DOLORES

Os dedos descalços do pé direito assentam delicadamente no chão e em seguida, num movimento ondulante, a planta e o calcanhar; o pé esquerdo imita o direito, desenhando na relva uma linha recta meticulosamente calculada.
A saia aos folhos, 20 cm de licra branca colocados com exactidão sobre um biquíni preto minúsculo, balança ao som da música que ninguém ouve transmitida pelo ipod, cujo fio de ligação, qual fita de seda pura, lhe prende os cabelos quase brancos de tão loiros.
O percurso é sempre o mesmo: o pequeno declive sobre a relva, as lajes de pedra, contornando o redondo da piscina até ao socalco relvado sobre o estonteante azul do mar.
Aí subitamente pára; o peso do corpo passa para o lado esquerdo, dobra um pouco a perna direita, pousando com delicadeza e ligeiramente de lado os dedos do pé; a mão direita acompanha o movimento e é colocada provocatoriamente sobre a anca.
E finalmente a menina olha. O mar ao longe, os que ela deseja seus vassalos, de perto.
Terá treze, catorze anos. Apesar do arrojo da postura, a expressão infantil e uma barriguinha balançante e um pouco gorda denunciam a sua extrema juventude e a sua visível solidão. Os poucos adolescentes presentes desconfiam e os mais velhos engolem disfarçadamente uma curiosidade incómoda.
Os pais da menina não estão longe, coram ao sol deitados nas espreguiçadeiras de colchões amarelos, a pele dorida lambuzada de cremes, ingerindo água e pacotes de aperitivos.
Riem das gracinhas da filha mais nova, mais baixa, mais feia, mais chata.
A menina irrita-se com esta irmã, fotocópia mal tirada que a segue para todo o lado, borrifando-lhe a pose com salpicos de cloro.
Enterra mais fundo os auriculares, imagina-se princesa de um outro reino e afasta-se sorrindo ao rapaz que lhe vende gelados.
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Esta é a página segunda onde procuro um sentido para a solidão de uma princesa.
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Manuela Baptista
Estoril, 4 de Agosto 2009

5 comentários:

Jaime Latino Ferreira disse...

JUDE


Que sentido tem a tua solidão?

Que disparate, solidão (!?), desde quando é que uma princesa está só, parece-te!?

Engano o teu, os outros é que se incomodam e por isso estão sós, eu, pelo contrário, vivo acompanhada de um sonho tão inebriante que até me esqueço que não sou nenhuma princesa!


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Agosto de 2009

Anónimo disse...

Manuela,

Um texto bem real e típico de todas as épocas, afinal.
Lolitas sempre as houve e sempre as haverá.
Quanto a Madrinhas... a Menina portou-se muito bem. Tem uma fada madrinha escondida é o que é, mas se quiser alguma coisinha e se eu puder ajudar, já sabe. Às ordens.

Beijinho

Filomena

manuela baptista disse...

Jude, a filósofa!

Beijinhos

MB

manuela baptista disse...

Filomena

Obrigada pela proposta de ajuda, não hesitarei em enviar-lhe um SOS se precisar!

Como é que sabia que a Dolores era Lolita?
E eu a pensar que tinha sido subtil...

Um beijinho

Manuela Baptista

manuela baptista disse...

Ah! Quase passava despercebida!

Um blog com uma Rosa é outra coisa, mais pink, mais bonito!

Seja bem vinda, é a primeira seguidora só com um pé.

Um abraço

Manuela Baptista