Recorda-me os caniçais. Descreve-os milímetro a milímetro, o canivete afiado a esburacar o caule, o derrapar da lâmina na palma da mão, a dor aguda, o sangue vermelho a caminho da foz. Onde deixei o mar, não sei.
Era uma vez um mergulhão curioso. Pescoço longo, a plumagem
da cabeça preta e branca e enquanto os outros mergulhões ruidosamente
mergulhavam, ele erguia o bico em direção à copa das árvores, às nuvens, ao sol.
Nadava longe das margens, com as correntes. Era um mergulhão silencioso.
Construíamos flautas de cana a espantar a tarde quente. Recorda-me
as tardes quentes e o rio, se não te importares. Importa-te mesmo, quem não se
importa já está meio morto. Morremos um pouco todos os dias não é de repente
numa tarde quente.
O mergulhão calado tinha o corpo magro, por isso
levantava voo de uma forma diferente, não lhe pesavam as penas e as barbatanas,
nem a gordura acumulada. Fugia das lutas, mas se lhe mordiam bicava. Uma ave
sente, pressente, era um mergulhão orgulhoso.
E deixando para trás os insetos e os peixes, partia em busca dos lagos mais a ocidente onde o sol se põe e a luz projeta chamas à superfície da água e a quietude toma posse do entardecer.
E deixando para trás os insetos e os peixes, partia em busca dos lagos mais a ocidente onde o sol se põe e a luz projeta chamas à superfície da água e a quietude toma posse do entardecer.
Imagina três grandes lagos, profundidade variável, cores
distintas, temperaturas inconstantes. No primeiro habitam os sonhos e é o
maior, o mais límpido, um arrepio apenas quando se mergulha. No segundo moram
os desejos e a água gelada para nos manter alerta, sempre a desejar. No
terceiro e mais profundo de todos guardamos as memórias. Entramos devagar,
inspiramos e quando perdemos o pé, libertamo-nos. Regressamos à superfície, não
te esqueças, é imprescindível, por causa das flautas de cana, das tardes
quentes e do divagar das aves.
Um dia, no mais distante dos lagos, o mergulhão encontrou
outro mergulhão palrador que o fazia rir de tantas histórias que contava. E
eram todas reais, a gralhar assobios, trinados e borrifos de água.
20 comentários:
MANUELA BAPTISTA
Nas memórias
as vitórias
as histórias
os caniçais
onde moras
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 3 de Julho de 2015
(é tão bonito, isto)
Ah, os mergulhões....há quanto tempo não os vejo.... só mesmo aqui em suas doces histórias Manuela!
Obrigada!
Bia <°)))<
Bom dia
Faz algum tempo que não venho aqui beber sonho, poesia.
Mergulhar nestes lagos de tanta e tão bela fantasia.
Voltarei aqui com mais tempo. Quero saciar-me do encanto com que desenha estes sonhos literários.
Olá, Manuela!
No lago dos sonhos mergulho, sem arrepio. Levo comigo o mergulhão.
Já á superfície,à sombra do caniçal, enquanto ouço as flautas, penso como é bom estar aqui consigo.
Fico grata ao encantar-me com o que escreve.
Beijinho amigo.
Uma escrita com um fôlego de poesia que se alonga até ser prosa. Um pleno dizer dos sentidos e do sonho.
Fico à beira do lago. Quero ver o mergulhão. Quero uma flauta de cana. Quero descobrir onde deixaste o mar.
Maravilhoso, Manuela. É um prazer imenso ler-te.
Um beijo.
Que bem sabe estar à beira do lago, ouvir os pássaros e compor musica com uma flauta de cana verde.
É bom passar por aqui. Olha! Vi uma rã saltar. Tenho de voltar para vê-la novamente.
Bom regresso à navegação: quando a mão para, o coração enferruja, e não queria trazer para aqui a minha deriva, mas apostei bem alto nas Grandes Décorations, ufa, não têm fim... :-)
Bom fim de semana, com a Grécia bem defronte dos olhos
Descendo o rio entre margens paralelas
um sonho de menino(a) e um mergulhão
a aspirarem o azul incendiado de vermelhos
numa melodia soprada na cana só possível
a uma alma de poeta: a Manuela.
A falta que me fazia vir aqui, mas as assistentes levaram-me a Atenas, para ir votar OXI, dizem que com o ar que tenho passo por grega. Não votei em Atenas, mas numa ilha que eles têm, a Ilha das Aleijadas, onde todas vivem com um subsídio de Bruxelas, destinado às entrevadas. Sempre que vem a Inspeção, enfiam-se na cama e começam a gemer, ai, ai, ai ,ai,
a diferença é que que vi o solzinho a dançar,
e elas são mais das ortodoxias, levantam 60 € por dia, se eu tivesse 60 € por semana já era uma acamada feliz,
mas o pior veio depois, eu a pensar, ao menos, aqui, não há violadores, ai não que não há, aquilo parece uma selva cheia de invasores subsaharianos, chamam-lhe refugiados, mas eu acho que é mais refugo,
nem foram votar, só em tumultos,
essas são as piores abstenções, por que se levantam diretos da cama e vão logo para me sondarem a boca da urna, e portanto vim a rolar a rolar até aqui só cheguei hoje, fui ao multibanco, nem 20€ tinha na conta vi-me grega...
Um mergulhão que nos é comum;
os sonhos
os desejos
as memórias
E a vontade que todos temos de uma boa conversa.
Um abraço para si Manuela.
~~~
~~ Apreciei muito
este conto poético do mergulhão poeta
e dos indispensáveis lagos mágicos...
~~~~~~~ Muito belo!
Parabéns pela prodigiosa criatividade.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~ Abraço amigo. ~~~~~
~ ~ ~
"a gralhar assobios, trinados e borrifos de água", pois são os sons do verão.
Brevemente vamos entrar na Silly Season, com as águas turquesa do Estoril e outras paragens ao fundo ;-)
De vez em quando venho aqui mergulhar no teu mar e...regresso cheia de poesia e com uma flauta feita das canas que o mergulhão me mostrou...
Belíssimo!
Um beijo com carinho
Graça
És tu, malvada Manuela Baptista quem anda a meter veneno para eles me infernizarem a vida. Eu sei que és tu, maldita!
Larga-me e deixa-me em paz bruxa dum raio!
Eu vi logo quando te conheci que não eras de fiar. Sonsa!
Kriu?
Quem vem à minha missa, encaniça!
Kriu!
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~~~~~~
~~com este calor, imagino os lagos que tu quiseres~~~
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. e há "flautas de cana" . que nos parecem espanta.espíritos . :))) .
.
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. íssimo . sempre feliz .
.
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Eu, Cigana Moléstia, pessoa maravilhosa, uma grande artista, um coração enorme, uma mulher de horizontes infinitos, a ser, ano após ano, atormentada pelo flagelo Luis ALves da Costa, indigno do nome de "desumano", por ser uma afronta incluir a raiz "humano", por uma vez que seja, até na palavra do anátema absoluto...
http://thebraganza.blogspot.com
Benzó-deus
que cá venho eu outra vez.
Hoje, bem de manhãzinha, as irmãzinhas da Segurança Social acordam-me
acorda, Jacinta, que vais de férias,
e eu, coitada, já a sonhar com Honolulus, acha que me vão deixar outra vez na berma da estrada de Carcavelos, a única coisa boa é que não ter de gastar dinheiro em bronzeador para a cara, vou ter em cima um eclipse negro o Verão inbteiro, nem que esticasse o pescoço longo e esguio, por que eles vêm ao monte.
Olhe, uma boa praia para si, e continue as suas corridas de tia benzoca do Estoril, qualquer dia, ainda se cruza com a Maria Aires,
pudesse eu correr, já me bastava poder saltar da cama, para dar com o chinelo nas fuças dos obamas abusadores da Cova da Moura
:-*
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