Era uma vez um jovem Imperador
que habitava o palácio da Harmonia Suprema. Chamavam-lhe Filho do Céu e
esperavam que fosse o mediador entre o mundo terreno e o divino, sábio,
delicado, erudito, poeta e músico. Que soubesse pintar, cantar, conciliar os
conflitos, manejar o machado. Que orasse a pedir a chuva e as boas colheitas e
sobretudo, que as obtivesse para todos os seus súbditos. Esperavam tanto dele,
que o Imperador ainda não sabia o que esperar de si próprio.
Era o primeiro a acordar de
manhã e o último a adormecer quando a noite chegava. Pela madrugada
levantava-se e descalço, percorria os jardins, atravessava as pontes e os
átrios, perdia-se no silêncio dos pavilhões, vagueava como a lua no firmamento.
Talvez fosse sonâmbulo ou procurasse apenas aquietar o coração.
E foi numa dessas noites que
o rouxinol cantou. O Imperador ouviu-o e todos os seus outros sentidos
despertaram. Por timidez ou instinto, o pássaro não se deixou avistar, mas como
músico que era, o Imperador sabia exatamente em que ramo de ameixoeira ele
pousara e não fez um gesto que o intimidasse ou o levasse a voar. O Imperador
nunca ouvira um canto assim e a cada noite regressava aos jardins e esperava
ansiosamente o rouxinol e este não se fazia esperar.
Entre os muitos pavilhões
abandonados existia um particularmente belo, com o teto, paredes e colunas
pintados de pássaros de mil cores. O Imperador mandou que o limpassem,
arejassem e que jamais fechassem as portas e as janelas. Para cativar o
rouxinol, deixava numa taça de prata, três cerejas, quatro grãos, um figo doce.
O rouxinol cantava de noite e regressava de dia para trincar as frutas e os
grãos e sem ninguém saber explicar porquê, os pássaros pintados começaram também
a cantar.
Era grande a algazarra no
palácio. A Imperatriz queixava-se de insónias e zangada, mandou fazer duas
chaves secretas para o pavilhão. A segunda era a imagem em espelho da primeira
e a fechadura só abriria utilizando as duas. E a Imperatriz ordenou que fechassem
o pavilhão e deitassem as chaves no lago dos peixes. O Imperador entristeceu,
as aves do pavilhão calaram-se e o rouxinol esvoaçava em busca da taça de
prata, do ramo da ameixoeira e da alegria do homem que passeava de noite nos
jardins. Então o rouxinol levou no bico um dos mais bonitos sapatos de seda e
cetim da Imperatriz e escondeu-o no ninho de uma toutinegra. A Imperatriz
chorava pelo sapato roubado e calçava o do pé esquerdo e coxeava pelo palácio em
busca do sapato que lhe faltava.
Uns dias depois o rouxinol
entrou novamente no quarto real e levou o gancho de ouro e pedras preciosas com
o qual a Imperatriz prendia o seu longo cabelo e escondeu-o nas telhas do
telhado. Aquele era um gancho muito estimado e a Imperatriz chorava e coxeava
calçada com um sapato só e percorria o palácio de cabelos soltos e em
desalinho.
O rouxinol, como todas as
aves, entendia a dualidade do bem e do mal e num voo ousado, seguiu a
Imperatriz, pousou na sua despenteada cabeça e cantou só para ela. Era tão comovente o seu canto que a Imperatriz continuou a chorar, não de raiva, mas de embaraço e arrependimento.
Assim como o sapato do pé esquerdo não pode andar sem o do pé direito e um
gancho não encontra razão de existir sem o cabelo que sustenta, nem tão pouco
uma chave abre as portas sem a sua imagem, também o Imperador não podia viver
sem o rouxinol e o seu canto.
Foi isto que a Imperatriz
ouviu da garganta do rouxinol e num impulso, mergulhou no lago dos peixes e resgatou
a chave de duas faces.
No pavilhão do Reino dos
Pássaros as portas e as janelas permaneceram abertas até aos dias de hoje.
É esta a história do
Imperador da China, do Rouxinol e do pavilhão do Reino dos Pássaros.
7 comentários:
Talvez
se eu fosse chinês
ficasse grato ao rouxinol
por ter cantado só para a Imperatriz
A história é bela
mas magoa saber
que cantou só para ela
não queres emendar?
põe os pássaros todos a cantar
e, então sim, a Imperatriz a chorar
a mergulhar
e a resgatar
as chaves que manterão o Reino
de portas abertas
de par em par
MANUELA BAPTISTA
como do desalinho se chega à paz celestial
belíssimo
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Abril de 2017
Nenhuma lembrança, nenhuma bênção, podem reinventar as sensações que desejamos. Por isso a tua história mágica e simbólica define bem como não se pode viver sem aquilo que nos deslumbra. Tão hábeis as tuas palavras e os teus desenhos a mexerem com as minhas emoções... Obrigada, Manuela.
Uma boa semana.
Um beijo.
Mais um excelente texto que nos transporta
talvez um dia para a casa
dos homens que nunca foram meninos
onde as portas e as janelas sempre estão escancaradas
Bj
Com magia as palavras alinharam-se uma a uma, em cadeia, para que nenhuma personagem se perdesse na história.
Assim deveria acontecer com os humanos de verdade.
Belíssimo, Manuela. Vou descer por aqui abaixo até encontrar a encruzilhada onde me perdi. Com gosto, irei atrás do canto que se ouve neste carreiro.
Bj.
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. clap . clap . clap . clap . clap .
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. lindíssimo . :) .
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. feliz .
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Ah, como eu adoro essas lendas orientais... o singelo rouxinol conhece como ninguém o encanto da vida!
Um lindo dia Manuela!!!
Bia <º(((<
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