Artur era uma ave pequena e destemida. Penas da cor do
sol, dos frutos maduros, da água das nascentes, do branco algodão. Vocalizava
quatro notas e, não fora a decisão que tomara no outono, dir-se-ia uma ave
semelhante a todas as outras. Quando o tempo arrefeceu e a terra dos jardins se
atapetou de castanho dourado, os seus companheiros chamaram-no, vamos partir,
Artur. Não tarda o vento gelado, Artur e o ninho quebrado, vem connosco, Artur.
E ele distraído a saltitar sobre os galhos, a sonhar com sementes, a escutar o
piado das estrelinhas-de-cabeça-listada e respondia, elas não partem, porque
partiria eu? Foi ficando, na azáfama diária em busca de alimento, no fascínio
do voo e do canto. O outono doce e morno passou e Artur percebeu que deveria
procurar um abrigo para se proteger do frio, da chuva forte e da nortada. Escolheu
um telhado alto e dali via o mar e os pinheirais e entre duas telhas quebradas
guardou uma fita de veludo, uma noz-moscada e um trapo de lã. Os melros
curiosos, depressa descobriram o colorido habitante e desafiavam-no para
corridas sobre as telhas e voos rasantes e era feliz o pássaro entre os
residentes do jardim.
No entanto o inverno chegou e ele tremia de frio nas
noites gélidas entre as telhas partidas a deixarem entrar a chuva e o vento. Escasseavam
as sementes e os insetos e Artur voava mais longe a procurá-los e à companhia das outras aves. Foi numa dessas viagens que encontrou o cão. De raça
indefinida, porte médio, olhos meigos e observando o pássaro apercebeu-o
cansado e um pouco triste. Vem comigo, disse o cão. O meu nome é Estrela,
acrescentou. Artur não teve medo e pousando sobre a cabeça do cão respondeu, o
meu nome é Artur e não quis o destino, mas eu próprio, permanecer aqui na tua
terra enquanto os meus irmãos voavam para os países quentes. Fizeste bem, disse
o cão, se tivesses partido nunca me terias encontrado. Artur sentiu-se quente e
reconfortado e caminharam os dois, o cão Estrela e o pássaro pousado na sua cabeça.
Os melros contam que o cão e o pássaro encontraram abrigo,
um dono que deles cuidou. As estrelinhas-de-cabeça-listada dizem que não, que os
dois viajam ainda nas noites estreladas e o pássaro canta para embalar o cão.
Eu sei que na primavera Artur regressará ao telhado e
levará consigo a fita de veludo e a noz-moscada e deixará apenas o trapo de lã.
13 comentários:
MANUELA BAPTISTA
... deixará o trapo de lã porque, por agasalho, bastar-lhe-a um cão amigo ou um amigo, somente ...
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 2 de Fevereiro de 2019
extraordinário texto.
uma esto'ria digna de constar em manuais escolares.
parabéns.
bfs
Não é apenas um trapo de lã,
é o trapo de lã do Artur,
ele estará sempre lá.
Eu creio que o pássaro canta para embalar o cão. O Artur faz o que um verdadeiro amigo deve fazer. E tu pões magia nas histórias que contas, Manuela.
Uma boa semana.
Um beijo.
Quando um pássaro poisa numa estrela
é para brilhar num texto magnífico
Hora nona, canto primeiro, na sombra da flor do imbondeiro, homenagem da noite ao dia de aniversário da grandiosa Manuela BaPtista.
Mil parabéns :-)
:-*
e,,, um beijo, d.aqui :)
Acredito que continuam viajando, um protegendo o outro.
Assim são os amigos!!!
Beijinho grande Manuela:)
Bia
www.biaviagemambiental.blogspot.com
Cheguei tarde para o aniversário mas não para ler mais um maravilhoso conto, como sempre.
Abraço
Maria
nacasadorau
Percebo que os animais, esses que são melhores do que nós, inspiram-te a escrever, e que boa inspiração essa, a melhor, penso eu. A imagem é linda. Um abraço.
Que lindo texto descritivo.
Encantada deixo
Bjins de sabado
CatiahoAlc. do Blog Espelhando
https://frasesemreflexos.blogspot.com/
que história de encantar.
belíssima.
a imagem de Artur deliciosa
beijinhos
:)
Por aqui há uma amiga com histórias verosímeis.
¿Quem é amigo do Artur
Quem é amigo do Cão
Quem é amigo do Homem
Quem é amigo do Artur e do Cão?
Beijo.
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