EM FUNDO PRETO

Arrasta um pouco os pés, atacadores à solta nos ténis gastos, tee shirt preta, as calças largas descaídas na cintura, muitos bolsos para guardar segredos.
Atrasou-se a conversar com a professora de Filosofia, colocou-lhe questões sobre o programa, gostou dela logo à primeira.
-Têm batas brancas para laboratório?-pergunta.
-Nunca ouvi falar!-respondem.
A nova escola é demasiado grande, degradada, a comida do refeitório não presta, mas tem cinco amigos que seguiram com ele e não tem medo.
-Deseja factura? -perguntam.
-Ahh? Sim... -responde.
Ninguém se atreve a praxá-lo, com o seu tamanho e o treino de karate. Se o chatearem defende-se.
-Identificação fiscal, então?! -perguntam.
-Diga? Espere um pouco... -responde.
Tira o telemóvel do bolso, a empregada suspira, sem paciência.
-Mãe, diz-me o teu número de contribuinte, depressa! Estou aqui na fila...está bem.
A Matemática, sempre cincos, a Geometria descritiva deve ser lixada, mas gosta de desafios, pois não foi um desafio ter aulas de apoio a Português e conseguir recuperar, sem chumbar a nenhuma disciplina?
Pensa muito, mas lê e conversa pouco.

Em casa é o primeiro a levantar-se, janta sozinho e quando lhe falam, é para lhe dizerem que o quarto está um nojo.
Os dedos compridos deslizam pelo tecido da mochila, puxa ligeiramente as alças avaliando a sua resistência.
A professora de Física tem cá uma voz, gritante, cortante. Ele fala baixo, tão baixo que às vezes não o ouvem.
Mãos brancas em fundo preto, é linda a mochila!
-Trinta e três euros, quer ver?-perguntam.
Quer! É mesmo esta. Estou feito, é cara, pensa.
-Que se lixe! Quero esta -responde.
E os olhos da rapariga que se senta ao seu lado? Verdes, intensos com umas pinceladas de cinzento e na aula de Inglês ela, provocadora disse-lhe "Take me home!" e ele fingiu que não tinha ouvido, mas quando aqueles olhos se fixam nele, sente assim um arrepio e uma vontade de ser feliz...
As mãos do rapaz acariciam as mãos desenhadas, é mesmo esta!
A branco, em fundo preto.
-
-
Esta é uma página, em que se desenha um calmo coração de quinze anos, a branco, em fundo preto.
-
Manuela Baptista
Estoril, 19 de Setembro 2009

34 comentários:

Fabiana disse...

"A branco, em fundo preto" está mesmo minha alma agora, que carregada, apressada, a vontade de ler outras almas.

Fabiana disse...

Tomei a liberdade de postá-la em meu blog...fazendo também uma indicação. O que é bom, tem que ser repartido!

beijos, com carinho.

Jaime Latino Ferreira disse...

PEQUENA HISTORINHA


Era uma vez uma mãe que nunca o foi mas que trata os sobrinhos e o próprio enteado com tanto amor ... que é como se fosse mãe deles:

Amor em fundo negro de luz branca, alvo como túlipa em flor e rouco como voz que o brada aos sete ventos!


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Setembro de 2009

Linda Simões disse...

Manuela,parece que falas do meu filho Lucas! ...rsrs

...Só que é o último a levantar e a deitar também !Joga futebol e toca violão,mas seu quarto é...Um nojo!rsrsrs Ele acha um luxo...


Beijinhos,bom domingo.

Graça Pereira disse...

Manela:
Adoro a tua maneira de escrever, assim como um pintor que vai passando o seu pincel e na tela aparece uma história a"branco, em fundo preto" e o deslumbramento se estampa com o mesmo brilho de umas tulipas brancas, saindo da terra negra. Um beijo grande Graça

Jaime Latino Ferreira disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
manuela baptista disse...

Ao Jaime

e este menino grande
é todos os meninos grandes
carregados de cadernos
e de sonhos

Manuela Baptista

manuela baptista disse...

À Bia

que reparte
e repartir
é uma Arte

como uma cadeira em fundo preto

Um beijo

Manuela Baptista

manuela baptista disse...

Linda

Recontamos apenas, as histórias do Lucas, do Pedro, do João...

Um beijo

Manuela Baptista

manuela baptista disse...

À Graça

que entende as terras negras
e o deslumbranto da cor

Um beijo

Manuela Baptista

. intemporal . disse...

"

muitos bolsos para guardar segredos

"

. o pro.tótipo a ser o tópico e nunca u.tópico neste bel.íssimo texto .

. até onde os dedos possam soltar as sílabas ,,, de tarsos que são .

. um abraço .

Jaime Latino Ferreira disse...

MENINO GRANDE


Menino grande
sou eu
é meu sobrinho
ladino
é como filho
um atilho
milho de boa safra
colheita abundante
enxada
é a Terra deslumbrante
és também tu
minha amada


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Setembro de 2009

Anónimo disse...

O período conturbado, incompreendido, inquietante da adolescência.

Uma pincelada de preto numa paleta de muitas mais cores do que as do Arco-íris.


Beijinho


Filomena

Por toda minha Vida disse...

Olá, Minha amiga.

Hoje fui almoçar e comi arroz de polvo, e falei de você e de sua receita, acho tão interessante como a internet cria vinculos, neste caso maravilhoso, fomos eu, meu marido Fábio e meu filho, e acabei lembrando de ti.

Beijos no casal.

Renata Vascocellos.
P.S não estou bem hoje para acentos ortográficos. (risos).

manuela baptista disse...

Jaime

o meu grande atilho
bom como o milho!

...não posso estar sempre a falar sério, corro o risco de me aborrecer a mim própria...

Manuela Baptista

manuela baptista disse...

Paulo de tarso

tenho muitos bolsos

num guardo a faca
para cortar a tristeza
no segundo um cordel
de atar o medo
no terceiro uma pedra
para escrever recados
o mais pequeno está roto
para deixar cair segredos

um silabático abraço

Manuela Baptista

manuela baptista disse...

Filomena

tinha saudades suas!
Nas adolescências há mais vozes que ruídos.
A calmaria também existe e a curiosidade e o querer saber sempre mais. Coexistem com a inquietação.

E nós, não nos inquietamos?

Um beijo

Manuela Baptista

Por toda minha Vida disse...

A refeição, arroz de polvo, fritada de carne seca, entrada casquinho de siri ou caranguejo, o restaurante Estrela do Mar na orla de Olinda muito bom, outro que gosto é o Capitania este tem uma Panine de camarão delicioso. Beijos e faça inveja ao Jaime. (risos)
Quanto ao teu texto como sempre maravilhoso, e Graça falou tudo, como digo vale sempre a pena voltar e ler-te.

Por toda minha Vida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
manuela baptista disse...

Renata sem acentos

(espero que não tenha almoçado de pé...)

E os vínculos criam-se de facto!
Mesmo conhecendo apenas os avatares e não a sua face, ou mãos, ou olhos, as pessoas falam de si e a cumplicidade cria-se.

E se inventarmos outras vidas, essas também fazem parte de nós, não é verdade?

E o arroz de polvo estava bom? É um prato bem português...

Beijos do casal

Manuela Baptista

manuela baptista disse...

Entre os Trilhos da Noite em Fundo Preto

Minha querida Isabel!

Desapercebida entre gatos e delícias do mar, não é o meu forte andar para trás (nos comentários)!

O Jaime é que tem por hábito fazer a pesquisa e muitas vezes é graças a ele que os leio, mas desta vez falhou.

Quanta à primeira questão, pode usar os textos que quizer, apenas me posso sentir feliz com isso.

Tosca
Valquíria
Vali
Genufa

povoam esta casa do Estoril amante de Ópera. Na realidade, a nossa gata chama-se apenas Tita, mas é bonita e doce.

Quanto ao Rufus, anda por aí a filosofar nas noites...

Volte sempre que quizer e se sentir bem e para não haver confusões, coloco este recado duas vezes, uma aqui, outra na página actual...

Um beijo

Manuela Baptista

Anónimo disse...

Manuela,

Por falar em saudade!
Nem de propósito


Um beijinho

Nota: é claro que tb tive saudades suas!

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA E RENATA


Nem de propósito, Manela, se não podes sempre falar sério, logo te aparece a Alegria pela frente!

E se a menina Renata julga que me faz inveja desiluda-se porque também eu Lhe leio as receitas, sigo as pisadas e rio-me Consigo.

Obrigado pelos beijinhos que retribuo


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Setembro de 2009

Linda Simões disse...

Manuela,

acredito que sim... rsrsrs,é o mesmo.


Obrigada pela visita,o Caetano é mesmo um amor,sagrado.

Beijinho

Branca disse...

Manuela,

É deslumbrante ler as suas histórias, estou a imaginar o êxito que teria um livro de contos seu, de tão originais que são.
Estão aqui contidas as emoções, os gostos, os afectos e tantos segredos (nas entrelinhas) de um menino de 15 anos.
Uma caracterização tão perfeita que é como se o vissemos em movimento.
Beijinhos

Por toda minha Vida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Por toda minha Vida disse...

Meu Deus, quanta bobeira, o arroz de polvo daqui é muito bom, mas costumo dizer um ditado "o tempero da comida é a fome", e o Jaime me faz inveja com o caldo verde que ainda espero a receita. E sim comi bem sentada mas assim que cheguei corri para o portátil (que aqui chamamos notebook ou laptop e agora existem os netbooks)estrangeirismos do meu Brasil, para dividir com vocês minha refeição.
Queria poder sentar a mesa com casal tão culto e aprender em meios a gambas, polvo e tudo mais...

Beijos

jaime latino ferreira disse...

RENATA VASCONCELLOS


Querida,

Casal tão culto ...!

Não exagere já que nós também gostaríamos de nos sentar, assim com diz, à mesa Consigo e a aprender no meio de gambas ...

( Manuela, estás tramada com o caldo verde! )

Beijinhos


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 21 de Setembro de 2009

manuela baptista disse...

À Branca

que depois das vindimas ainda arranjou tempo para ter 15 anos

Um beijo

Manuela Baptista

manuela baptista disse...

À Linda,
pelo mano Caetano

À Filomena,
pelas saudades

À Renata,
pela Alegria

Abraços

Manuela Baptista

Maria Emília disse...

O fantástico de tudo isto é que a Manuela lança a deixa e nos bastidores dos comentários urdem-se histórias verdadeiramente espantosas.
Um beijinho,
Maria Emília

Por toda minha Vida disse...

Manuela minha querida quando puderes vai ao meu espaço e lá tem para ti e Jaime e todos portugueses uma pequena homenagem. É só ouvir.

Boa Noite

manuela baptista disse...

Alegria

Muito obrigada!

És uma querida.

Manuela Baptista

manuela baptista disse...

Maria Emília

Estava aqui e eu nem a via!

As histórias estão por todo o lado, é uma trama bem urdida.

Assim somos co-autores!

Um beijo

Manuela Baptista