o reino das borboletas





Era uma vez um rapaz que morava num palácio imperial virado para o sol nascente. O palácio era grande e o rapaz muito pequeno. O palácio possuía inúmeros salões, quartos, cozinhas, corredores, janelas, varandas, esconderijos, armazéns, caves, escadas, pátios, jardins, hortas, pomares e campos de arroz. O rapaz dormia num quarto com uma janela virada a sul e de seu, tinha apenas uma faca afiada e uma caixa de aguarelas. Levantava-se cedo, pois estavam-lhe atribuídas variadas, mas pouco definidas, tarefas. A principal era cuidar das vestes do senhor do palácio, verificar se estavam limpas, os tecidos esticados, as cores firmes, as botas escovadas e brilhantes e certificar-se de que tudo estaria pronto após o banho matinal. 




O rapaz não conhecia o rosto do Imperador e este ignorava quem lhe cuidava das vestes. No entanto, como era esperto, ágil, de baixa estatura e boa índole, todos o chamavam para resolver problemas fúteis. Procurar as chaves perdidas no lago dos peixes, soltar o pássaro preso na chaminé, resgatar o macaco assanhado na árvore mais alta, ou cantar para adormecer os filhos da cozinheira em dias de festa. Às vezes estonteava-se de tanto chamamento e fugia para os jardins do palácio e sabia-lhe bem vaguear em silêncio.
Numa dessas escapadelas, o rapaz encontrou outro rapaz, um pouco mais alto, um pouco mais tímido. Foi fácil conversarem um com o outro, coisas de rapazes, eu sei construir flautas de bambu com a minha faca afiada, então faz-me uma, está bem, vou-te mostrar um pavilhão secreto. Um pavilhão? Sim, vem comigo, tenho a chave e entraram. O rapaz da faca e da caixa de aguarelas nunca tinha visto nada assim. Centenas de borboletas raras esvoaçavam em redor de árvores também raras e o rapaz grande falou-lhe longamente da vida das borboletas, prisioneiras do pavilhão, tal como ele, prisioneiro do palácio e das suas obrigações de Imperador. E a sua voz era triste e o rapaz pequeno e ágil assustou-se e perguntou, és tu o Imperador? eu não estou autorizado a olhar-te nem a falar-te, nem construir-te flautas de bambu com a minha faca afiada, o meu dever é cuidar das tuas vestes e aqui estás tu tão despojado quanto eu. E perdeu as palavras que lhe faltavam e estas foram colar-se nas asas das borboletas.


Então o Imperador, um pouco mais alto, um pouco mais tímido, um tudo ou nada triste e o rapaz da faca afiada, saíram do pavilhão deixando a porta aberta. Regressaram ao palácio e com a caixa das aguarelas pintaram borboletas em todos os estandartes.





























4 comentários:

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA BAPTISTA


... e o império das borboletas perdurou num aliança forte entre dois bravos rapazes, um que sendo comum era singelo e outro que sendo singelo gostaria de ser comum ...


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Maio de 2018

Graça Pires disse...

Tão belo que comove, Manuela. És fantástica no que escreves e no que desenhas.
Uma boa semana.
Um beijo, minha Amiga.

Agostinho disse...


... em todos os estandartes,
com arte pinta e conta
estórias de encantamento.
De um novelo tira uma linha,
faz-lhe um laço e junta-lhe
outra linha e linha a
linha faz fantasia
que ninguém via
É de Manuela

Bj.

mz disse...

Eternizar as borboletas com a mais doce humanidade. Sem coroas no caminho, sem distinção de classes.

Uma lição de humildade.
Que lindo!