Sentimos um arrefecimento do lado de terra. O outro lado é de mar. Como um rio ou uma linha férrea que separa um mesmo lugar, este de, é uma preposição singular. Deveria ser uma contracção, um aperto.
Existe uma diferença acentuada no crescimento das plantas, deixaram de o fazer de dia, entardece, o sol põe-se, que é uma forma inexacta de pôr seja o que for e é na escuridão da noite que os caules se desenvolvem, branqueados de lua, numa carência de cor.
As mães explicam aos filhos o caminho da transformação do grão em farinha, a magia da levedura na estranheza que possui aquilo que azeda e que dá forma a uma outra matéria. Orgânica ou inorgânica, determinante na metamorfose.
Fermenta também a ideia que pode mudar tudo, que excita o espírito, que o faz subir cada degrau como se de um miradouro se tratasse e douro é o rio do vinho generoso, doce é a videira num patamar de folhas vermelhas e quem nunca viu estes socalcos pode crer que não viu nada.
E o sal. Sem ele o sabor é um tacteio vago, um rosto sem sorriso, um olhar sem sombreado, uma ausência de graça. As salinas são mais para o sul da casa que habitamos e os pássaros têm as pernas altas, alfaiates, flamingos, os guinchos, as gaivotas de asa escura.
Sal, pão e vinho. Não sabemos o exacto significado de um território possuidor desta linha recta imaginária que atravessa uma planta, uma rua, uma roda, uma figura geométrica. Deste eixo. Despojados dele não somos nada, como um homem a quem roubam a dignidade do trabalho e a alegria de celebrar o pão nosso de cada dia e de cada noite em que teimosamente um traço verde nos fermenta e desinquieta.
Não há gestos incertos ou inúteis e será preciso recordar como se descascam as laranjas com uma faca fininha e afiada, sempre a rodar sem quebrar e em cada cálice laranja colocar uma vela de sebo e espalhá-las a todas pela casa, pelos parapeitos das janelas, pelas varandas e à porta da cozinha. Perdido no tempo era este um sinal do advento e não era preciso mais nada.
Só quem nos reza sabe que a água é da chuva e o caule verde um desaperto, uma preposição de acreditar.
espigas desenho a lápis branco distraído de mb
25 comentários:
MANUELA BAPTISTA
Ai minha espiga verde que sumida
que me aquece e vê minha guarida
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Novembro de 2011
Que pena
Que pena que nem todos os textos poéticos possam ser bandeira
(A menos que eu queira...)
Sal, pão e vinho ... e muita arte, amiga Manuela.
Arte nas palavras, que aqui sempre dançam, suavemente como a brisa na seara que tão bem desenhaste.
Com o necessário sal que afasta o insípido, mais a lembrança da masseira do pão e do cheiro a fermento azedo que faz levedar mais pão pronto a cozer.
Pão e vinho generoso, que vindo dos socalcos do meu Douro, lá do Pocinho, ou do Vale do Meão e amadurece em carvalho, muitas vezes francês, para em Fine Tawnies se tornar, ou então em garrafa preta opaca e bem lacrada, longe da oxidação para em Vintage se tornar...
Cá está tudo, minha amiga, e sempre escrito com a mestria que é só tua.
Parabéns
Beijinho
Ná
Explicar a nuestros hijos
tantas cosas que desconocemos...
Pero procuraremos echarle el punto de sal exacto, como la sal de este texto.
Un abrazo
.
.
. há porém uma diferença acentuada entre quem diz saber escrever e quem escreve efectiva.mente .
.
. porque a arte de saber escrever traduz sempre o fundamento do saber empírico . entre o corpo e a alma . e descreve.o . do alicerce ao telhado . da raiz à flor . do caule ao fruto .
.
. e nunca pinta apenas a fachada exterior .
.
. visando apenas os olhos que também comem mas que não sabem o que estão a comer .
.
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. "Sal, pão e vinho." .
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. entre aplausos . com todo o meu carinho .
.
. íssimo . sempre e para sempre feliz .
.
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Auf! Auf!
Se sentes um arrefecimento do lado da terra e outro do lado do mar, acho que não terás grande solução!
Vai, vai beber um chá quente e fecha bem as janelas e não tires as pantufas, nem para cortares as unhas!
Auf!
Auf!
Béu, béu!
Eu gosto muito de anis!
Foi o Jaimex que me deu a provar, com medo que lhe fosse ao whisky puro!
É que vem aí o Euro 2012 e é preciso saber poupá-lo...
Béu, béu!
E eu gosto muito de a nós!
Querida amiga
Gostei muito do texto. Mas sei também que estamos aprendendo, e, a arrumação da casa já começou, tenho certeza que tudo será resolvido.
Confio no ser humano foi Deus quem criou.
Todas essas coisas passam e com vantagem do aprendizado.
Obrigada pela homenagem ao Douro, para mim os socalcos são escadas muito bem adornadas.
Sei que seu coração acredita no dia a dia, na melhora espiritual.
Uma linda semana com muito carinho BJS.
tudo arrefece, tudo se desiquilibra, quando o pão já não chega à boca, o sal já não tempera e o vinho já não é sinónimo de alegria
mas, é preciso não deixar de acreditar, no chão que nos suporta, nos gestos e nas coisas simples do dia-a-dia, na Fé que move montanhas, no sol que doura a espiga
um beijo, Manuela!
Walter
"douro é o rio do vinho generoso, doce é a videira num patamar de folhas vermelhas e quem nunca viu estes socalcos pode crer que não viu nada."
Também acho, pois a paisagem, vista de barco, é esmagadora pela beleza que tem.
O teu texto, excelente, como sempre.
Beijos, querida amiga.
A Manuela brindou-nos com mais um tema do pão nosso de cada dia, daqueles que ainda o têm e de muitos outros que ficaram sem nada para lá do desemprego.
O Douro e as suas encostas generosas escorrendo fios de mel.
Boa semana.
Um texto maravilhoso para o começo de um tempo novo! Sal, pão e vinho... e as palavras ganham vida, no advento das coisas!
As linhas revigorantes, trabalham na noite que parece adormecida, sem repouso na vertigem de ver tudo a crescer!
A vela já arde junto ao ramo de azevinho!
Ah! Manela o sentido que tu dás ao tempo de cada tempo...
Beijos
Graça
Sal, pão e vinho!
Os três elementos se não primordiais, pelo menos dos mais importantes para o desenvolver da vida que fermenta a caminho da metamorfose.
Maravilhoso como sempre, o teu texto.
Boa semana, Beijinhos
Manuela,
Há quem escreva como se sentisse o respirar da terra, do mar, dos pássaros, das plantas...
Isso é um dom, e a Manuela possui-o. Preserve-o bem, mas não deixe de o partilhar. Nunca.
Beijo :)
Há realmente em si o dom de sentir
e conseguir colocar em palavras...
eu tenho que ficar apenas muito
silenciosamente a absorver os seus
textos e a refletir como a palavra
por vezes é muito importante.
Um beijinho
Irene
"Perdido no tempo era este um sinal do advento e não era preciso mais nada.."
Nada estará para sempre perdido quando a Vida for nas palavras..
Sal, pão e vinho.
Manuela, um abraço forte neste Seu tempo.. nosso tempo, começo forte e sinal profundo de Advento.
dulce
Para estar aqui um pouco e deixar
um beijinho neste dia difícil para
os portugueses.
Mas a Manuela também sabe esta e tantas outras coisas. Tão bem.
Um terno abraço desta sua admiradora.
.
.
. 20 ver .
.
. :) .
.
. ao alvorecer .
.
. íssimo .sempre e para sempre .
.
. feliz .
.
.
Lindo o momento em que falas do douro. E é de noite que os caules se desenvolvem.
..." como um home a quem roubam a dignidade do trabalho".... e sim...todo o texto é um dança de palavars sentidas e escritas com maestria.
Obrigada.
Maravilhosos texto.BShell
Manuela,
As tuas palavras levam-nos até à infância, recordando-nos, a partir dela, todo o percurso de uma vida até aos dias de hoje.
Lembram-nos os princípios, valores e tradições recebidas, principalmente, no seio da família.
Tanta falta que fazem nas sociedades ditas modernas e nesta hora dificílima que o país atravessa.
Ainda bem que alguém se lembra de nos oferecer palavras tão belas e encorajadoras.
Desconhecia o sinal do advento de que falas. Vai ser-nos útil com certeza!
Ainda bem que cada tempo tem o seu sinal... não resolve tudo, mas ajuda.
Bom fim de semana
Um abraço
..." A água é da chuva e o caule verde"...
E a esperança existe.
...
Um grande beijinho
um abraço
é o sinal que vos deixo
Preposição singular, esta, que liga o seu olhar à fermentação das coisas e, depois, transborda de si nesta escrita verdadeiramente grandiosa.
Um beijinho
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