plantou então um lódão-bastardo e a árvore cresceu









Era uma vez um homem que possuía uma casa pintada de branco num terreno húmido perto de um rio. A casa tinha duas portas, sete janelas, uma chaminé e uma latada feita com canas da índia e enroscadas cresciam as trepadeiras e um pé de vinha. Nas floreiras das janelas eram os trevos de três folhas, pois se os de quatro dão sorte, não serão trevos, porque possuem uma folha a mais.
Junto do rio coaxava a rã e o homem amava a casa, o pé de vinha, os trevos, as trepadeiras e os montes em volta e tanto era o verde que a cada fim de dia os seus olhos castanhos esverdeavam também.
O homem tinha seis filhos e todos haviam partido, cansados de verde, para outro lugar. No entanto as sete janelas permaneciam intactas. A primeira a contar da esquerda era a do seu quarto, onde ele dormia descansado porque nada temia e porque temeria? se era um homem bom. As seis janelas seguintes, uma de cada filho, e todas as semanas fazia-lhes as camas de lavado, enfeitava-lhes as jarras das cómodas com flores amarelas que ele colhia do lado sul da casa pintada de branco.
Um dia qualquer voltariam e caso não voltassem, longe onde estivessem sonhariam com a casa e o pai e o rio e a rã que coaxava e as flores nas jarras.
Foi assim que plantou de estaca um lódão-bastardo e ele cresceu. Fez-se grande a árvore, a copa arredondada e as raízes sólidas e fortes espalharam-se e agarraram-no à terra.  No ano seguinte plantou o segundo e depois o terceiro, até perfazer seis lódãos-bastardos, as copas redondas e fartas, o tronco firme e já não eram bastardos porque ele os amava como à casa e aos filhos que voltariam ou não.
Semelhantes eram os lódãos, mas a tonalidade de cada um permanecia singular. 

























Celtis australis






19 comentários:

Graça Pires disse...

A solidão tem rosto. A não ser que se troque esse rosto por outro... Assim, a singularidade de cada lódão a preencher o espaço que se esvaziava no peito...
Como gosto das histórias que contas, amiga! Um grande beijo.

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA BAPTISTA



era uma vez um homem bom que por ser bom nada temia

é a bondade que nos dá coragem e nada mais



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 21 de Junho de 2014

Unknown disse...

Os filhos partiram mas o velho permaneceu firme como os lodãos.
A esperança nunca morre. As raízes do amor são aquilo que nos mantem ligados ávida.

Beatriz disse...

O bom filho à casa retorna ... não é isso que dizem? Ainda mais uma casinha branca perto do rio...

Beijinho, Manuela

Bia

Rogério G.V. Pereira disse...

Eu sei
já plantei
e foi lento, lento o crescimento

homem persistente, esse
e tão cheio de esperança
merecia
o regresso
de um só filho que fosse

. intemporal . disse...

.

.

. raízes desprovidas de vento .

. (.muito.bonito.) .

.

.

. íssimo feliz .

.

.

Anónimo disse...

Como gosto das histórias que contas, amiga! Um grande beijo.

Kika disse...

Kriu?

A solidão tem rosto. A não ser que se troque esse rosto por outro... Assim, a singularidade de cada lódão a preencher o espaço que se esvaziava no peito...

Kriu!

mz disse...

Um desejo substituído numa imagem do amor paternal enraízando a natureza à terra e igualando-a aos seus mais preciosos amores.

Um abraço para si, Manuela.

Silenciosamente ouvindo... disse...

Sentia a falta de vir aqui nestas
5 semanas de ausência.
Aqui encontro sempre: inteligência
e capacidade. É por isso um
blogue de outra dimensão.
Desejo que esteja bem.
Bj.
Irene Alves

Vitor Chuva disse...

Olá, Manuela!

Num cenário "perfeito", faltava o essencial.Que o instinto de sobrevivência substituiu por árvores de nome algo estranho...como forma de com os ausentes manter viva a ligação.Expediente da mente, como forma de resistência à solidão...

Um abraço e boa semana
Vitor

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...


tanta mensagem escondida, neste texto tão belo, que as minhas palavras deixam de ser necessárias.

gostei muito além de ficar extremamente comovida.

:)

Rita Freitas disse...

Estes belos laços que criamos com aquilo que cuidamos,
Muitas e belas mensagens tem este texto.

Beijinhos

Kika disse...

Kriu?





Gostavas de fazer 60 anos já no próximo dia 27 ?

Ou também já fazes "séculos" ? :)))





Kriu!

Anónimo disse...

As "flores de Lótus" são eternas e sempre inatingíveis!

Olinda Melo disse...


Cara Manuela

Aqui me sinto bem, no meio deste verde todo, deste encantamento, destas suas palavras que nos fazem viver cada momento do conto. Homem sábio esse!

:)

Bj

Olinda

Silenciosamente ouvindo... disse...

Como sempre de uma grande inteligência e sensibilidade os
seus textos. Estou ainda um bocado
"arredada" do computador. As m/meninas querem o computador para
elas, hoje não estão cá e tenho que
aproveitar. A m/gata percorre a casa toda à procura delas e à
bocado até miava!!! Mas elas daqui
a umas semanas vão partir e temos
todos que nos habituar a um maior
silêncio.
Desejo que esteja bem.
Bj.
Irene Alves

Guiomar Lobo disse...

A natureza não preenche o lugar de quem se ama e está distante, mas consegue ocupar os momentos de orfandade e solidão...
Gostei muito de seu conto, como de tantos outros que por aqui tenho lido.
Belo blogue, o seu.

Graça Pereira disse...

É preciso preencher a solidão...
Lindos os teus desenhos e fiquei com vontade de ter um lódão no meu quintal..
beijo
Graça