O homem amava as aves. Sabia das asas abertas ao vento forte, do ruído ensurdecedor das tempestades, da inconstância das marés e da força das correntes oceânicas.
Morava numa ilha de coral em forma de anel à roda de uma lagoa e a sua casa tinha a precariedade das coisas impossíveis de alcançar. As pessoas achavam-no estranho porque ele preferia o grito das gaivotas, ao tagarelar dos habitantes das cidades e a observação dos hábitos dos albatrozes, às redes sociais.
Quando a viu pela primeira vez, ela era muito jovem e a sua gulodice foi o elo de ligação que a fez confiar nele e render-se aos pedaços de lula e aos pequenos peixes que ele pacientemente lhe atirava fazendo-os rodopiar. Ela apanhava-os esticando o bico, os olhos certeiros na direcção correcta, confiante na destreza do seu pescoço. Engolia-os, num trago.
O homem falava-lhe e ela ouvia-o, uma interrogação circunspecta no olhar, o branco e o negro da sua plumagem brilhante e saudável, as asas fortes de percorrerem os céus, as patas bem implantadas e a membrana que une os dedos, flexível e viscosa.
Era uma bela ave. Quando partiu ele sentiu saudades, mas continuou as suas pesquisas, os seus escritos, as interrogações dos reinos do mar e da terra.
No ano seguinte ela regressou e reconheceram-se, o homem e a ave. Ela nidificou e ele chamou-lhe sábia e ensinou-lhe o que tinha descoberto acerca dos da sua espécie, que são fiéis ao mesmo companheiro durante toda a sua vida e que apenas põem um ovo em cada trezentos e sessenta e cinco dias.
Contou-lhe dos perigos dos lixos que flutuam nos mares, milhões de plásticos que os homens na sua assombrada animalidade atiram às águas, enganando as aves que com eles alimentam os seus filhotes conduzindo-os a uma prematura morte.
Ela agitou duas vezes as asas num sinal afirmativo e ele decidiu colocar-lhe uma anilha que a fizesse distinta das outras aves e no seu próprio dedo indicador colocou um anel que o fizesse distinto dos outros homens.
Durante quarenta e cinco anos o homem e a ave reconheceram-se e aprenderam um com o outro e outros nove passaram e os quilómetros percorridos pela ave eram tantos que dariam sete vezes a volta aos oceanos e mais sete vezes a distância entre o que acreditamos e aquilo que nos é dado conhecer.
E ao quinquagésimo quinto ano, mais uma vez ela nidificou no atol onde um homem que amava as aves tinha construído a história de um albatroz.fêmea, amante de pedacinhos de lula e que possuía uma interrogação circunspecta no olhar.
Aquilo que acreditamos ultrapassa o que nos é dado conhecer.
No ano seguinte ela regressou e reconheceram-se, o homem e a ave. Ela nidificou e ele chamou-lhe sábia e ensinou-lhe o que tinha descoberto acerca dos da sua espécie, que são fiéis ao mesmo companheiro durante toda a sua vida e que apenas põem um ovo em cada trezentos e sessenta e cinco dias.
Contou-lhe dos perigos dos lixos que flutuam nos mares, milhões de plásticos que os homens na sua assombrada animalidade atiram às águas, enganando as aves que com eles alimentam os seus filhotes conduzindo-os a uma prematura morte.
Ela agitou duas vezes as asas num sinal afirmativo e ele decidiu colocar-lhe uma anilha que a fizesse distinta das outras aves e no seu próprio dedo indicador colocou um anel que o fizesse distinto dos outros homens.
Durante quarenta e cinco anos o homem e a ave reconheceram-se e aprenderam um com o outro e outros nove passaram e os quilómetros percorridos pela ave eram tantos que dariam sete vezes a volta aos oceanos e mais sete vezes a distância entre o que acreditamos e aquilo que nos é dado conhecer.
E ao quinquagésimo quinto ano, mais uma vez ela nidificou no atol onde um homem que amava as aves tinha construído a história de um albatroz.fêmea, amante de pedacinhos de lula e que possuía uma interrogação circunspecta no olhar.
Aquilo que acreditamos ultrapassa o que nos é dado conhecer.
a verdadeira está aqui
"wisdom" desenhos de mb
34 comentários:
Gosto do grito das gaivotas...é sempre sincero.
Gosto também das palavras com que pinta cada quadro. Até com os albatrozes se pode aprender.
Beijos,
António R.
MANUELA BAPTISTA
Minha querida Phoebastria Immutabillis, sabedoria a minha ...!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 11 de Março de 2011
Mais uma pérola rara esta que me foi dada ler. Obrigada amiga Manuela.
Wisdom foi mãe aos 60 anos de idade e anilhada Chandler Robbins. Uma história de amor, só mais uma...
Desconhecia totalmente o facto que uma ave pudesse viver tantos anos, e procriar até uma idade tão avançada.
Lida a história recreada e feita o mais fiel conto de amor, fixo-me ainda nos desenhos, outra arte que conheço, embora seja auto-didacta.
Reconheço-lhe o bom gosto bem como o bom traço.
Saio daqui maravilhada.
Aqui, consigo, consigo ser mais menina.
Bem haja.
Beijinho
Ná
Boa noite Manuela,
uma história encantadora, não me passaria nunca pela cabeça que uma ave pudesse viver tantos anos.
Lindo, gostei muito!
Beijinho,
Ana Martins
a verdadeira história da "wisdom" está aqui, neste olhar belo e profundo, de quem nos nossos corações, permanentemente, desenha [a]penas, verdadeiras e sentidas lições de amor - a essência de todas as coisas.
um beijo, querida Manuela!
Walter
Auf!
Eu continuo a acreditar... que não há bicho como eu!
Auf!
Auf!
Manuela, li o seu texto no blog de Paulo. Uma das minhas metas é um dia chegar pelo seu blog, devagar, com calma, ler e sentir.
Consegui me aproximar do blog do Paulo. Aos poucos vou chegando por aqui.
O texto lá, nos leva por uma viagem. Me fez lembrar que viajar é levar algumas pessoas com a gente, a poética e a sensibilidade da sua escrita sempre me deixa extasiada.
abraço.
Mais uma vez obrigada, amiga Manuela, escritora magnífica e auto-didacta na arte de desenhar e pintar.
Um dia destes, cou-lhe traxer cá a minha maior amiga; de carne, osso, coração enorme e uma expert na arte de bem escrever.
De momento está de luto e doente.
Sei que vai adorar, tanto ou mais do que eu.
Beijo
Ná
Desculpe os erros ortográficos, são consequência da mais pura distracção.
Mais um.
Ná
Olá Manuela:
Tenho, antes de mais, de pedir desculpa pela ausência.
Fiquei deslumbrado com o texto. Nunca me tinha apercebido de que as gaivotas e semelhantes poderiam ser umas aves tão dóceis. Obrigado.
Beijinhos
Vim através de um farol Intemporal. Voltarei , em viagens repetidas, pela beleza dos textos e pela beleza das imagens !
Manuela,
O meu nome é Elisabete e escrevo no blogue Didascália.
Quero, antes de tudo, agradecer-lhe a gentileza da sua visita e das palavras que me deixou.
Quanto às suas histórias, devo dizer (e faço uso da maior sinceridade) que são, verdadeiramente, uma janela recortada para um mar de águas lindíssimas.
Hei-de regressar, porque é um gosto lê.la.
E foi bom apanhar o voo dessa ave persistente, fiel, amiga... e, com ela, aprender tanto que a natureza nos pode ensinar - mais até que a história real, já de si encantadora, esta recriação é isso mesmo:
"re-criação"!
Parabéns, também pela "banda sonora" escolhida para nos embalar neste voo!
Beijinhos
Uma bonita história.
Os teus contos são maravilhosos.
Gostei imenso, mesmo muito.
Querida amiga Manuela, desejo-te um bom Domingo e uma boa semana.
Beijos.
Manuela,
Aqui estou eu deliciada com mais um conto de aves e homens, de voos de lealdade.
Um beijinhos de domingo
Filomena
Querida amiga
Maravilhada com seu texto.
Sinto essa mesma indignação com tantos perigos de lixos no mar.
O ser humano julga poder tudo, até que acontece um tsunami devolvendo todo o lixo.
Com muito carinho BJS.
Belíssimo o seu conto e comovente Manuela!
Como diz o Walter por aqui encontramos sempre belos contos de sonhos e de amor e ele é sem dúvida o essencial da vida.
Um beijo
Branca
Obrigada, Manuela
Muito bonito ... tanto o seu texto, como a história verdadeira que nos deu a conhecer.
É realmente impressionante tudo o que existe para lá dos nossos olhos.
Um abraço
Isabel
Ficção ou realidade?
As aves que respondam
se souberem ler o seu belo texto
na diferença de todos os voos
Pego nas palavras (sábias) do Eufrázio: "ficcão ou realidade?" e como ele, incuto às aves a resposta...
e, do seu conto, "As pessoas achavam-no estranho porque ele preferia o grito das gaivotas, ao tagarelar dos habitantes das cidades e a observação dos hábitos dos albatrozes, às redes sociais."
e não será de pedir às aves que nos respondam se não se estão a sentir sós no voo, quando preteridas a favor do inatingível palco das redes sociais???? sei lá, digo eu de que... ehhh
por mim, opto (ainda) por, velha do restelo, madrugar na areia limpa e lavada, a partilhar o farnel com albatrozes e gaivotas... elas e eu, companheiras de mares e d'águas, à escarpa da falésia.
Dizer-lhe do meu agrado, Manuela?
é enorme.... e da gratidão? aqui sinto o meu mar, a minha praia...
beijo
Mel
.
.
. pulso e pisco . em bangkok .
.
. estou impressionadissimo .
.
. e deixo um beijo feliz .
.
.
BOA TARDE, MANUELA (MANU - MANELA)
AS GAIVOTAS, O MAR, O PEIXE, O PESCADOR NO SEU BARCO OU SENTADO NO CAIS, PENSAMENTOS SOLTOS DO HOMEM E OS SEGREDOS DO MAR, NO FUNDO O SILÊNCIO ROMPIDO PELA RESPIRAÇÃO NOS OUVIDOS, ENTRE O FUNDO E A SUPERFÍCIE VOCÊ MINHA AMIGA AOS POUCOS DESVENDA PARA ESTES LAGARTOS DA TERRA ALGUNS SEGREDOS DO HOMEM E DO MAR...
BEIJO
...eu nunca vi um pisco
tão amigo
e tão longínquo!
impressionada estou eu...
um beijo feliz, Paulo
manuela
que me perdoem, todos os meus comentadores e amigos
mas não é todos os dias
que o mapa mundo contem tão ao longe, um de vós!
um abraço
manuela
Cliquei no linque. E sabe o que descobri? A dimensão da sua alma de poeta. Um olhar profundo, reflexivo, belíssimo. Não por acaso, fui anilhada pelos seus poéticos textos, sensiveis e lindamente ilustrados pelos desenhos de dentro...
Bjs, querida. Uma boa semana. E inté!
Manela
E porque o homem se haveria de importar mais com as redes sociais do que com a sua ave? Nunca sabiam a cada inverno se voltariam a juntar-se, nem se as rotas se teriam perdido para sempre a caminho do regresso.Mas eram fiéis na dedicação um ao outro. A inocência da sua ave trazia-lhe a frescura de cada manhã
e a certeza que continuariam assim por muitos e muitos amos.
Uma história maravilhosa (sem esquecer os desenhos) baseada num facto verídico.
Não tenho vindo porque estive adoentada. Após 12 anos da partida do albatroz...ela ainda espera e chora de saudade!
beijos
Graça
Manuela, como sempre leio os seus escritos de forma prazeirosa. Eles me preenchem, me envolvem, me encantam. Neste particular, adorei conhecer a história de um albatroz fêmea, amante de pedacinhos de lula e que possuía uma interrogação circunspecta no olhar.
Beijo grande
ola. tudo blz? estive por aqui. muito legal. gostei. apareça por la. abraços.
um abraço
a todos!
manuela
Que saudades Manuela de passar por aqui... e que bom! Beijinhos
minha querida Eva!
seja bem vinda, onde é que está??
um beijo
manuela
"Aquilo que acreditamos ultrapassa o que nos é dado conhecer"
Viver é afinal Ser com muito Amor...
E a Manuela é-o sempre.
Nas palavras, essência de tudo o que importa acreditemos...
E eu sempre gostei de gostar muito de gaivotas.
E os seus desenhos são muito bonitos de tão expressivos.
Um beijinho de muita ternura para si
e saudade..:-)
dulce
"Outro dado impressionante são os quilómetros que Wisdom já terá voado desde que foi anilhada, uma distância que Peterjohn estima corresponder a quatro ou seis viagens de ida e volta da Terra à Lua"
Obrigada Manuela...É mesmo...Maravilhosa esta história.
Beijinhos.
Dulce
Wisdom, é aquela que nos faz voar!
um beijo
manuela
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