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Era uma vez um homem que gostava de ser arrumado. Tinha uma paixão por arquivos, ficheiros, índices, etiquetas, bolsos, gavetas e prateleiras.
Na sua casa, tudo estava organizado por ordem alfabética desde os armários ao frigorífico, do quarto ao escritório. Se na despensa esta ordenação funcionava, pois se o ananaz vinha sempre antes do arroz e depois do açúcar, no quarto a coisa complicava-se. A cama estava antes da cómoda, mas a mesa de cabeceira vinha depois da cadeira, logo o despertador estava colocado na cadeira e o copo de água em cima da cómoda.
Na sala, o sofá estava de costas para a televisão que por sua vez estava ao lado do telefone, o computador descansava em cima da cristaleira.
Quando ia ao café pedia sempre um café, uma meia de leite e uma torrada. Os empregados traziam-lhe a meia de leite e a torrada e diziam:
-O cafezinho no fim, Sr.º Dr.º?
Ficava incomodado para o resto do dia, com a desconfiança de que as coisas e as pessoas não estavam no sítio certo.
Tinha apenas um amigo, chamava-se Adérito. Na escola secundária fez um ou dois trabalhos de pesquisa com um Paulo e um João mas excluiu-os, porque no grupo faltava um Baltazar .
A primeira mulher de quem tinha gostado, era alegre e despreocupada e adorava comer ananaz com açúcar. Ele pedia-lhe para colocar primeiro o açúcar e no fim o ananaz. Ela respondia que ele era bizarro e aborrecido. Ele insistiu que a ser aquilo que ela insinuava, seria aborrecido e bizarro. A mulher classificou-o com outro adjectivo e saiu batendo com a porta.
Todos os dias elaborava uma lista de objectivos e cumpria-os.
Na sua casa, tudo estava organizado por ordem alfabética desde os armários ao frigorífico, do quarto ao escritório. Se na despensa esta ordenação funcionava, pois se o ananaz vinha sempre antes do arroz e depois do açúcar, no quarto a coisa complicava-se. A cama estava antes da cómoda, mas a mesa de cabeceira vinha depois da cadeira, logo o despertador estava colocado na cadeira e o copo de água em cima da cómoda.
Na sala, o sofá estava de costas para a televisão que por sua vez estava ao lado do telefone, o computador descansava em cima da cristaleira.
Quando ia ao café pedia sempre um café, uma meia de leite e uma torrada. Os empregados traziam-lhe a meia de leite e a torrada e diziam:
-O cafezinho no fim, Sr.º Dr.º?
Ficava incomodado para o resto do dia, com a desconfiança de que as coisas e as pessoas não estavam no sítio certo.
Tinha apenas um amigo, chamava-se Adérito. Na escola secundária fez um ou dois trabalhos de pesquisa com um Paulo e um João mas excluiu-os, porque no grupo faltava um Baltazar .
A primeira mulher de quem tinha gostado, era alegre e despreocupada e adorava comer ananaz com açúcar. Ele pedia-lhe para colocar primeiro o açúcar e no fim o ananaz. Ela respondia que ele era bizarro e aborrecido. Ele insistiu que a ser aquilo que ela insinuava, seria aborrecido e bizarro. A mulher classificou-o com outro adjectivo e saiu batendo com a porta.
Todos os dias elaborava uma lista de objectivos e cumpria-os.
Os colegas de trabalho temiam-no e os vizinhos toleravam-no e elegiam-no consecutivamente, gestor do prédio.
O homem arrumado pensava que era feliz, mas às vezes sentia uma sensação estranha, como se tivesse esquecido qualquer coisa muito importante e que lhe fazia falta.
Um dia, ao limpar o armário do sótão, encontrou uma caixa cheia de sonhos. Alguns já tinham pó.
Devagar, separou-os, deu-lhes brilho, depois contemplou demoradamente cada um deles como se fosse a primeira vez e viu que estavam intactos.
Nesse dia desarrumou a casa, saiu para a rua a cantar, comprou flores, um bom vinho tinto e convidou os vizinhos para jantar.
O homem arrumado pensava que era feliz, mas às vezes sentia uma sensação estranha, como se tivesse esquecido qualquer coisa muito importante e que lhe fazia falta.
Um dia, ao limpar o armário do sótão, encontrou uma caixa cheia de sonhos. Alguns já tinham pó.
Devagar, separou-os, deu-lhes brilho, depois contemplou demoradamente cada um deles como se fosse a primeira vez e viu que estavam intactos.
Nesse dia desarrumou a casa, saiu para a rua a cantar, comprou flores, um bom vinho tinto e convidou os vizinhos para jantar.
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Esta é uma página arrumadinha que eu não vou deixar ter pó.
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Manuela Baptista
Estoril, 23 de Outubro 2009
35 comentários:
Manuela,
Gostei. É um texto imaginativo, satírico e de humor quase timburtiano, ao seu gosto e prátrica.
Aproveito para esclarecer que não sendo a antítese do arrumadinho, me vou desviando já para o campo oposto.
Aproveito igualmente para lhe agradecer as sua palavras no meu blogue e dizer-lhe que os comentários dos outros meninos se restringem, na sua maioria, pelo email, talvez envergonhados ou com escrúpulo de se exporem publicamente.
Se reparou, mencione, repartidamente, a rapaziada em três campos diferenciados: blogoesfera, correio electrónico e pessoal.
Agora vou tomar balanço para ouvir o que se vai discutir(?) entre o Saramago e o seu oponente, representante da religião católica, apostólica romana, suponho.
Aguardemos por uma boa sessão de esclarecimento(!?)
Abraços,
Zé
Manela:
Gostei da tua história porque conheci homens assim e além de arrumadinhos, eram meticulosamente limpos. Um deles trazia sempre consigo um frasquinho de alcool para espalhar pelas mãos, depois de cumprimentar as pessoas...
Ainda bem que o "teu" encontrou a caixa de sonhos e deu-lhes realização.
Mais vale tarde que nunca!
Pois é, a Alegria agora é so Anjo e com "uma folha de serviço" do passado dia 14... Tenho pena porque ela era defacto a "nossa Alegria".
O Congressista chega Domingo e eu vou "pernoitando" com os meus amigos que me fizeram muita companhia.
Um beijo amigo
Graça
Lindo texto, seu blog é um encanto,
Um abraço
Manuela,
Que bom que o homem arrumado tinha algures, sonhos adormecidos... por vezes sabe bem perturbar os sonhos.
Beijinho
NoTa; adorei o conto, como sempre
Filomena
OS SONHOS
Os sonhos, se nos podem desarrumar de alto a baixo, arrumam-nos, porém, incumensuravelmente melhor!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Outubro de 2009
Sempre é bom arrumar gavetas,livros e sonhos...
Jogar fora sentimentos e ressentimentos tolos...
Viver a vida HOJE.
E fazer Planos para o futuro...Que é sempre hoje!
Beijinhos
Que belo texto, Manuela!
Estava a sentir-me angustiada pelo homem. Mas sim, teve um final lindíssimo.
Um beijo.
Zé Ferreira
Obrigada pela sua presença!
Tim Burton teria escrito um outro final igualmente feliz, mas um pouco mais cadavérico...talvez?!!
Quanto à entrevista Crepesca foi tão calma que adormeci, não por desinteresse mas porque tinhamos acordado às 5:30 da manhã.
Mas hoje comprei Caim e vou começar a lê-lo.
Um abraço
Manuela Baptista
Graça Pereira
Os frasquinhos de alcool foram um bom treino para os desinfectantes a que agora estamos sujeitos, na prevenção da H1 N1...
Esta história esteve quase para terminar mal, mas dei-lhe uma redenção blogueira, acho que fiz bem.
Vamos fazer um protesto no blog da Renata? O pior, é que é para crianças, talvez não seja boa ideia.
Um beijo
Manuela Baptista
Cris Tarcia
Para o Brasil
com um abraço amigo
pela presença e pelas palavras
daqui de Portugal
Manuela Baptista
Filomena
Estou com saudades suas!
Classifique todos os meninos com Bom+ e venha daí tagarelar!
Ou então obrigue-os a ler todas as minhas histórias e dê-lhes M.Bom pela paciência.
Um beijinho
Manuela Baptista
Jaime
depois de ter consultado O Homem Arrumado, ele pediu-me para te dizer que tens toda a razão, pois é assim que ele se sente.
Perguntou também, se pode ir ao teu blog desarrumar umas páginas!
Manuela Baptista
Hoje e mais hoje
com os meus sonhos desarrumados, mas não catalogados
envio um beijinho à Linda
Manuela Baptista
Graça Pires
Quando se constrói um personagem, temos um poder imenso para lhe escrever o destino.
Às vezes é isso que me perturba, porque estes seres que eu invento, permanecem vivos após o ponto final.
Não sei se fui clara.
Um beijo
Manuela Baptista
À Marta
que fique por cá!
Um abraço
Manuela Baptista
MANUELA BAPTISTA
Ele, o teu Homem Arrumado QUE SE ATREVA!!!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Outubro de 2009
Olá Manuela
O seu conto levou-me para o cinema ...
"Melhor é Impossível" com o fantástico Jack Nicholson.
Abraços.
Beijinhos.
Ana Cristina ;)
Ana Cristina
E com a igualmente fantástica Helen Hunt.
Para falar de cinema é consigo!
Um beijo
Manuela Baptista
ao Jaime
IH! IH!
MB
Boa tarde de Domingo, Manuela,
Adorei o conto, que li hoje pela segunda vez, já que da primeira não pude comentar.
A mensagem é saudávelmente transmitida num final feliz. Sempre tive alergia a pessoas excessivamente arrumadinhas, gosto muito de organização, mas vai uma distância grande da organização à mania das arrumações, pois sendo assim foi óptimo o Homem do conto ter encontrado a caixa dos sonhos e ter aprendido a que por eles se deixa tudo, sobretudo a frieza de uma arrumação excessivamente meticulosa.
É tão aborrecido tropeçar nos objecto, como tropeçar no vazio...
Beijinhos
Branca
O seu texto lembrou-me algo que escrevi no passado:
Quero desordenar os dias, os meses e os anos, esvaziar gavetas, vestir a roupa do avesso e caminhar descalça pela areia molhada deixando alegria nas minhas pegadas. Como a criança rasga o embrulho do brinquedo na ânsia de o pegar, quero desembrulhar as minhas mágoas, dar-lhes colo e ensiná-las a sorrir.
Obrigada pelas palavras que deixou no talqualsou.
Um beijinho,
Maria Emilia
Brancamar
Era uma vez um homem que tropeçava no vazio...
Já reparou que é uma inspirada?
Beijinhos
Manuela Baptista
Oh Manuela, um dia também fui muito arrumadinha....mas só por fora!
Os meus sonhos, esses, saltavam todos os dias e segredavam-me ao ouvido que queriam tornar-se reais...mas a verdade é que tinha pouco tempo para eles. Um dia, farta de ser arrumadinha e não ter tempo para tudo que desejava fazer e viver, dei um grito e libertei-me dessa energia. Foi nessa altura que comecei a ter tempo para me ouvir, para viver mais intensamente os meus sonhos e para olhar e ver todas as cores do Mundo.
Linda esta história….fez-me recordar um pouco o tempo em que era também “arrumadinha” (não tanto como o homem da história)!!!
Abraço de luz
Maria Emília
E obrigada pelo seu bonito texto!
Desembrulhando as mágoas consolamo-nos...
Um beijo
Manuela Baptista
Para a Canduxa
que encontrou tempo para os seus sonhos
e lançou um grito
tornando mais nítido
o arco-íris
um grande abraço de luz azul marinho
Manuela Baptista
Ó Manuela!
Por onde anda a nossa Alegria?
Desapareceu deste mundo virtual?
Não percebo!
Beijinho
Filomena
Nota; as provas estão corrigidas... mas ainda mal peguei nos novos programas da LP. Estão ali fartos de chamar por mim... enfim a preguiça impera
Beijo
Filomena, Imperadora da Preguiça
Sentimos todos a falta da Alegria, ninguém sabe dela!
O blog desapareceu e o dos Anjos tem uma página de 14 de Outubro.
E agora, já pegou nos novos programas???
Um beijinho
Manuela Baptista
Manela:
Benvinda a este final de Domingo que, com toda a delicadeza, te recebo!
Apeteceu-me sair dos contos e, baseando-me no mundo que me rodeia, até mesmo meste virtual, falta esta flor de delicadeza. Nota-se nas pequenas e grandes palavras...
O Nuno agradece o teu elogio. As fotos que, normalmente aqui ponho,são dele. Tenho montes delas e agora...ainda trouxe mais. Já estive a vê-las, enquanto ele me explicava cada uma delas.
Um beijo muito amigo
Graça
Graça
Essa vontade de sair dos contos, também me assalta muitas vezes, é preciso sair dos formatos ou seja desformatar.
O Nuno tem talento!
Um beijo
Manuela Baptista
Manuela,
a Família Simões faz um pouquinho de "arte", pinta o sete e desenha o oito...
E eu fico na platéia, sendo mãe e irmã coruja ... rsrsrsrsrs
Beijinhos
Adoro quando as histórias começam era uma vez"..
Reportam-me aos tempos da minha meninice em que a minha mãe me lia as histórias para adormecer. Por essa recordação obrigada. É bom o teu conto. Oportuno, talvez um pouco metafórico.
Prefiro um pouco de desarrumação nos papeis, nas lembranças, nos pinceis....
Um abraço.
Querida Benó
Desarrume-se pois, que eu acho muito bem!
Só espero que não tenha adormecido, como nos tempos da sua mãe...
Um beijo
Manuela Baptista
Manela:
Não tenho aparecido porque me lembrei do teu "Homem Arrumado"... e pûs-me a arranjar o jardim e o quintal aproveitando o ditado que diz "em Outubro, pega tudo"... Estas "arrumações" na natureza, são mais dificeis do que as de casa...o senhor José ( o jardineiro) põe-me louca porque é um pouco surdo e eu tenho de gritar para que o senhor me entenda... é um espectáculo! Acho que a vizinhaça toda me ouviu menos ele.!!
Um beijo e uma noite descansada.
Graça
Graça
Só agora li a mensagem!
Beijinhos
Manuela Baptista
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