conto do rapaz que falava com as margaridas, as zínias, as rosas e as violetas




Quando nasceu não chorou. Arredondou os olhos, fez uma careta, cerrou os punhos e quedou-se silencioso e atento. Não é normal este silêncio, disse a avó. Deem-lhe uma palmada, reforçou o avô. A mãe dormia e o pai pegando nele embrulhou-o numa manta de lã macia, embalou-o e segredou-lhe ao ouvido, Boaventura, é este o nome que te dou.
Aos dois anos de idade disse flor, e esta foi a sua primeira palavra. Cresceu, de olhos arredondados da cor das amêndoas doces e era pacífico e feliz a brincar na terra dos canteiros, a observar as plantas, os bichos-de-conta, os gafanhotos e as minhocas. O pai dizia-lhe, aprende, Boaventura, a semear, a regar, a cuidar das flores. Escuta-as, chama-as pelo seu nome próprio, fala-lhes. E no jardim do rapaz despontavam as margaridas, as zínias, as rosas e as violetas. Ele sabia que a linguagem de umas, não era a linguagem das outras, que as primeiras gostavam de canções e as segundas de poesia. Que as terceiras tinham espinhos e faziam-no sangrar e as quartas, eram delicadas e tímidas.
A avó não se cansava de repetir, enganei-me, este rapaz é único e perfeito e o avô lacrimejava com remorsos da palmada que lhe queria dar e a mãe costurava-lhe um casaco com lapela para ele usar uma flor ao peito. E Boaventura sonhava com um mundo verde repleto de joaninhas.
Os anos passaram, Boaventura é hoje um homem bem-aventurado, verde-esperança ou verde-mar. Conheceu rosas que o magoaram e margaridas que o abandonaram. Mas sobretudo as violetas, pequenas e tímidas, que o fizeram acreditar nas joaninhas.
As zínias permanecem um mistério.










































10 comentários:

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA BAPTISTA


... e porque não há história digna desse nome sem mistério, a tua como as tuas são históriazínias ...



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Março de 2019

Graça Pires disse...

Será possível improvisar agora a nesga de cor que lhe define os olhos?
Mais um conto mágico, minha Amiga Manuela!
Fiquei intrigada com o mistério das zínias…
Um beijo.

Rogério G.V. Pereira disse...

Gosto sempre de quem nasce
Toda a criança
é uma esperança

flores-mulher
e nem um cravo
sequer

Boaventura...
perder-se-á a desvendar o mistério da zínias
não é o único,
muitos ostentam geribérias
sem saberem os segredos delas

Mar Arável disse...

Na bela desordem de cores nos jardins
quem sabe se no fundo dos olhos
quase à tona os barcos que passam
lhe oferecem um ramo de cravos vermelhos
Excelente texto como sempre
Bj

Cléo Gomes disse...

Estou tão emotiva hoje que chorei ao ler este conto, acredita, Manu?

Pensei no nascimento de meus filhos, no desenvolvimento deles.

Muito bom seu conto.

Bjo, querida!

Maria Eu disse...

Entrar na tua casa de palavras ilustradas é uma benção para o coração!

Beijo, Manuela :)

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

misterio
beleza
ternura
tudo isso
e umas imagens maravilhosas

obrigada!

beijinhos

:)

Isa Lisboa disse...

Ainda bem que há mistérios que não desaparecem! ;)

Beatriz disse...

Que belo conto Manuela, como sempre!
As flores serão sempre um mistério, pois assim como as árvores se comunicam no subterrâneo de suas raízes coisas que jamais descobriremos...

Grande beijinho

Bia
www.biaviagemambiental.blogspot.com

Agostinho disse...

Belíssima história.
Que Boaventura!
Imaginar o mundo verde
sem ferrugem nem artroses,
repleto de vermelho de joaninhas
coradas, da timidez "onde ponho o pé".
-Elevo-me é com as asas das pintas
que deus me meu".

Sem novidade, Manuela. Excelente!!!!
Beijo.