até parece que tem por hábito estar sentado, pois se toda a gente diz “levantou-se, o vento…”
e o homem soltou os grãos de areia presos na mão direita
rodopiaram, elevaram-se ligeiramente no ar, perdendo-se de seguida entre tantos outros enganadoramente iguais mas sabendo cada grão qual a sua rocha de origem porque o destino é incerto e umas vezes ergue-se e outras cai
depois devagar, olhou o horizonte, colocou a mão sobre os olhos para se proteger do sol e pensou “tanto que eu já ganhei e outro tanto que perdi e nunca me cansei de procurar por este barco e agora que o tenho aqui diante de mim nem sei como lhe chamar ou o que lhe contar que o faça desejar entrar outra vez na água fria embriagar-se de sal e espuma e cantar como uma gaivota em dia de pescaria”
e o homem soltou os grãos de areia presos na mão direita
rodopiaram, elevaram-se ligeiramente no ar, perdendo-se de seguida entre tantos outros enganadoramente iguais mas sabendo cada grão qual a sua rocha de origem porque o destino é incerto e umas vezes ergue-se e outras cai
depois devagar, olhou o horizonte, colocou a mão sobre os olhos para se proteger do sol e pensou “tanto que eu já ganhei e outro tanto que perdi e nunca me cansei de procurar por este barco e agora que o tenho aqui diante de mim nem sei como lhe chamar ou o que lhe contar que o faça desejar entrar outra vez na água fria embriagar-se de sal e espuma e cantar como uma gaivota em dia de pescaria”
o barco ferrugento soltou um parafuso bem dentro de si e resmungou “deixas-me estar quieto? aqui onde o deus dos barcos me largou, onde cada pedaço do meu aço range e baloiça como bóia de criança, onde os ratos há muito fizeram de mim a sua toca, onde os mapas dos tesouros se perderam para jamais serem encontrados, onde os porões gritam na solidão das noites, onde os camarotes vazios sussurram as histórias dos marinheiros adormecidos para sempre!”
nessa noite o homem ficou ali e o estaleiro abandonado foi a sua casa e procurou na memória da sua vida uma oração para dizer ao deus dos homens, mas não se lembrou de nenhuma
nessa noite o homem ficou ali e o estaleiro abandonado foi a sua casa e procurou na memória da sua vida uma oração para dizer ao deus dos homens, mas não se lembrou de nenhuma
era lua nova e o vento não tardava
todas as manhãs o homem subia à mais alta das escadas e invadia o barco e procurava em cada recanto aquilo que não sabia se iria encontrar e os parafusos iam caindo à medida que trepava porque o barco zangava-se e queria ficar sozinho sem ninguém para o acordar
os dias sucediam-se como as marés e atrás das manhãs as tardes e na mais quente de todas, entre dois cacifos tombados, uma hélice partida e uma carta de marear
os dias sucediam-se como as marés e atrás das manhãs as tardes e na mais quente de todas, entre dois cacifos tombados, uma hélice partida e uma carta de marear
o homem encontrou o que buscava, enrolado com cuidado entre muitas folhas de papel, protegido por um pedaço de lona impermeável, milagrosamente intacto o livro imperfeito que escrevera e dezenas de desenhos que fizera quando os seus ossos não rangiam e o barco não resmungava
e navegavam os dois corajosos, belos, brilhantes como um mar repleto de peixes ao luar
o homem contou ao barco cada traço que fizera e ao quarto traço, o aço não rangeu, ao quinto os parafusos pararam de cair, ao sexto as porcas colaram-se às juntas e ao sétimo e presente traço os motores roncaram, as amarras soltaram-se, a proa subiu 75º
o homem contou ao barco cada traço que fizera e ao quarto traço, o aço não rangeu, ao quinto os parafusos pararam de cair, ao sexto as porcas colaram-se às juntas e ao sétimo e presente traço os motores roncaram, as amarras soltaram-se, a proa subiu 75º
e o barco, largando estaleiro e ratos e pó mergulhou nas águas frias e na espuma das ondas
sulcaram raias na infinitude dos astros, os cavalos marinhos eram verdes, encarnados e azuis, um bosque crescia nos montes oceânicos, as ruínas dos mundos de pernas para o ar repletas de peixes, saudaram-nos e se não foram as sereias a cantar, ninguém sabia quem cantava assim
deram a volta inteira ao mar profundo e quando por fim terminaram o imperfeito conto e o mais que perfeito traço, rezaram mudos as orações antigas e o deus dos homens e o deus dos barcos descobriram espantados que eram apenas um!
era quarto crescente e o vento já soprava
sulcaram raias na infinitude dos astros, os cavalos marinhos eram verdes, encarnados e azuis, um bosque crescia nos montes oceânicos, as ruínas dos mundos de pernas para o ar repletas de peixes, saudaram-nos e se não foram as sereias a cantar, ninguém sabia quem cantava assim
deram a volta inteira ao mar profundo e quando por fim terminaram o imperfeito conto e o mais que perfeito traço, rezaram mudos as orações antigas e o deus dos homens e o deus dos barcos descobriram espantados que eram apenas um!
era quarto crescente e o vento já soprava
desenhos a carvão e lápis de cor de mb
46 comentários:
ERA
Era uma trilogia lindíssima ...!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 7 de Agosto de 2010
E em todos os barcos ancorados onde a ferrugem das marés já desfez os sonhos em mil pedaços, há na surpresa de um dia só, a resposta à questão dos astros e, juntando os traços da memória, um por um, todos segredam ao ouvido do infinito, o propósito de tudo o que lá foi escrito.
E do seu mar,Manuela, nestas suas linhas de Agosto, oiço o murmúrio das ondas que, com ternura própria do conto, vêm segredar-me o quanto é bom vir aqui!
Um beijinho
..."e navegavam os dois corajosos, belos, brilhantes como um mar repleto de peixes ao luar"...
"era quarto crescente e o vento já soprava "
Mais uma história que nos deleita.
E o vento sopra ameno, hoje.
Um grande beijinho, cheio de carinho.
Linda Simões
Um texto povoado de imagens poéticas de um cromático que encanta.
Um beijo
ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh... mas ela já voltou!?
ó Manuela!
Jamais me passaria pela cabeça que alguém conseguisse num tão curto espaço de tempo consertar um barco e depois zarpar por oceanos tão profundos - aqueles onde mergulhamos fundo à procuro de qualquer coisa que perdemos e já nem lembramos que coisa era.
Mas a coisa está lá, bem no fundo,no jardim das anémonas, intacta, guardada em ânforas de ouro no porão do tempo, um tempo que não dorme, mas que às vezes também ele se perde nós.
Eu acredito nos peixes que tudo sabem dos segredos do mar; no homem que lê as cartas de marear, nos desenhos que fez, no barco que fez renascer e lançou ao mar, que não era velho por estar enferrujado, apenas cansado de tanto navegar e sobretudo acredito no silêncio que pode existir numa partícula de tempo, basta um minuto um segundo que seja, intenso no que se deseja, tão profundo como o mar... e é tanto o que podemos encontrar de nós numa simples partícula de tempo que não dorme mas que morre de saudades de nós.
Manuela,
Fique descansada, o seu barco ficou muito bem pintado e as cores com que o pintou a sua alma as emprestou!
,,,
Hoje apanhei muito sol na moleirinha, tenho o cérebro todo desaparafusado e as cavilhas já me saltaram todas, estou todo desconjuntado... 2o klms de bicicleta de baixo de um calor infernal e sempre a subir, mas como quem corre por gosto não cansa, não tenho que reclamar, apenas preciso de algum tempo para me aparafusar todo e voltar a funcionar...um minuto que seja!
Sobrou-lhe alguma tinta Manuela?
Ah! então venha-me pintar... assim todo às risquinhas que nem uma barraca da praia, que é para eu descansar o cérebro à sombra...
:))
Um beijo e seja muito bem vinda!
...e já não vou morrer de saudades lá lá lá lá lá lá...:))))
Walter
ups! debaixo e não de baixo... rectifico... é o sol na moleirinha!:))))
Querida amiga
Começo pelos lindos desenhos, sua intuição está muito ativa, na simplicidade, a criatividade tem todos os elementos. Coloca o coração na mão e desenha.
Na história conta um conto, sua beleza nos conforta.
Com muito carinho BJS.
Manu, olá.
Voltei e sinto o gosto do sal nesta página. Saudade de ti, aqui chove e tua foto do farol só no sol, ler o nome dos teus barcos e as cores dos peixes que parecem chegar até o mar de Olinda um tanto turvo ...
Beijo
Olá Manuela
Os desenhos estâo lindos, o texto uma maravilha.
Muito obrigada pela força.
beijinhos
.
. onde cada pedaço do meu aço é aqui que o des.embar.aço .
.
. dedo.tarso . onde me amasso .
.
. o deus das pequenas coisas, é tão somente ou a.penas o deus das grandes coisas, das coisas grandes e enormes que junto ao traço são margem e aragem na breve clivagem do leito estreito . estreito . tão estreito para um pedaço de lona .
.
. ainda que à tona .
.
. porque na passagem dos dias somos cúmplices de um Sonho Maior .
.
. porque do peito que sendo seio é ventre onde presente estão e estarão sempre as orações que nos soube ensinar .
.
.
. jesus .
.
.
. querida,,, manuela baPtista, .
.
. escritora e artista no palco da vida .
.
. ? parabéns ? só .
.
. do tão pouco se faz tanto .
.
. até este canto de en.canto .
.
. conto sem ponto .
.
. um beijo total .
.
. paulo .
.
. [.10.] .
.
para o décimo .[.10.].
já aqui
(os outros perdoar-me-ão...pois nunca me esqueço de ninguém)
porque existem cantos que não se interrompem
sob pena de quebrar alguma coisa
e quebrado temos nós tanta vez o coração
e os guindastes aguentam muito peso
mas não suportam a leveza das palavras
então Paulo
do seu intemporal encanto
guardo o que sempre permanecerá à tona porque jamais se poderá afogar!
um beijo total
manuela
sendo debaixo para cima
para baralhar...
Sideny
tenho tantas saudades dos seus "Bom Fim de Semana!!"
e que tudo fique bem consigo!
um beijo
manuela
Renata, por toda a minha vida
a espera de um farol
jamais será comprida e inútil!
que chova em Olinda
porque
aqui também...
beijinhos e seja bem vinda
Manu
Rufina
também escrevo com o coração na mão,
como um lápis
beijinhos
manuela
Walter
não me sobraram tintas,
mas tenho imensos parafusos!
mas o seu cérebro
mesmo esturricado
desenvolveu uma bonita busca do tempo perdido
já se deu conta?
ora leia mais uma vez o que me escreveu se faz favor! Proust deu uma voltinha neste domingo...
para si uma ânfora repleta de cores
porque às risquinhas o pintarei, se for essa a sua vontade
um beijo
manuela
Lídia Borges
também gosto de campos
povoados de girassóis!
obrigada!
um beijo
manuela
Linda
amiga carinhosa e mansa
um abraço apertado neste soprar de vento!
manuela
Maria João
então fique aqui
que eu desenho mais linhas de Agosto
e de Setembro também e de todas as estações
mesmo as que têm os astros trocados!
um beijo
manuela
Jaime
as trilogias
de que tanto gostas
dão nisto!
és sempre o primeiro
tanto em cima como em baixo
manuela
TANTO EM CIMA COMO EM BAIXO
Tanto em cima como em baixo
o que importa é se me encaixo
pois trilogia eu vi
na história que aqui li
Vento sentado não ri
e ferrugento é um seixo
de um ovo eu ressurgi
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Agosto de 2010
"um bosque crescia nos montes oceânicos, as ruínas dos mundos de pernas para o ar repletas de peixes, saudaram-nos e se não foram as sereias a cantar, ninguém sabia quem cantava assim"
Maravilhoso...!!
E que importa saber quem canta
se quem canta encanta
e é a Vida Senhor (!)
é o sentir perfeito da Vida..!
Beijinhos de sereias a cantar com inigualável encanto..para Si Manuela..!
E um abracinho meu..!
dulce
Rio acima, ao contrário da corrente, navegava um frágil barquito (seria o teu?) e...ao vê-lo...naquele esforço tremendo que desenvolvia para se...desembaraçar...lembrei-me de ti...E naquela manhã... em que o Sol era uma canção de luz...e já o teu barco navegava...ergui os olhos ao céu...num agradecimento comovido pela conquista que fizeste...contra a corrente do mundo!
Há tantos barcos no cais, Manela, á espera que o vento sopre...e chegue a lua Nova.
Beijo
Graça
Dulce
de um sentir
perfeito
é a Vida, sim Senhor!
beijinhos
Manuela
Graça Pereira
tenho a certeza
que era o meu barco!
e lindos os olhos
que ergueste ao céu
agradecendo aquilo que era meu
e que eu não sabia ainda
que navegava na lua nova e até no cais!
um beijo
Manuela
MANUELA BAPTISTA
Bravo, belo cabeçalho e teu, teu mesmo!!!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Agosto de 2010
obrigada!
manuela
Os barcos têm alma. è por isso que os marinheiros se apegam a eles como se fossem a sua própria casa. E quando os barcos andam à deriva é o vento que lhes ensina a rota a seguir. O vento e as gaivotas...
"foi a sua casa e procurou na memória da sua vida uma oração para dizer ao deus dos homens, mas não se lembrou de nenhuma
era lua nova e o vento não tardava"
Uma beleza de escrita!
Um grande beijo, Manuela.
Graça Pires
marinheira de tanto barco!
um beijo
Manuela
Manuela,
Esta entrada do blog está estrondosa, tanto azul, tanto mar...e a caravela é linda, uma homenagem aos nossos marinheiros e grandes descobridores?
Saio a suspirar com esta navegação e já me faço ao mar, porque o vento sopra de feição e pertenço a este povo de marinheiros...
Tal como na sua belíssima e mais que perfeita história, aí vou pelas "montanhas" do oceano e volto logo para mergulhar de novo aqui...profundamente.
Beijinhos
Branca
Branca
eu até me assusto quando me dizem estrondosa!
da primeira vez estava tão estrondosa com o rapaz nu, que ocupava um écran gigante :))
vamos embora herdeira de marinheiros
que anda agora mais por terra do que pelo mar!
beijinhos
Manuela
E, perante a persistência e a determinação do olhar convicto duma alma acordada, há sempre uma pegada por (re)descobrir do significado das velhas palavras, as primeiras...
Bravo, Manuela!
Beijo :)
Ac
que ouve as palavras antigas
que entende de caminhos e pinheiros
que re.volta as vezes sem conta
para ouvir os búzios e o mar!
e dou-lhe 4 abraços
um, pelo homem do saco
dois, pelo que faço de conta
três, pelo afã do mar
e quatro, pelas outras palavras
as primeiras
manuela
Quem um dia disse que tudo o vento levou
Esquece-se que ao levantar as saias da marilyn monroe arrebitou
O que a muitos há tanto no tempo faltou
Um beijinho de quem? de quem?
D`O Rasteirinho, pois claro.
Olá Manuela
Bonita a entrada do blog , bela caravana.
Tenho saudades do rapaz nu:))
Agora já estou mas livre ,voltarei mais vezes.
beijinhos e tudo de bom
Croc
se te referes ao vento
não há linha que mexa
quanto mais levantar a bainha de uma saia ou outra coisa qualquer
a tua filosofia hoje está muito encroquinhada!
uma festinha
que no pântano é que se está bem
manuela
Sideny
agora um mar geladinho é que era!!
e aí, até o rapaz nu continuava a correr neste blogue
volte sempre!
beijinhos
manuela
Bom dia, Manu.
Hoje relendo tua história fiquei em dúvida se hoje sou o barco ou homem...
Obrigada pela visita, espero que ao cruzar o oceano tendo a lua como companheira o barco não tenha resmungado...
Beijo
Diga ao Jaime que não sou ciumenta, rsrsrsrs, sou um tantinho chata mas, só um pouco ... rsrsrsrs
.
. e hoje,,, no dia que se a.tarda na teimosia de uma temperatura constante,,, o vento levantou.se . sacudiu o pó e tonto re.clama por mais um conto . na ausência de qualquer ponto .
.
. um re.beijo total que atesta a moral bem no centro da testa .
.
. paulito .
.
querida Rê
os recados ao Jaime apenas se aceitam em directo no blogue dele!
mas chata a Renata não é
se for ciumenta... pois faz muito bem! significa que gosta de alguém!
e seja sempre o barco e o homem
um beijo
Manu
paulito
atesto também
que a água do mar estava fria
ao entardecer
num momento roubado
ao pó dos dias
a multidão sobrava por todos os lados
concluindo-se que parecem existir mais criaturas do que grãos de areia
do que ondas do mar
o conto atarda-se
anda à minha procura
sem me encontrar!
um beijo na testa para si
que é uma coisa bonita
perdida tantas vezes
sem nos encontrar
Manuela
.
. passou por aqui o vento que passa e num golpe de asa falou.me do Seu próximo conto .
.
. que conta e re.conta no mesmo conto a multidão que sobra, obra de tantos homens ainda por acabar .
.
. conto que sendo roubado ao pó dos dias aqui nos trará empirismos e empatias .
.
. conto para os meninos crescidos que querem continuar a ser meninos crescidos . para os sobrinhos e para as tias . para os pais e para os avós .
.
. um conto . tão somente ou a.penas . para todos nós .
.
. re.re.beijo total .
.
Manuela,
Boa noite, voltei ao mar, devagarinho e olhe que nunca andei muito na terra, de vez em quando vou à lua e volto, :))
Beijinhos
Branca
paulo
eco de um eco
que é a única resposta
em que podemos confiar
para todos vós
agitam-se as folhas da árvore sem nome
e que cresce à beira dos rios
talvez seja um salgueiro
um beijo total
porque hoje é outro dia
manuela
Branca
as fundações fixam-se melhor em terra
mas quem disse
que as pontes não são lugares seguros?
um beijo
manuela
fundas um mundo imenso, imerso em águas mágicas com ritmo de ondas-palavras.
tanto mar...
há-mar...
ah-mar...
navegando aportei aqui
ilha boa de se colher frutos, de se fartar de sonhos.
abs
aluisio martins
com ritmo de ondas-palavras
agradeço-lhas por inteiro!
um abraço
manuela
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