, por ser quem é!
um beijo
manuela
Maria João
que o seu manto
manta
me tocou!
aqui onde tenho e recebo guarida
porque se acrescento
tanto ou mais sou acrescentada
obrigada!
um beijo
manuela
"à tardinha no muro da eira"
à tardinha tardavamos voltar para casa sentados no muro da eira
sem nada fazer
a ouvir os mais velhos falar enquanto esbulhavam o milho...
aquelas maçarocas todas e nós procurávamos sempre as que eram malhadas de muitas cores
foram muitos dias assim
dias que agora chamamos até nós
e não obstante terem sido há uns bons anos, mais parece terem sido ontem...engraçada a vida
será que é assim que se diz e escreve "esbulhar o milho" Manuela..?!
beijinhos
dulce
Dulce
é sim, esbulhar é descascar!
onde a vida de ontem parece sempre a de hoje
não a sabia tão campestre...
manuela
mas sou..gosto muito do mar, da praia...inquestionável..!
mas tenho recordações imensas de férias de verão na casa dos meus avós maternos, em Ourém...
volto e sinto-me sempre renascer
adoro estar no campo...!
um abracinho grande.
dulce ac
Manela
365 dias de histórias...tantas como os pinhões a estalaram na lareira...e tantas outras que o Segundo levava no seu saco pesando como oiro... que ele guardou como um tesouro...Dos pinheiros mansos e do canto das aves, aprendeu o que era liberdade através das palavras...de
histórias - com-mar-ao fundo que ele ouviu contar desde sempre e cujos ecos chegaram à floresta cerrada onde nasceu...De um dos pinheiros fez um barco e...partiu à procura das suas raízes no mundo e no tempo...
Beijocas
Graça
Olá Manuela,
Vim cá numa daquelas intermitências de amor, que prometi no meu intervalo, depois de ter arrumado umas dezenas de documentos e rasgado outros tantos sem utilidade...
Passando para o seu conto, nem sabe como senti que valeu a pena abrir o computador em vez de o fechar. Nâo tenho palavras para dizer quanto adorei. Como diz o Walter até dói, que ele é que sabe dizer bem estas coisas...!
É que eu adoro tudo que seja diferente, profundamente diferente como este Segundo e sobretudo comove-me a coragem daqueles que o sabem ser.
Amanhã com menos sono venho ver outra vez o Segundo e falar um bocadinho com ele, tenho a certeza que vamos ter muito que contar, ainda que seja apenas com o olhar...
Beijinho grande
Branca
Olá querida
Quem conta um conto aumenta um ponto, acho bom, assim sempre temos novidades, se forem contos de Manuela serão um sucesso. Todos com a pureza de sua alma.
Seus pinheiros estão lindos.
Com muito carinho BJS.
Graça Pereira
e foi mesmo! partiu
porque as raízes estão engadoramente presas ao chão, por isso as levamos sempre connosco
beijinhos
manuela
Branca
agora é que me calou, com essas intermitências de amor!
acho tão bonito intermitências de amor! é assim como um veículo aflito em sinal de perigo, amorosamente à espera de ser salvo...
estou a falar a sério! e se a Branca não tivesse que rasgar tanto papel
mais valia escrever um poema com esse nome
beijinhos
manuela
Rufina
mansa como um pinheiro
foi a primeira a encontrar esses pontinhos que eu mudei...
beijinhos
manuela
A floresta tem mistérios q não são fáceis de descrever, e tu fizeste tão bem.
A natureza é fascinante e felizes saõ os q aproveitam e valorizam ela.
da sua natureza, Mariana
agradeço
as palavras que aqui deixou
um abraço
Manuela
Ai, Manuela,
Que me fez rir como uma perdida...!
Comparar-me ao INEM?
O amor de que falo é o amor-amizade, o que me trouxe aqui, esse é que me salva, entregar-me ao mundo como sempre gostei e aí sim é que eu gosto de fazer tinoni, tinoni, e acelerar por todas as estradas...
Volto ao serão, se não adormecer antes.
Beijinhos
Branca
P.S. Peço imensa desculpa dos dois comentários eliminados, que eram meus. Não sei que aconteceu que me publicou um rascunho que não estava finalizado, na mesma altura em que publicou o que já estava concluído. Eu acho que foi da emergência médica, :))
E por coincidência as letrinhas que tenho que pôr na verificação de palavras é stora.
boa noite stora! se me dá licença...
eu não pensava no 112!
e não sabe que os carros também se podem apaixonar?
e porque é que a Branca quando chega
está sempre a ir-se embora?
pronto! então até logo
beijinhos
Manuela
Manuela!
O som dos pinheiros mansos é doce e tranquilo. aqui há muitos
Beijinhos
Filomena
então aí
deve ser bom!
beijinhos
Manuela
Meu Deus, como são deliciosos estes caminhos! E é tão fácil mergulhar na sua subtileza...!
Acordam as cores de outrora, revigoram as palavras primitivas, o canto dos pássaros é genuíno...
O talento, esse, está bem à vista. Parabéns, Manuela!
Beijo :)
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