O sorriso do homem era tão largo que quando ele acordava
adormecia a rir. Dava-lhe jeito para atravessar as ruas, tirar apontamentos
sobre o movimento migratório dos gansos e saber exatamente onde ficara depois
de já ter chegado a casa.
A cartola tinha-lhe caído na cabeça num dia de ventania.
Qualquer um ter-se-ia zangado, incomodado com aquele chapéu de mágico que nem
ia bem com a sua maneira de vestir mas ele pensou, vou dar uma oportunidade à
cartola, afinal perdeu uma cabeça para me encontrar. Os amigos não estranharam,
os colegas de trabalho acharam graça e quando ele se desorientava no meio da multidão bastava
apenas procurar o alto do seu chapéu.
E os pássaros gostavam daquela cartola. Seguiam-no de
manhã bem cedo, volteavam, rodopiavam, piavam à sua volta e um casal de melros
chegou mesmo a fazer o ninho sobre ela. Como os melros eram pretos e a cartola
preta era, ninguém sabia que viviam dois melros no alto da sua cabeça. Mais
tarde deixaram-no com saudades de preto.
Às vezes o homem também entristecia e aí o sorriso ficava
menos largo e os pássaros retardavam o voo e ele pousava o chapéu e
aquietavam-se, ele e os pássaros à procura do silêncio e tudo passava, até a
dor.
Na última paragem entrou o rapaz para imediatamente sair
e saíram todos com ele. A rapariga, o gato, o homem da cartola e o coelho
triste, que dava saltos de contentamento por encontrar o rapaz e o peixe.
O motorista resmungou, ao pôr-do-sol venho buscá-los.
Sejam pontuais, não tenho paciência para atrasos.
O homem da cartola alargou um pouco mais o seu sorriso e
eles deslizaram por ele e era de veludo o sorriso e deslizar sabia-lhes tão
bem. E à sua volta começaram a juntar-se crianças, dezenas, centenas de crianças.
Não fizeram muitas perguntas, porque mais do que compreender o que estavam ali
a fazer, pareceu-lhes muito melhor aceitar o que lhes era dado viver.
Então o homem sentou-se no veludo macio e todos se
sentaram com ele. Tirou o chapéu, pousou-o sobre os joelhos e soltou-lhes os
pássaros. As crianças fizeram um Ó de espanto, os olhos grandes fixos nas asas.
Um acalanto da família dos tentilhões, para a rapariga
cantar até adormecer. Uma gaivota para o rapaz ensinar ao peixe o caminho do
mar. Um pardal dos telhados para o gato que gostava de dormir ao sol das
telhas. Uma andorinha dos beirais para o coelho triste, pretos e brancos os
dois e ele aprender a voar.
Por fim quando soltou as estrelinhas-de-cabeça-listada
anoiteceu.
cartola preta no bico de uma estrelinha laranja
pastéis de mb
17 comentários:
Minha querida
O que dizer, se estou muda.
As minhas palavras devem ter ido aninhar-se no chapéu do homem de sorriso largo, porque emudeceram perante a magia das tuas...vou em silêncio para não acordar os pássaros.
Um beijinho com carinho
Sonhadora
MANUELA BAPTISTA
Acalento mesmo a ideia de no bico da estrelinha esvoaçar uma cartola preta ... e os melros de bico acachapado ou as melras!?
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 2 de Junho de 2012
Estar aqui e te ler é como ser transportada para um lugar que só tu conheces, mas que permites que eu entre.
Gratidão
Tão lindo e [tão seu] adorei amiga. Beijos com carinho
Comecei a ler e a sorrir, com esse homem do sorriso largo que adormecia a rir.
O homem da cartola preta, como todos nós,e que também tinha momentos de tristeza, lembra-me a gata que ainda espera que a dor passe no silêncio olhando todas as aves, especialmente os tentilhões que façam cantar até que a noite chegue.
Maravilhoso.
Obrigada
Beijo
Ná
Ó... voaram todos, todos, até eu!
hoje ninguém volta de autocarro para casa, o motorista bem pode esperar sentado!:)
Manuela, este conto é de se lhe tirar o chapéu... parabéns!
beijo
nandinho
Querida amiga
Amei os pássaros, posso ficar com eles? Tão coloridos.
Acho que eles estão certos não existe melhor local para fazer o ninho.
Lindo, e todos foram felizes.
Com muita alegria BJS.
Manuela,
A ventania tirou a cartola ao homem, eu tiro-lhe a cartola a si.
Obrigado pelo sorriso.
Beijo :)
Olá, Manuela!
Desta vez, da cartola não saiu um coelho;mas escorreu magia a rodos. Para nos conduzir através desse mundo encantado povoado de criatividade e sonho - que por momentos nos consegue fazer voltar aos tempos de criança.
E saio daqui com um enorme sorriso.
Um abraço.
Vitor
.
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. aceitar o que nos é dado viver .
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. nem que para tanto seja tantas vezes necessário que nos centremos no alto do nosso chapéu .
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. até que um dia nos deixemos . também . com saudades de preto .
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. de se lhe tirar o chapéu . pois sim .
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. íssimo . íssimo . íssimo .
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Auf!
Tivesses tido em conta na imagética deste conto o contorno do bico e teriamos um loris arco-iris, ou até, um kakariki em voo ascendente.
Auf!
Auf!
Béu, béu!
Continuo a achar que a quadra dos Santos Populares te influenciam mais nos tons que nos dons...
Béu, béu!
É sempre tão bom viajar por aqui... Obrigada!
e fico com o sorriso...
um texto, original e muito belo.
beijo
Pois o que ua cartola pode se transformar quando alguém com uma
dose de imaginação incrível a
inventa e a povoa...
Parece que no final todos ficaram
felizes.
E eu, como a Rosa,fiquei muda. Mas
se até a Rosa que tem uma capacidade
imensa de escrever maravilhosos
poemas ficou muda...eu fiquei o
quê? Nem consigo definir.
Mas sei que adorei. Ilusionismo?
Beijinhos
Bom domingo
Irene Alves
Na vida e nas histórias, é maravilhoso e contagiante todos os sorrisos, mas mais do que o sorriso do homem, eu adorei o Ó que colocaste às crianças.Pois elas adoram o efeito surpresa e isso é meio caminho para o encantamento.
Um grande abraço,
Mz
tou quase a miar,
também quero um pássaro qualquer, sim
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