Era uma vez um homem que possuía um campo por cultivar.
Todos os anos pelo solstício de verão o homem dizia, vou mondar esta terra,
cavá-la, semeá-la de cenouras, nabos, rabanetes e salsa. Plantar batatas,
pimentos e tomates e em toda a sua quadratura, crescerão as begónias, as
calêndulas, as gipsófilas e os goivos. Já será tarde para o feijão-verde e para
a apanha das cerejas e das nêsperas, o que nem vem ao caso, porque não possuo
cerejeiras ou nespereiras.
E o homem contemplava aquele campo e achava-o belo,
coberto de papoilas, entregue ao vento quente e ao silêncio e adiava a
decisão.
Um dia levantou-se cedo, bebeu uma caneca de café
forte, comeu duas fatias de pão de centeio com queijo de cabra, vestiu umas
calças velhas, uma camisola branca e calçou as botas caneleiras. Pegou numa
enxada e saiu.
O cão seguiu-o a abanar a cauda, corria cinco metros,
voltava para trás dois metros e assim caminharam o homem e o cão até ao terreno
que tinham por cultivar. Aí chegados, o homem pousou a enxada, sentou-se numa
pedra e lentamente, enrolou um cigarro, afagou a cabeça do cão e disse-lhe,
vamos esperar um pouco, meu cão. Ouviu o rio ali em baixo, a cascata que
formava uma pequena lagoa e o calor a apertar. As amoras silvestres cresciam ao
deus-dará e como umas vezes deus dá e outras tira, o homem mergulhou na lagoa,
nadou, brincou com o cão e comeu amoras até se saciar. Depois apanhou braçadas
de papoilas e começou a trabalhar. Nesse dia e nos que se seguiram, mondou,
cavou, semeou, plantou. As papoilas murcharam-lhe nas jarras e o rio continuou
a correr.
O campo por cultivar era agora uma folha verde alface
com umas pinceladas de beringela e amores-perfeitos a enquadrar. A colheita não
foi abundante e o homem já se perguntava se teria valido a pena alterar o ciclo
de vida das papoilas e obrigar o vento a voltear entre os carreiros e as
levadas.
E sem que o homem esperasse, desejasse ou sequer
imaginasse, elas quebraram o silêncio e cantaram.
8 comentários:
MANUELA BAPTISTA
olhos grandes, cabelo verde, vai não vai e a custo publicado está
E bem!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Junho de 2016
Pareceu-me estar a ver um filme. Pareceu-me ouvir as cigarras a cantarem. As papoilas são tão efémeras...
Belo como sempre, Manuela.
Um bom fim de semana e um beijo.
Uma imaginação criadora soberba, Manuela.
«Á Cigarra e a Formiga» contada duma forma genial!
Uma profusão de pormenores bem concebidos e enredados,
num conto ilustrado e valorizado com as suas magníficas cigarras.
Beijinhos sorridentes de parabéns.
~ ~ ~ ~ ~ ~ ~
Majo Dutra
http://avivenciaravida.blogspot.pt/
É felicíssima, como as cores, a harmonia dos contrastes reentra dos verdes nos vermelhos,
é um momento feliz,
cigarreava em 31 de março de 1755, quando o tempo parecia erguido ao zéenite, e assim foi, até que a terra abalou, e o céu se mexeu e afundou, nas brumas do início de novembro.
Dizem que as cigarras apenas cantam pelo verão, mas há as cigarras da ficção, desenhadas entre cores e matisses,
de Lalique,
dizem que elas são mais fauve, mas serão apenas o que forem,
desde esses dias felizes nuca mais deixaram de cantar,
cigarrear, como dizem as sombras da Real Ópera do Tejo,
tantos anos depois sempre ali,
entre bruma e cores
Bem me pareceu. Quem assassina papoilas não poderá colher abundância.
Bem pintalgado este conto com as cores da natureza, e como Verão, virão as cigarras retraçar os pinheirais de metálico som. As papoilas vermelhas de paixão é que só para o ano. O homem irá esquecer a lição ?
Bj.
Que não se calem as cigarras
do campo
muito menos nos seus textos
.
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. as gipsófilas levaram.me daqui por alguns instantes . sim . porque foram alguns . salteados . como a salsa . :) .
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. e que nunca seja tarde para a apanha das cerejas e das nêsperas .
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. claro que se o homem mergulhou na lagoa há.de aparecer por aí uma santa a dizer que por lá tinha a sua cama articulada entornada . :) .
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. e que bem que cantam as Suas sílabas nelita . :) . são como os corvos de que a Jacinta fala . firmes e hirtas . como uma barra de ferro . cheias de conteúdo . e por isso eternas . :) .
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. íssimo . feliz .
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pensei que as papoilas não seriam sacrificadas...
belo texto ...
beijinho
:)
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