Gostava do tempo quente, das uvas a amadurecer na latada,
do feijão-verde a trepar pelas canas-da-índia, das galinhas à solta a
esgaravatar a terra, do canto do galo ao amanhecer. E virava-se para o outro
lado e pensava, hoje não há escola e a mãe vai fazer um bolo de cenoura e laranja e
enfeitar-me o cabelo com flores azuis e amarelas para combinar com o meu
vestido novo amarelo e azul. E readormecia feliz.
Uma noite, um ruído estranho despertou-a. Não era o galo,
não era o cão a ladrar, não era o vento a dançar nas ervas do monte. Parecia
alguém a arranhar os vidros da janela, talvez um pirilampo a fosforear, uma
borboleta noturna a confundir as trevas. E a menina levantou-se e perguntou,
quem é? Do outro lado uma vozinha fraca respondeu, sou eu, o coelho, deixa-me
entrar e a menina deixou. Sentaram-se os dois aos pés da cama e a menina
observou atentamente o coelho. Era pequeno, as orelhas compridas, o pelo,
castanho e branco, fofo e bem tratado, os olhos um pouco tristes.
Esta é a tua toca? perguntou o coelho. A menina riu-se e
o coelho estremeceu. Por esta altura já as prateleiras dos brinquedos se
agitavam e aproximaram-se da cama, o macaco de peluche e Dodo, a boneca de pano.
Sentaram-se no tapete e fazendo eco da pergunta do coelho, repetiram, esta é a
nossa toca?
A menina refletiu trinta segundos e atendendo ao facto de
que o seu quarto a protegia do frio e do calor, da chuva e da tempestade e a
sua cama servia de esconderijo quando estava amuada, levantou-se e dando pulos
sobre o colchão, cantarolava, sim, esta é a nossa toca! Esta é a nossa toca!
O macaco batia palmas de contente, Dodo rebolava-se a rir
e o coelho saltava como só os coelhos sabem fazer. Depois calaram-se e o
silêncio pousou dois ou três dedos sobre as suas cabeças. A menina bocejou, o
macaco e a boneca regressaram respetivamente à segunda e terceiras prateleiras
da estante e o coelho começou a contar à menina a sua vida de coelho nas bordas
da serra. Como as águias o ameaçavam durante o dia e o bufo-real o perseguia durante
a noite. E tinha sido num destes momentos que ele se aproximara da janela do seu
quarto e a acordara.
Então a menina deu a mão ao coelho e sem fazerem o mínimo
ruído, saíram os dois pela janela. As estrelas brilhavam no céu e as sombras
brincavam nos muros da quinta e a menina conduziu-os à horta e o coelho nunca
vira tanta cenoura de rama viçosa e tanto verde alface. Roeram os dois quatro
cenouras e o coelho, uma couve coração. O coelho desenhou na terra batida o
caminho para a sua toca e disse à menina, vai-me visitar. A menina abraçou o
coelho e ficou ali, descalça, até o ver desaparecer em segurança entre as ervas
do monte. Por fim, cansada, regressou a casa, meteu-se na cama mas deixou a
janela aberta.
Para a Mar
no dia do seu quinto aniversário
5 comentários:
MANUELA BAPTISTA
Minha Querida neta,
MAR
Mar lindo
amor querido
viver infindo
de um caminho percorrido
- beijos e felicidades -
JLF
Cinco anos, MAR?
Lindo conto!
E que bem soa o contar
Deixa a janela aberta
para o sonho entrar
(E fica sabendo
eu é que salvei o coelho!!)
Eu, que não tive histórias para dormir, quem me dera que me tivessem contado esta, encantatória e mágica… Adorei.
Parabéns à MAR pelos seus 5 anos. Que seja uma menina feliz.
Um beijo, minha Amiga Manuela.
Como não flutuar na música e no doce conto??? Sempre um descanso quando venho por aqui, com tantos temas arrepiantes ultimamente...
Se tivesse uma filhinha, "Mar" seria um dos nomes da minha lista, como também "Maresia"
Beijinho Manuela
Bia
www.biaviagemambiental.blogspot.com
Simplesmente...maravilhoso!
Felicitações pelo conto encantatório e pela neta com nome de marulho eterno.
Enviar um comentário