Um dia verás...faço-te uns sapatos tão leves, tão leves como o vento!
E a menina perguntava "É leve, o vento?" e ele respondia "Não se pode aprisionar. Já alguma vez tentaste guardá-lo numa caixa, ou numa gaveta ou dentro do bolso?"
A menina abanava a cabeça e, sentada num armário alto entre cetins e fitas de todas as cores, as pernas suspensas abanavam com ela e os pés magros e compridos desenhavam invisíveis círculos.
Depois ele pegava-lhe ao colo e pedia-lhe para ficar de pé, descalça, sobre uma folha de papel manteiga e com um lápis preto não muito afiado desenhava o contorno dos dois pés. Primeiro o pé esquerdo, a seguir o direito, sempre nesta ordem. "Porquê ?" queria saber a menina, " não pode ser primeiro o pé direito?"
"Não!! Primeiro o esquerdo, ou queres fazer zangar o coração?". Não queria.
Era exactamente por isso que ali estava, para não sentir o coração zangado. Quando as outras crianças gozavam por andar sempre com os sapatos a cair, ou perdia um no chão do ginásio e os rapazes riam-se e jogavam à bola com ele, ela sentia uma fúria a crescer dentro de si e zangava-se por ser sempre a mais alta, a mais magra e com uns pés tão magrinhos que todos os sapatos lhe ficavam largos.
Mas agora, descoberto aquele sapateiro prodigioso no último andar, do prédio mais alto, da cidade mais bela, aquele que com arte e paciência construía as melhores sapatilhas de ballet, que os bailarinos mais talentosos disputavam, a menina sentia que talvez agora a zanga do seu coração permanecesse adiada para sempre. E sentia-se importante, porque não era para todos que o sapateiro desenhava e fazia, sapatos de andar na rua! Não, o seu mundo eram os palcos, os cetins, as sedas, as fitas, as colas e o couro mais fino.
Um dia por acaso, tinha subido com a mãe os cinco andares daquele velho prédio e em cada patamar espreitava pela janela e via a cidade a ficar lá em baixo, os telhados a crescer e o Tejo ali ao fundo a brilhar num sol de prata e o senhor perguntara "Vens comprar umas sapatilhas?", "São para a minha irmã...", respondeu.
O sapateiro era um homem especial que sabia falar com as crianças e convidou-a a visitar o atelier e explicou-lhe como se faziam aquelas belas sapatilhas de ballet e deixou-a mexer nos cetins, nas sedas, nas fitas, nas colas e no couro mais fino e a menina disse "São lindas! Mas o que eu queria mesmo era uns sapatos que não me caíssem dos pés...".
E foi assim que ficaram amigos e o sapateiro desenhou-lhe sapatos de princesa daqueles com uma presilha e botãozinho de lado, sandálias para correr contra o tempo e botas de atacadores para quando chovia. Fininhos como os seus pés, feitos de cola, de linhas de algodão e do couro mais fino.
A mãe sorria e dizia a brincar "Os sapatos desta criança são mais caros que um vestido de rainha!!"
Mas nunca mais os sapatos lhe caíram e quando anda, coloca primeiro o pé esquerdo, sempre o pé esquerdo, para não fazer zangar o coração e ainda hoje ouve baixinho a voz do seu grande amigo "Um dia verás...faço-te uns sapatos tão leves, tão leves como o vento!
E a menina perguntava "É leve, o vento?" e ele respondia "Não se pode aprisionar. Já alguma vez tentaste guardá-lo numa caixa, ou numa gaveta ou dentro do bolso?"
A menina abanava a cabeça e, sentada num armário alto entre cetins e fitas de todas as cores, as pernas suspensas abanavam com ela e os pés magros e compridos desenhavam invisíveis círculos.
Depois ele pegava-lhe ao colo e pedia-lhe para ficar de pé, descalça, sobre uma folha de papel manteiga e com um lápis preto não muito afiado desenhava o contorno dos dois pés. Primeiro o pé esquerdo, a seguir o direito, sempre nesta ordem. "Porquê ?" queria saber a menina, " não pode ser primeiro o pé direito?"
"Não!! Primeiro o esquerdo, ou queres fazer zangar o coração?". Não queria.
Era exactamente por isso que ali estava, para não sentir o coração zangado. Quando as outras crianças gozavam por andar sempre com os sapatos a cair, ou perdia um no chão do ginásio e os rapazes riam-se e jogavam à bola com ele, ela sentia uma fúria a crescer dentro de si e zangava-se por ser sempre a mais alta, a mais magra e com uns pés tão magrinhos que todos os sapatos lhe ficavam largos.
Mas agora, descoberto aquele sapateiro prodigioso no último andar, do prédio mais alto, da cidade mais bela, aquele que com arte e paciência construía as melhores sapatilhas de ballet, que os bailarinos mais talentosos disputavam, a menina sentia que talvez agora a zanga do seu coração permanecesse adiada para sempre. E sentia-se importante, porque não era para todos que o sapateiro desenhava e fazia, sapatos de andar na rua! Não, o seu mundo eram os palcos, os cetins, as sedas, as fitas, as colas e o couro mais fino.
Um dia por acaso, tinha subido com a mãe os cinco andares daquele velho prédio e em cada patamar espreitava pela janela e via a cidade a ficar lá em baixo, os telhados a crescer e o Tejo ali ao fundo a brilhar num sol de prata e o senhor perguntara "Vens comprar umas sapatilhas?", "São para a minha irmã...", respondeu.
O sapateiro era um homem especial que sabia falar com as crianças e convidou-a a visitar o atelier e explicou-lhe como se faziam aquelas belas sapatilhas de ballet e deixou-a mexer nos cetins, nas sedas, nas fitas, nas colas e no couro mais fino e a menina disse "São lindas! Mas o que eu queria mesmo era uns sapatos que não me caíssem dos pés...".
E foi assim que ficaram amigos e o sapateiro desenhou-lhe sapatos de princesa daqueles com uma presilha e botãozinho de lado, sandálias para correr contra o tempo e botas de atacadores para quando chovia. Fininhos como os seus pés, feitos de cola, de linhas de algodão e do couro mais fino.
A mãe sorria e dizia a brincar "Os sapatos desta criança são mais caros que um vestido de rainha!!"
Mas nunca mais os sapatos lhe caíram e quando anda, coloca primeiro o pé esquerdo, sempre o pé esquerdo, para não fazer zangar o coração e ainda hoje ouve baixinho a voz do seu grande amigo "Um dia verás...faço-te uns sapatos tão leves, tão leves como o vento!
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Esta é uma página tão leve, tão leve, que se pode guardar num bolso cheio de vento.
-
Manuela Baptista
Estoril,12 de Janeiro 2010
31 comentários:
TÃO LEVE
Era tão leve
a história
que guardada
num bolso cheio de vento
rodopiava
como um catavento
e ao voar
aprisionada
assim
tão leve assim
calçava os mais finos pés do mundo
como beijos
e carícias
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Janeiro de 2010
e levemente
agradeço ao Jaime
o seu poema tão leve.
Manuela
Eu queria uns sapatos de vento
Tão bonitos assim
Podiam ser vermelhos
amarelos ou marfim...
Com fitas,fivelas
Botões e cetim
Manuela,faz uns para mim?!
...
Beijoquinhas
Manuela
Neste fim de semana (de 5ª.feira a sábado) fui a Paris com a Diana, preparar algumas coisas relativas ao alojamento dela durante o estágio no Institute Gustave Roussy que vai começar a 1 de Fevereiro até 30 de Julho.
Num dos passeios a pé que demos por Paris, mesmo com neve e muito frio, descemos a Rue de La Paix até à Place de Vândôme.
A meio dessa rua, uma loja de imensas montras de vidro e candelabros de "cristais" pendurados num maravilhoso tecto de madeira trabalhada, anunciava os saldos usuais desta época do ano.
Lá dentro uma pequena multidão comprava sabrinas de todas as cores e fatos de bailarinas(os).
Uma loja maravilhosa e leve como a sua história.
Nem de propósito!
Beijinhos.
Ana Cristina
De pé ante pé, levemente, com o pé esquerdo sempre primeiro visito estas páginas leves como o vento, e o coração agradece. Para quem fez ballet, como eu... e sonhava ser bailarina, adorei mais esta linda história. Cumprimentos.
...e faço e refaço
com fitas e laço
tão belos assim
da cor do marfim
...
para a Linda
beijinhos
Manuela
Ana Cristina
os Ratinhos de l'Ópera!!!
nem de propósito!
e tenho saudades da Place Vendôme, lá isso tenho...
E bom, belíssimo estágio para a Diana!
beijos
Manuela
Eva
e eu nunca fiz ballet...
mas deixava cair os sapatos!
um abraço
Manuela
e as suas sapatilhas eram e que cor?
Naquele tempo eram todas rosa deslavado :))No resto do tempo,como usava botas ortopédicas, pesadas como chumbo, não havia perigo de caírem...
Um beijinho
E estes sapatos de vento,
feitos de cetim, de laços e couro fininho,levaram-me ao mundo mágico da Manuela.
Na cidade mais bela, da casa mais alta e na cama feita de sedas, laços e abraços,resolvi passar a noite.
A música já soa baixinho, os olhos já se fecham e os sonhos não tardam...
Deste mundo mágico, construído de histórias de encantar, envio um grande beijo para si, Manuela.
"Um dia verás...faço-te uns sapatos tão leves, tão leves como o vento!"
E eu ...eu também quero assim uns sapatos ...leves, leves
tão leves como o vento...para que também a mim me levem até lá onde mora o Sol e a brisa do mar num dia bem quentinho...
Olá Manuela!
Mais uma história de encantamentos e eu...ainda quero outra coisa...quero-O aquele "amigo"...para não fazer zangar o meu coração sempre que o ouvir a falar-me baixinho...
Muitos beijinhos leves como o vento que não conseguimos mesmo guardar numa caixa...numa gaveta ou dentro do bolso
e um abraçinho que tem mais força que o vento leve ...que o pode levar ao beijinho.
dulce
E assim se escreve,leve levemente, mesmo que o pé esquerdo vá primeiro que o direito e se percam os sapatos pelo caminho!
Felizmente continuarão a existir sapateiros a trabalhar por encomenda!
Um abraço
José
Que suavidade este post...
leve e lindo...
Desejo que assim seja a tua tarde.
bjs
Eva
é verdade rosa deslavado...e quando se arrastavam pelo chão do ginásio, ficavam sujinhas...
tive a sorte de nunca usar nada ortopédico!
beijinhos
Manuela
Ó Canduxa
e nesta tarde cinzenta com a chatinha desta chuva persistente
apetece mesmo
pastelar num sofá a ouvir música...
beijinhos
Manuela
Dulce
e há sempre O amigo dos amigos
que fala baixinho
para nos encantar...
e agradecer
pelo chão que não se rasgou
debaixo dos nossos pés de vento!
beijos
Manuela
José Ferreira
e tal como há muitos anos
esses sapateiros são prodigiosos!
Mas, ainda hoje, os sapatos me caem dos pés...
um abraço
Manuela
Mariana
em tarde suave de muita chuva
ouvi as suas palavras!
um beijo
Manuela
Manuela,
Que maravilha é poder ler as suas histórias.
Fico com o coração mais leve, mais alegre, mais novo... porque bate um bocadinho mais depressa e depois vem aquele arrepio saboroso que começa no fundo da espinha e sobe e sobe até se deter lá. No coração-
Um beijo
Filomena
Ai, como eu precisava de uns sapatos assim... tão leves como o vento!!
Talvez os dias não pessassem tanto...
Não haverá por aí um sapateiro que me faça uns? Sei que ele não faz para todos...mas, talvez se tu, Manela lhe pedisses... ele te atenderia... mas tinham de ser mesmo leves como o vento, para os guardar dentro de um bolso!
Um beijo amigo
Graça
Oi, amiga!
Sempre que quero que meus pensamentos voem como o vento passo aqui...
Encantador, suave e poético é o tempo que fico aqui...
Beijinhos carinhosos.
Itabira - Brasil
Filomena
aprisionadora de corações!
É mesmo, faz bem ouvir bater o coração...
beijinhos
Manuela
Graça
não é fácil encontrar alguém assim!
nem se sabe por onde procurar, mas às vezes vem ao nosso encontro
e já está!! temos um sapato dentro do bolso...
beijos
Manuela
Inês
e voam mesmo!
eu ontem apanhei um aqui em baixo e perguntei "de onde vens?" e ele respondeu "Itabira!" e eu fiquei a saber que era seu...
beijinhos
Manuela
Passar por aqui, Manuela é mesmo ficar leve como o vento, não ocupar espaço e ainda assim ser corrente que leva amor.
Um grande beijinho,
Maria Emília
Maria Emília
é assim uma corrente de ar
quentinho...
beijos
Manuela
.
. tão leve, como o vento, a história assim re.dita, .
. :) . como que a re.passar todos os dias que passaram, em que a cidade do chão se elevava, e no azul do céu encontrava a outra face da alma infinita .
. leve, como o vento, transcrita .
.
. parabéns .m.a.n.u.e.l.a. hoje, senhora dona .m.e.n.i.n.a. da alma e do corpo desta história tão linda .
.
. e hoje, por ser hoje, trago uma mensagem especial.íssima e urgente: .
. pelo Haiti, um país que [sobre]vive mais uma vez ao infortúnio, um país com uma enorme instabilidade política e social, com fort.íssimos problemas de segurança, onde impera a pobreza extrema, 4 furacões na passagem do tempo, e muitas outras calamidades, como a de hoje, há que tecer uma prece, a ser ascese maior, por um país que mesmo assim ainda encontra na música e na pintura um dom e um tom impressionante, onde a cor tem um papel determinante .
. por um país, que [sobre]vive com a arte ao colo .
. a___b___r___a___ç___O___-___a !!! .
.
Paulo
o abraço e a lágrima
foram simultâneos...
abraço-o
Manuela
Chegada hoje a esta história, penso em tantas zangas de coração que se entranham nas almas das crianças e em como cada vez são mais raros os sapateiros da vida...
Obrigada por tanta sensibilidade, que é sempre tão comovente.
Beijinhos
Branca
Brancamar
são raros
mas eu conheço alguns e este foi um deles...
Não se aflija que a zanga não permaneceu no meu coração
mas às vezes, às vezes
é bom zangarmo-nos, não é?
Beijinhos
Manuela
sapatos de voar... como as tuas histórias!
um abraço fraterno.
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