Procurou-o debaixo das pedras, nos poços profundos, no redondo dos buracos de luz. Na estação quente e seca, a da sede das plantas e da terra, dos animais vertebrados, dos rastejantes, cantantes, dos outros sempre calados.
Perguntou por ele nas paragens de autocarro, riram-se os guarda freios, os bilheteiros e as mulheres desapiedadas.
Atravessou sete vezes o Tejo, os olhos bem abertos na direcção do estuário, soltaram-se em grito as gaivotas, asas abertas a cortar o ar, lutaram por um pedaço de pão duro e os cacilheiros apitaram para avisar qualquer coisa, uma alegria contida num frasco, a rolha, uma demanda, um mapa quase desfeito já sem norte e o vento amainou as tainhas que brilhavam ao sol.
Depois atravessou uma última vez, porque se é impar, como é que voltaria, para sempre perdido do lado de lá, desconhecido em areias e praias, estranhos são os moinhos de maré.
Foi enchendo os bolsos de grilos para não se esquecer do canto das ervas altas em agosto, nos canaviais a água dos rios corria e os remoinhos eram armadilhas de meninos teimosos, a pesca à linha, o charco das rãs.
Não se intimidava quando o interpelavam, o que buscas, mais valia não buscasses e continuava sempre mais longe, o regresso mais difícil.
Imaginou-o na época das chuvas quando a monção arrasta os seres mais frágeis, deslocando-os, despojando-os de pertences, arranhando pele e ossos, fertilizando a terra e o arroz crescia e era grão. E os animais invertebrados, os pássaros exóticos, os grandes mamíferos, mas no seu seio não o encontrou.
Começou então a sentir-se triste, a pensar que as luzes nas calçadas e nos elevadores antigos, que espreitam as cidades no que têm de ensimesmado e oculto era ténue demais e que não valeria a pena continuar assim.
Revirou os bolsos do avesso, escondeu os grilos nas folhas douradas e disse-lhes água vai e ele foi. Quando estava quase a perder esta esperança que nos faz subir às árvores mais altas e desejar as ilhas onde a bruma e a névoa permanecem, o cheiro da chuva é a própria chuva e a noite cai.
A dois metros do solo, nos ramos de uma árvore, cinco centímetros de beleza pura, oitenta e sete anos de invisibilidade. Os membros compridos e finos, a pele enrugada pintada das cores do arco-íris, a luz que atravessa as gotas de água.
Os olhos do homem encheram-se de reconhecimento e espanto, os olhos do sapo reflectiram-se, aguados ambos, humidificados pela natureza das coisas e pela própria natureza.
Ao todo descobriu três espécimes, um macho, uma fêmea e um jovem sapo. Fotografou-os, observou-os, registou-os. Ficou com eles o tempo necessário para entender as cores de um arco e a ligação secreta entre o divino, o animal e o humano. Este tempo, nunca é medido em dias, horas ou em anos e difere de ser para ser, alcançado apenas no limite entre a esperança e a alegria.
E secreto guardou o local exacto da sua descoberta.
ansonia latidisca o sapo arco íris do bornéu
a casa do sapo óleo sobre cartolina de mb
36 comentários:
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. e assim,,, .
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. na demanda perfeita pela trilogia rematada .
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. registou.se o momento para a posteridade . e oitenta e sete serão os anos vindouros que não mais se esquecerão .
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. o que dizer de uma escritora assim ? também ela perfeita . rematada e vindoura . uma amiga que tenho assim para sempre ?
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. soltam.se as lágrimas . efectivas . verdadeiras . genuínas . e todas as horas aqui . são horas palpáveis e ampla.mente concretas .
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. íssimo . sempre e para sempre feliz .
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uma chuva de Draconídeas num céu de prata
para o meu amigo que me empresta os contos
um beijo feliz, Paulo!
MANUELA BAPTISTA
... no desiquilíbrio o equilíbrio permanente que o teu texto exalta ...
... exalta e torna perene!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Outubro de 2011
Sabes que me perdi na estória e no sentido que terá. Fica o sabor, o som e a cor de a ter lido. Pensando um pouco com o que se passa comigo, nunca se me colocaria tão longo périplo á procura de tão estranha criatura. Nem seria necessário marcar o lugar onde o (re)encontrar. É que vivo rodeado de sapos, sapos é o que avisto mais. Sapos novos e velhos. Casais. Vivo num charco, de águas paradas. Paradas e turvas, adequadas ao habitat de batráquios sem depradadores. E os sapos me olham com um olhar desigual ao que me contas. É um olhar dirente. Parecem gente.
Posso pedir-te para ir agora
ao lugar da tua estória?
Jaime
é isso mesmo
no equilíbrio perene, que a ser perfeito
será o paraíso terreal
Rogério
é este o lugar da minha história:
"O sapo-arco-íris-de-bornéu apareceu ao fim de 87 anos na ilha de Bornéu, uma descoberta que custou meses de procura a uma equipa de investigadores da Universidade de Sarawak da Malásia, e que foi anunciado nesta quinta-feira pela associação ambientalista Conservation International (CI).
A última vez que o mundo ocidental tinha visto esta espécie de anfíbio foi em 1924, quando cientistas europeus foram à ilha de Bornéu, no sudeste asiático. A única imagem que trouxeram de lá foi um desenho a preto e branco da Ansonia latidisca, o nome científico do sapo.
“Descobertas excitantes como este sapo lindíssimo, e a importância enorme dos anfíbios para os ecossistemas saudáveis, são o que nos motivam para continuarmos à procura de espécies perdidas”, disse em comunicado Indraneil Das, cientista da Malásia, que liderou a equipa.
A aventura começou depois da International Conservation ter lançado uma campanha para a procura mundial das espécies de anfíbios que não são vistos há mais de dez anos. O sapo-arco-íris-de-bornéu (tradução livre do nome comum em inglês) estava na lista Top 10 das rãs mais procuradas.
A equipa de Das tentou a sorte. Em Agosto do ano passado, os cientistas foram para uma região montanhosa na região ocidental da ilha de Bornéu, na fronteira entre a província de Sarawak na Malásia, e a província Kalimantan, que já pertence à Indonésia.
A equipa de Das andou meses à procura do sapo depois de o anoitecer, por altitudes superiores a 1300 metros, numa região que, segundo a CI, foi pouco explorada no último século. A equipa foi para zonas cada vez mais altas ao longo do tempo. Finalmente, uma noite, o cientista Pui Yong Min encontrou o sapo numa árvore, dois metros acima do solo. Tinha as patas compridas e finas, pele enrugada pintada de várias cores.
“Ver a primeira fotografia de uma espécie perdida há quase 90 anos desafia o que se acredita. É bom saber que a natureza consegue surpreender-nos quando estamos quase a perder a esperança, especialmente com o escalar da extinção de espécies”, disse em comunicado Robin Moore, especialista em anfíbios da CI, que lançou o projecto da procura dos anfíbios, e recebeu num e-mail enviado por Das, a notícia da descoberta e a fotografia do sapo.
Ao longo dos dias, a equipa encontrou mais dois indivíduos desta espécie. Ao todo, foram vistos e medidos uma fêmea, um macho e um juvenil, que tinham respectivamente entre 5,1 e três centímetros de comprimento. Os três anfíbios foram todos encontrados em árvores.
“A natureza ainda guarda segredos preciosos que estamos a descobrir, é por isso que a protecção e a conservação são tão importantes.
Os anfíbios são indicadores da saúde do ambiente, o que tem implicações directas para a saúde humana. Os seus benefícios não devem ser subestimados”, disse Indraneil Das."
Me ha gustado muchísimo.
Contiene un estilo tan personal, intenso y bello.
"La Belleza pura", el misterio escondido detrás de las cosas, esto también está en tus lineas.
Un abrazo.
un abrazo, Elisabeth!
na linguagem universal
de las cosas
Do envolvimento suave e quase mágico dos seus textos já todos sabemos, e dele já não prescindimos. Como este.
A forma como termina - "Ficou com eles o tempo necessário para entender as cores de um arco e a ligação secreta entre o divino, o animal e o humano. Este tempo, nunca é medido em dias, horas ou em anos e difere de ser para ser, alcançado apenas no limite entre a esperança e a alegria" - é verdadeiramente encantadora. E reconforta.
Beijo :)
Manuela
esta é a demanda da persistência, da esperança, da perseverança, da perenidade...
é como se fosse a demanda pelo [único) príncipe de entre todos os sapos da Terra :)
bela transposição, de uma história verdadeira com oitenta e sete anos de invisibilidade, e hoje trazida à luz em cinquenta linhas de pura criatividade e originalidade
ah e a "casa do príncipe-arco-íris" é de uma beleza cromática impressionante, quase tridimensional
adorei!
beijo
Gosto destas histórias que baseias em notícias. :) Já lá fui ler e encantei-me. Fquei a pensar se depois da espécie humana ser dada como extinta, algum ser nos procurará incessantemente...e será que encontrará algum casal com a cria e quantos anos se passarão? É uma história de esperança também... e de perseverança na pocura... contada como sempre com o teu toque de magia. :) Beijinho e boa semana!
e
um dia... teço-lhe um prefácio. juro. :)
pf
Atravessou sete vezes o Tejo, tantas como as sete colinas...
gostei muito da narrativa e da explicação que deu no comentário acima.
beij
Admiro a persistência das pessoas para encontrar uma espécie de sapos que poderia até já nem existir...
Como também admiro o teu lado visionário ao adoptar este acontecimento para nos contar uma história desta excelente maneira.
Brilhante, como sempre.
Tal como as tuas ilustrações.
Querida amiga Manuela, tem um bom Domingo.
Beijos.
Que lindo Manuela!!!!
Você descreveu a biodiversidade inteira aqui! "A luz que atravessa as gotas de água" me fez lembrar quando morava no sul da Bahia, a ver as primeiras gotas de tempestade caindo no oceano e formando um enorme arco-íris....
Beijos e um lindo dia!!!
Bia
www.biaviagemambiental.blogspot.com
Excelente...e contado com mestria...com paixão...
Uma pausa...preciso refletir...
Beijo
de baixo para cima:
BlueShell, nome bonito
Bia, a biodiversidade por amor
Nilson, um bom domingo
Piedade, sete beij
Poetesa Ferreira, um prefácio.sim
Eva, um pouquinho antes da extinção, seremos reencontrados
Walter, tridimensional, a demanda também
AC, é reconfortante este limite, é
e agora,
a palavra fica apenas para vós!
E se for um miado...?
Querida amiga
Me deixou eufórica, pois se já esteve aqui porque não voltar, claro que a sementinha foi plantada na minha mente, será que minha mais nova amiga vai fazer uma surpresa e aparecer!... As flores de nenúfar continuam lindas e pertinho de mim.
Estou cheia de saudades, e por favor traga nosso amigo Fernando. Desculpe mas como pode perceber já estou nas nuvens.
Como sempre encantada com o belo texto, amei a casa do sapo.
Com muito carinho BJS.
An eighty year old rainbow toad ...
maravilhosa descoberta num conto de chorar por mais.
Beijinho
Ana Sofia
Também eu gostei muito muito..
E que me soube tão bem, agora, por aqui repousar nestas palavras que são para sempre em nós..
beijinho grande de obrigada e de muitas saudades, querida Manuela.
Tinha lido a notícia porque me interesso imenso pela vida no Planeta e tudo que se refere a animais (extintos, em vias de extinção, e não só).
Mas contada por ti adquire uma magia e encanto diferentes.
Adorei!
Uma semana feliz. Beijinhos
Auf!
Estás cada vez pior, para não dizer do piorio!
Ele é sapos arco-íris! Ele é casas de sapos que são ervas cãoninhas!
Qualquer dia só te falta publicares aqui a Duquesa de Alba e dizeres que é uma orango-de-tanga!
Ou então o Ministro das Finanças e dizeres que é o Topo Gigio!
Traz-me masé a caixa da costura, pois eu vou tirar os pontos e quero guardá-los um por um.
E nem penses fazer um abat-jour com o meu colar!
E já agora... e para já, traz o bispote também...
Auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuf!
tá cheio de mimo, o canito :))
Dulcinha, olá!!
um beijo
Tornar as notícias que encantam o mundo, num conto cheio de magia e mistério...não é para toda a gente!
É preciso ter uma alma que paira numa outra dimensão e dissecar cada côr, cada hora, cada minuto escondidos nas ervas altas dos canaviais!
Quem sabe fada Manuela, não serias capaz de colorir as esperanças gastas dos portugueses e alterar com o teu toque único, as notícias escuras que entopem televisões e periódicos? As tuas palavras que fazem malabarismos com as estrelas, talvez nos fizesse ver rosas no escuro onde há apenas um papão que nos mete medo e ameaça a nossa extinção!!!
Parabens e mil beijos.
Graça
"no limite entre a esperança e a alegria", uma festa!... Em cada palavra, em cada frase, ... um espanto, quase tanto como "a descoberta! Parabéns, Manuela, por nos ter propiciado esta "viagem"!
Beijinhos
Quicas
"Os olhos do homem encheram-se de reconhecimento e espanto, os olhos do sapo reflectiram-se, aguados ambos, humidificados pela natureza das coisas e pela própria natureza."
Ainda antes de ler o seu texto informativo, aqui nos comentários, fiquei com a impressão de que se tratava de um momento único. Se não por outra coisa, pela qualidade indiscutível da narrativa.
Obrigada
Um beijo
Perdi-me na história e nas cores das árvores, do tempo e nos cheiros onde corre a água.
Como sempre perfeito o seu texto.
Manuela,
Poucos contos são assim, mágicos.Prende nossa atenção do início ao fim,com um encantamento atrás do outro,nos fazendo ver a vida por outro prisma.
Assim És,amiga.No meu coração,sempre.
Beijoquinhas,
Linda Simões
Manela
vim reler.
beij
manuela
"O sapo-arco-íris-de-bornéu apareceu ao fim de 87 anos na ilha de Bornéu..."
Um sapo lindo apesar das vicissitudes que passou para sobreviver.
Vou tê-lo como referência para continuar.
Beijo grato
A Manuela sabe tão bem como sublimar cada detalhe do universo. E tornar tão intensos momentos tão breves.
A sua escrita é imensa.
Eu gosto muito, mesmo muito de lê-la, e admiro imenso todos os seus talentos.
Bem haja.
Um beijinho e bom fds
Manuela,
Tão longa a ausência e eu nem sei por onde andei.
Espero que me guarde ainda, num coração que adivinho gigante.
Saudades.
Encheu-me de uma esperança tão terna.
Um beijinho,
Elisabete
Uma maneira muito especial que tem
de abordar a vida nas suas várias
vertentes, que me encanta.
Um bj.
um dia, no Bornéu!
um abraço a todos
mb
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