Era uma vez um rei que habitava um palácio rodeado de
flores. Ele acreditava que por cada flor que plantasse, mil bênçãos desceriam
sobre a sua cabeça, protegendo-o dos inimigos que lhe cobiçavam as terras, as
casas, os campos semeados, o palácio, os rios que circundavam o seu reino. Todos
os dias saía com os jardineiros do palácio e jardinava com eles a cantarolar.
Depois convidava, à sorte, três deles, para o chá. Abria o tabuleiro quadrado,
as quatro réguas, espalhava as peças e sentados no chão, jogavam Mahjong até
escurecer. O rei era paciente, curioso e não gostava que o deixassem ganhar. Dizia que aquele jogo era como a vida, sujeita às estações, quentes, frias, gloriosas
de verde ou de dourados tons.
Para o resguardar e enquanto jogava, os cortesãos
desenrolavam tecidos de seda sustentados por canas de bambu e para que não voassem,
ora lhe davam nós, ora os cosiam com linhas coloridas, ora os colavam com
resina. Mas vinha o vento norte e rasgava, e o vento sul roubava, e o vento do
oeste queimava, e o vento este desfiava-os como se fossem cabelos de criança.
Numa tarde de grande ventania, o rei, paciente por
natureza, impacientou-se e lançando ao ar o tabuleiro, espalhou pelo chão as
rodas e os caracteres e gritou:
-Não haverá um artesão neste meu reino, suficientemente
criativo para imaginar uma forma de aquietar esta dança?
E apontando para o mais jovem dos jardineiros,
acrescentou:
-Dou-te três dias, sob pena de não jogarmos mais Mahjong.
Os cortesãos assustaram-se, pois se aquele jogo era como
a vida, o que seria da vida do rei sem as flores, a sucessão das estações, os
ventos, a roda, os bambus, a escrita?
O rapaz não se amedrontou, foi para casa, comeu uma taça
de arroz, bebeu chá, estendeu uma esteira e adormeceu. Nessa noite sonhou com
um dragão vermelho que o convidou a segui-lo e o rapaz deu a volta à terra nas
costas do dragão e já era quase manhã quando acordou.
Na segunda noite apareceu-lhe um dragão verde e o rapaz
pediu-lhe, ensina-me a prender os panos do rei, pois esta é a noite do segundo
dia e eu não sei o que fazer. O dragão verde riu-se e voaram os dois sobre os arrozais
e descansaram na copa verde das árvores.
Na terceira noite, o rapaz, ansioso, não conseguia
adormecer. Contou as teias de aranha do teto, passou às estrelas e quando por
fim sentiu as pálpebras pesadas, apareceu um dragão branco que o abanou. Era o
mais belo dos três dragões e disse, segue-me e o rapaz seguiu-o e mergulharam os
dois num rio de jade e umas vezes o rio corria a céu aberto e outras
escondia-se terra adentro e o dragão e o rapaz ora mergulhavam, ora vinham à
superfície e derivavam pela água como a seda mais macia.
Na manhã do quarto
dia, o rapaz esculpiu em jade três fivelas e ofereceu-as ao rei. As fitas de
seda deslizaram, umas vezes a céu aberto, outras como um rio subterrâneo e
sustentaram a dança dos panos e dos quatro ventos. E o rei e o rapaz jogaram
Mahjong até escurecer.
8 comentários:
MANUELA BAPTISTA
Mahjong ou o jogo da vida ...!
Bravo!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 15 de Janeiro de 2017
A menos sincera das fivelas era de jade laranja. Apenas a usava ao poente, para que a confusão laranja da luz deixasse imaginado que o tecido apenas se suspendia dos reflexos
Sheherazade, sabia de histórias de encantar.
Pressinto que o rapaz não tenha perdido um único jogo de Mahjong e que o rei, vencido, tenha adormecido antes de entrar na normal fúria do derrotado...
Ora mergulhar, ora vir à superfície. É assim, na vida, quando sabemos enfrentar os lugares onde nos doeram os sonhos...
Como eu gosto das tuas histórias, Manuela!
Uma boa semana.
Um beijo, amiga.
"Mil bênçãos" recaem sobre a Sua escrita!
Esta poderia muito bem ser a história de um rei muito amado pelo seu povo...
Esta poderia muito bem ser a história do rei da Tailândia... onde estarei em breve :)
Íssimo feliz
MAnela
que imaginação! fiquei deslumbrada não com a solução mas com a historia em si.
beijinho
:)
Que conto lindo! E eu aqui refletindo nele...
Tão bonitas as suas histórias! Acabo sempre a reflectir :)
Beijinhos
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