Era uma vez um homem corajoso que tinha medo do nevoeiro. Não temia as trovoadas, os vendavais, a chuva forte, o desânimo, a saudade, a inveja ou o desamor.
Se a trovoada for grande, dizia, eu sei calcular o intervalo entre o ribombar do trovão e a queda do raio, terei assim tempo para me preparar.
Se a trovoada for grande, dizia, eu sei calcular o intervalo entre o ribombar do trovão e a queda do raio, terei assim tempo para me preparar.
Se o vendaval vier, protejo o telhado, tranco as portas e as janelas da minha casa e desço à cave onde não ouvirei o seu silvar.
Com a chuva, subirei ao sótão ou à árvore mais alta do meu jardim e se não resultar, construo uma jangada com a madeira da árvore e as cordas grossas que guardo num saco comprido e cinzento.
Do desânimo, não conheço a cor, mas sei que sou forte e quando chegar, mostrar-lhe-ei os tons do Outono, a lua no céu, os livros que li e contar-lhe-ei dos países que visitei, do odor do caril em prato de prata e do sabor do pão com manteiga em tarde de frio.
Da saudade, espero que venha e me faça chorar, mas falar-lhe-ei de um violoncelo em lamento sonoro, das fotografias que não tirei, das palavras que não disse, da procura do tempo e da consolação de um riso.
A inveja terá lugar, se eu for senhor de riquezas, de casas, de pontes, se eu construir impérios apenas para mim, se a operação eleita for apenas multiplicar sem cuidar de dividir. E se o invejar, for do brilho de um olhar ou do aceno de uma mão, já não será inveja mas mesquinhez e essa desfaz-se como a espuma de uma onda.
Do desamor, aperceberei os contornos, desejarei que não se instale ao meu lado como um vizinho louco, mas se isso acontecer, bastará emprestar-lhe metade do amor que tenho e já não será desamor, mas a essência de um amor.
Mas do nevoeiro desconheço tudo.
Instala-se devagar, viscoso, lodoso, deforma os ramos das árvores, duplica o desenho dos rios, faz naufragar os barcos perdidos e torna invisíveis os rochedos do mar. Entra pelas frestas das portas, pelas chaminés e pelos buracos das fechaduras. Traz o som enganador dos lamentos, dos murmúrios e das histórias por contar.
Os meus olhos permanecem abertos mas nada vêem, as minhas mãos estendem-se trémulas e inseguras e não encontram nada, os meus sentidos estão alerta, mas nada sinto, escorregadio como alga, vazio como a solidão.
Acendo todas as luzes da casa, as velas das festas de aniversário, os LED's e as gambiarras de Natal. Agarro nas cadeiras velhas e nos baloiços, desfaço-os e ateio fogueiras gigantescas que chamuscariam as estrelas se as estrelas se vissem e tudo continua translúcido e vago.
E o homem corajoso, que não temia as trovoadas, os vendavais, a chuva forte, o desânimo, a saudade, a inveja e o desamor, pensou:
- É belo e sereno o nevoeiro e é isso que me faz vacilar.
Do desânimo, não conheço a cor, mas sei que sou forte e quando chegar, mostrar-lhe-ei os tons do Outono, a lua no céu, os livros que li e contar-lhe-ei dos países que visitei, do odor do caril em prato de prata e do sabor do pão com manteiga em tarde de frio.
Da saudade, espero que venha e me faça chorar, mas falar-lhe-ei de um violoncelo em lamento sonoro, das fotografias que não tirei, das palavras que não disse, da procura do tempo e da consolação de um riso.
A inveja terá lugar, se eu for senhor de riquezas, de casas, de pontes, se eu construir impérios apenas para mim, se a operação eleita for apenas multiplicar sem cuidar de dividir. E se o invejar, for do brilho de um olhar ou do aceno de uma mão, já não será inveja mas mesquinhez e essa desfaz-se como a espuma de uma onda.
Do desamor, aperceberei os contornos, desejarei que não se instale ao meu lado como um vizinho louco, mas se isso acontecer, bastará emprestar-lhe metade do amor que tenho e já não será desamor, mas a essência de um amor.
Mas do nevoeiro desconheço tudo.
Instala-se devagar, viscoso, lodoso, deforma os ramos das árvores, duplica o desenho dos rios, faz naufragar os barcos perdidos e torna invisíveis os rochedos do mar. Entra pelas frestas das portas, pelas chaminés e pelos buracos das fechaduras. Traz o som enganador dos lamentos, dos murmúrios e das histórias por contar.
Os meus olhos permanecem abertos mas nada vêem, as minhas mãos estendem-se trémulas e inseguras e não encontram nada, os meus sentidos estão alerta, mas nada sinto, escorregadio como alga, vazio como a solidão.
Acendo todas as luzes da casa, as velas das festas de aniversário, os LED's e as gambiarras de Natal. Agarro nas cadeiras velhas e nos baloiços, desfaço-os e ateio fogueiras gigantescas que chamuscariam as estrelas se as estrelas se vissem e tudo continua translúcido e vago.
E o homem corajoso, que não temia as trovoadas, os vendavais, a chuva forte, o desânimo, a saudade, a inveja e o desamor, pensou:
- É belo e sereno o nevoeiro e é isso que me faz vacilar.
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Manuela Baptista
Estoril, 26 de Novembro 2009
-
foto - Ghost boat
© Shlomi Nissim
© Shlomi Nissim
30 comentários:
NEVOEIRO
Nevoeiro meu
tão sereno como um véu
minha vontade de ser
o que se ergueu no meu céu
cantas como uma suite
pausada
onde eu vi-te
beleza mansa que ouve
sereia que me acode
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Novembro de 2009
Nossa, que lindo!
gostei muito.
é de tua autoria?
beijos
Lindo gosto,gosto mesmo Bjs.
MARIANA
Boa Amiga,
Deixa-me, agora, numa situação desconfortável:
Refere-se, estou certo, ao conto de minha mulher mas vindo o Seu a seguir ao meu comentário, referir-se-á também ao meu poema!?
Desculpe-me, Seu
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Novembro de 2009
Jaime
Obrigada meu sereio, está bonito!
Manuela
Mariana
O conto é meu,claro!Quando cito outros autores assinalo-os devidamente. Já as fotos são todas alheias...
O poema do Jaime, também é dele :)!
Beijinhos
Manuela
Rebelde
e as suas máscaras
Gostei que tivesse gostado!
E elas?
Um beijo
Manuela
Manuela,
Por vezes a serenidade assusta, desencoraja, afasta... por vezes.
Compreendo este homem que se prestava a lutar contar tudo e contra todos, excepto com a cortina serena do nevoeiro
Um beijo
Por vezes, Filomena!
especialmente quando somos nós os serenos.
Beijos
Manuela Baptista
Manuela.
Mais uma
Uma história com mar ao fundo
...
Maravilhosa(!)
Um homem corajoso com medo do nevoeiro,
só este o fazia vacilar,
enquanto belo e sereno.
Mas a história deste homem que não gostava do nevoeiro...
Corajoso
A mim não me faz vacilar
Porque talvez
talvez não o esteja
tão serena (..)
E procure hoje um tempo
naquela,
naquela que é a consolação de um riso.
Muito bonita também esta história, Manuela!
Beijos e um abraçinho grande sereno.
Dulce
Serenamente,
Irrequieta,
Como sempre,
Com belos contos,
Nunca brumaceiros
José Ferreira
Dulce
apenas temos saudades daquilo ou daqueles que amámos
assim
houve um momento em que os tivemos.
É verdade, também temos saudades de futuro!
Um beijo
Manuela Baptista
P.S. o combóio afinal vai chegar atrasado...
Obrigada José
pelos brumaceiros.
Achei uma palavra linda!
um abraço
Manuela Baptista
Mais um conto que encanta,serenamente.
..."Da saudade,espero que venha e me faça chorar"...
De alegria por ter vivido e amado.
...
Beijoquinhas
Até o silêncio se adensa numa noite,manhã ou tarde de novoeiro.
Tudo fica estranhamente estranho.
Se estendermos o braço perdemos de vista os dedos da mão.
Mesmo os menos serenos ficam assustados com a calma implacável e impertubável do nevoeiro.
"The Fog"(1980)- by John Carpenter
"John Houseman sits around a campfire telling children about the story of a ship that went down near their home Antonio Bay and how the drowned sailors will reappear 100 years to that very night in the fog..."
1 abraço.
Ana Cristina
Manuela.
Olá.
Atrasado o comboio...
talvez não (!?)
nós é que normalmente
andamos aceleradíssimos e só por isso,
talvez só por isso
o comboio não chegue a horas ao apeadeiro onde estamos
onde o esperamos...
Mas o comboio
esse, não virá atrasado...
Muitos beijinhos,
dulce.
..."Da alegria por ter vivido e amado"...
...do amor por ter sonhado e desejado.
em parceria com a Linda
a quem dou um abraço
Manuela Baptista
Ana Cristina
a minha memória é rasteira com os filmes que vi...
Como os marinheiros afogados
como o holandês voador.
Estenda lá os dedos, está a vê-los?
um beijo
Manuela
Dulce
tem razão!
A não ser que experimente apanhar um comboio na companhia do Jaime.
Apanha sempre o comboio anterior...
um beijinho
Manuela
O nevoeiro da nossa espera...
Belíssimo conto, que li e reli com um gosto imenso.
Um beijo
À Graça Pires
por ter lido e relido
com gosto
um beijo
Manuela Baptista
Ao José Ferreira
que me dá a honra de ser meu seguidor
um abraço
Manuela Baptista
Manuela,
Tal como a pescada, já o era antes de o ser!
A formalização agora efectuada, como seguidor, não é mais que uma praxe processual.
Não é, portanto, para agradecer posto que,
substantivamente, já o era e continuaria a se-lo, mesmo que não tivesse executada a praxe.
Um abraço,
José Ferreira
Beautiful words !! Liked the post !!Enjoyed the post..Unseen Rajasthan
"
e o homem corajoso, que não temia as trovoadas, os vendavais, a chuva forte, o desânimo, a saudade, a inveja e o desamor, pensou:
- É belo e sereno o nevoeiro e é isso que me faz vacilar.
"
. é supreendente o reflexo no convexo da íris ,,, que vacila e até oscila perante a serenidade da beleza .
. natural e latente . a ser luz aos olhos da gente, que anseia por olhar em frente .
. bel.íssimo,,, Manuela .
. e levo comigo tantos sentimentos re.inscritos na pele de uma tatuagem perene . e ampla.mente vacilante .
. um beijo total,,, .
. um bom Domingo .
. grat.íssimo pela presença na constância, junto de mim .
. paulo .
À Fátima
um intranquilo abraço!
Manuela
Unseen
be seen!
Manuela Baptista
Paulo
da sua presença
constante
guardo também a luz
de um bom e primeiro Domingo do Advento
um beijo
Manuela
Nevoeiro
enganador
branco
frio
faz vacilar
Chama-nos
não há certeza
mas há estrelas
que brilham
do lado de lá
Manuela,
Belo e sereno é o nevoeiro que um homem forte teme....só porque não sabe o que existe do lado de lá.
Eu acredito no brilho das estrelas,
na luz que nos espera....
mais um belo conto...adorei!
beijinhos
Beijinhos Canduxa!
Manuela
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