história simples da andorinha e do limpa-chaminés





O limpa-chaminés era um rapaz magrinho e ágil e não devia ter mais de vinte e cinco centímetros de altura e quinhentos gramas de peso. Morava numa mansarda virada para o mar e os móveis da sua casa eram pequenos como ele, apanhados aqui e ali junto dos contentores de lixo, quando as crianças se cansavam das bonecas e das memórias do Natal.
O rapaz tinha uma paixão por chaminés e depois de as limpar, gostava de se sentar lá no alto a trincar uma noz e a observar as nuvens e os pássaros até o sol se pôr. Só então carregava as escovas, os espanadores e as vassouras e regressava a casa, tomava banho e dormia tranquilo a sonhar com as alturas.
Naquele bairro eram poucos os que sabiam da existência de um rapaz pequenino e ágil que cabia em todas as chaminés, nem tão pouco se interrogavam sobre a razão de elas estarem sempre em perfeito estado de limpeza. Às vezes o rapaz deixava-se ver e esses, raros, que o conheciam, tinham a noção deste privilégio, mas guardavam segredo e deixavam-lhe em cima do fogão, sopa quente de abóbora, bolo de chocolate, um recado escrito à mão.
Com as flores de maio chegou a andorinha. A cabeça, o dorso, a cauda e as asas azuladas. A face e a garganta avermelhadas, o peito a branquear. Volteou sobre as casas, observou as chaminés, a terra barrenta dos quintais e o seu instinto de ave decidiu-a a ficar. Numa dessas tardes em que o rapaz, sentado na beirinha de uma chaminé, descansava, avistaram-se os dois. O limpa-chaminés conhecia os melros, os verdilhões, os gaios, os piscos e os chapins, mas estonteou perante aquela ave leve e hábil, a mudar constantemente de direção em perseguição dos insetos voadores que lhe serviam de jantar. Quando a andorinha pousou por um instante na chaminé, o rapaz susteve a respiração para não a assustar.












Ao fim da primeira semana já o rapaz conhecia a linguagem da andorinha e a andorinha entendia os gestos e as palavras do limpa-chaminés. E enquanto um limpava, a outra sujava, absorvida na edificação da sua casa sobre as casas do bairro. O rapaz magrinho e ágil e a andorinha leve e hábil ficaram amigos, ligados pela vertigem das alturas e pela presença das construções humanas.
Em junho os insetos multiplicaram-se, o ninho de barro ficou pronto e o limpa-chaminés começou a sonhar. Em julho, pegou em dois escovilhões, prendeu-os a cada uma das suas mãos, subiu à chaminé mais alta, inspirou, abriu os braços e lançou-se no ar. A andorinha gritou, faz-te forte, não percas o norte e acompanhou-o naquele voo trémulo e único e as correntes ascendentes ajudaram e não houve ramo de árvore que o prendesse, nem candeeiro de rua que o parasse. 
Depois desse dia o limpa-chaminés não voltou a voar, nem a limpar chaminés. Aqueles, raros, que o conheciam, perceberam que o verão estaria para breve e que o limpa-chaminés era apenas um rapaz a crescer, cento e trinta centímetros de altura e vinte e cinco quilogramas de peso. A andorinha regressava todas as tardes e conversavam os dois no parapeito da janela. O rapaz registava num caderno de capa azul as viagens da andorinha e as chaminés alongavam-se rumo ao céu escarlate do entardecer.



Hirundo rustica






7 comentários:

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA BAPTISTA


Minha andorinha escarlate
sou eu um rapaz de mate
és minha sina que ensina
belas estórias com rima


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 10 de Junho de 2017

. intemporal . disse...

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.

. há.lugares onde a literatura é o lugar da magia . sempre . e desde sempre .

.

. este.é.o.lugar .

.

. das histórias mágicas .

.

. íssimo feliz .

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Graça Pires disse...

Deliciada, como sempre, com a história e os desenhos a invadirem a minha imaginação... Tudo tão mágico, Manuela!
Uma boa semana.
Um beijo.

Unknown disse...

Boa noite, Manuela! :)

Visto não ter o seu e-mail, deixo esta indicação nos comentários:

O seu blog foi indicado por mim para o The Versatile Blogger Award
https://isalisboa.com/2017/06/16/the-versatile-blogger-award/

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Beatriz disse...

Que belo conto, Manuela!
Fico aqui a pensar nos telhados vermelhos de Portugal e em tantas chaminés perdidas por aí... Por aqui não temos mais esta singeleza, que pena...

Beijinho e um bom fim de semana!

Bia
www.biaviagemambiental.blogspot.com

Luis Alves da Costa disse...

Japónicos, muito japónicos, quase nipónicos :-)

Mar Arável disse...

Sempre um prazer viajar nas suas palavras mesmo quando se conhece a sua andorinha no meu alpendre
Bj