Morava numa casa branca virada para o mar. Duas portas,
cinco janelas e sobre a porta da frente crescia uma buganvília de flores
vermelhas e era suave a sua sombra nos dias quentes de verão.
Levantava-se cedo, vestia o fato de banho, uns calções e
uma camisola preta. Num saco a tiracolo colocava uma maçã, uma garrafa de água,
uma caixa para guardar tesouros e saía para a praia a cantarolar.
A rapariga gostava de camisolas pretas. Possuía várias,
de manga curta, meia manga, manga comprida, sem mangas e em cada uma delas a
rapariga pintava um pássaro ou um peixe, uma estrela, uma borboleta ou um
cavalo a galopar.
Os habitantes da aldeia diziam, quem será esta menina que
habita a casa branca virada para o mar e nos acorda de manhã com um canto
alegre? E os pescadores ao deitar as redes, avistavam-na nas rochas e diziam,
lá está a menina em busca de tesouros e conchas e acenavam-lhe de longe e ela
acenava-lhes também e desejava-lhes, boa travessia e que seja farta a pescaria,
pescadores do alto mar.
Numa manhã muito quente a rapariga mergulhou como sempre
fazia e destemida que era, nadou para longe da rocha, o sol a brincar-lhe no
cabelo molhado e os peixes de prata a mordiscarem-lhe os dedos dos pés. A
rapariga ria e entre uma risada e outra ouviu nitidamente clap, clap, clap e
uns olhos redondos e brilhantes a enfrentá-la. É uma foca pequenina, disse a
rapariga espantada. A foca voltou a bater as palmas e mergulhou. A rapariga
seguiu-a e ficaram por ali a nadar até se cansarem e o calor do meio-dia se
tornar insuportável.
Sentaram-se as duas sobre a rocha e a rapariga
perguntava, como é que vieste aqui parar? E a foca respondia com o olhar. Tens
saudades de casa? Ainda não, foi uma corrente fria que me trouxe. A mim também,
disse a rapariga. Haverá uma corrente fria que nos há-de levar, pensaram as
duas.
Ficaram amigas, a foca pequenina e a menina que pintava
pássaros, peixes ou um cavalo a galopar. Todos os dias se encontravam junto às
rochas e a rapariga contava-lhe da casa branca com cinco janelas, das camisolas
pretas, dos pescadores e das redes de emalhar. Tens de ter cuidado com as
redes, foge delas, não te prendas, nada bem fundo e a foca respondia com o
olhar.
O verão foi passando, chegou o equinócio e com ele, as
tardes frescas e um vento que soprava do lado do mar.
A rapariga sabia que, apesar de pequenina, a foca não
cabia na sua caixa de tesouros e que se tentasse aprisioná-la como às conchas e
aos búzios, ela morreria de falta de ar e de mar. Então desenhou a foca
pequenina com os olhos a brilhar e pintou-a numa camisola preta de manga curta,
de meia manga, de manga comprida e sem mangas. Guardou-as na caixa dos tesouros
Na manhã seguinte chuviscava. A rapariga vestiu a
camisola de mangas compridas, pegou em dois ramos da buganvília onde ainda
cresciam algumas flores e caminhou até à praia e à rocha onde a foca a
esperava.
As gentes da aldeia diziam, lá vai aquela menina que
habita a casa branca e nos acorda de manhã com um canto alegre e um coração
grande e os pescadores nesse dia não saíram para pescar pois estava alteroso o
mar.
A foca pequenina reconheceu-se na pintura da camisola
preta e bateu palmas clap, clap, clap e a rapariga disse-lhe, vem aí uma corrente
fria para te levar a casa e toma estas flores da terra para te protegerem nesta
viagem. E a foca mergulhou deixando-se levar.
E num último olhar à rocha e à praia, a foca pequenina viu
uma rapariga grande que gostava de camisolas pretas e que em cada uma delas pintava
um pássaro ou um peixe, uma estrela ou uma foca do mar.
Para a Mar no dia do seu aniversário
15 de agosto de 2021
11 comentários:
Manuela Baptista
Minha Querida,
Bem hajas por tudo e mais este desenho e conto com um beijo grande.
Bravo!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 15 de Agosto de 2021
Não sei se é o que contas
se é o como contas
se o ambiente que se respira da tua prosa
ler-te faz sentir
num mundo que gostava que existisse
Parabéns
(que idade tens?)
Atrevo-me a dizer que conheço a menina que vive na casa branca e todas as manhãs alegra os pescadores com o seu cantarolar. Ela continua a ser a menina que gosta de camisolas pretas onde continua a pintar pássaros, peixes, estrelas, focas e tantas outras coisas que só ela sabe.
Tinha saudades das tuas histórias maravilhosas, mesmo mágicas. Obrigada Manuela. Que estejas bem e a proteger-te.
Uma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Aqui me encontro e perco para me reencontrar.
Mais um dos seus tesouros, que em bom tempo redescubro, nesta minha tentativa de regresso aos blogues que me deixam saudades, descobrindo que alguns ficaram parados no tempo.
Ainda bem que permanece.
Abraço.
Tão bonito, Manela. Acho que vou começar a contar as suas histórias aos meninos lá do Colégio e pedir_lhes que as ilustre 💙💙
História encantadora.
Tão linda que ansiamos por que não chegue ao fim.
Uma Menina que cada um de nós deveria trazer
no coração.
Beijo
Olinda
A que distância nos encontramos da casa branca, da rapariga que gostava de camisolas pretas e da amizade possível com outros seres vivos, amplamente mais genuínos e intemporais?
Assim possa crescer a Mar e que lute por reinventar o mundo sadio!
Um beijo
Vim ler-te
Venho cá muitas vezes e levo comigo todas as tuas histórias maravilhosas para os meus amigos.
Este teu jeito de contar encanta
Obrigada
Beijinho da Ná (da casadorau)
Beautiful blog
Tão lindo, tão encantador! E tanta saudade!
Que bom vir aqui e continuar a ter vocês.
Um grande abraço,
Linda Simões
Regressei para ler outra história.
Mas gosto tanto, mas tanto dos tesouros do mar, que fico lá, em modo contemplação, mesmo sem poder comentar e dizer: muito obrigada, porque fico sem palavras. (Acontece-me aqui e no Eterno/Intemporal :-)
Bjs
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