Era uma vez um rapaz magrinho que sabia reproduzir o
canto das aves. E assobiava a caminho da escola, nas aulas de música, no
recreio e no regresso a casa. No quarto, na cozinha, no sótão, no jardim, no
comboio e na mercearia do senhor João. Enquanto tomava banho, se vestia, se
calçava e também quando penteava os seus cabelos sempre em pé e assim magrinho
como era, todos lhe chamavam dente-de-leão. Nos dias de ventania, perdia um fio
de cabelo ou dois e o assobio perdia-se também entre o lábio superior e o
inferior, mas tirando isso, era um rapaz feliz.
A rã não sabia assobiar. Gostava da água do lago, de
saltitar entre os seixos e de dar amplos saltos para os ramos das árvores e
destes, novamente para a água. O sol continuava teimosamente a brilhar, o céu
azul sem nuvens e pese embora a frescura das noites, a rã sentia que não lhe
apetecia mesmo nada hibernar.
Uma manhã, caminhava o rapaz a imitar os melros e a rã
sossegada a engolir um inseto delicioso e mais outro ainda e no final, saciada,
coaxou. O rapaz ouviu-a, saiu do carreiro, aproximou-se do lago, descalçou os
sapatos e as meias e sentou-se com os pés dentro de água. Silenciaram-se os
dois e pela primeira vez, o rapaz entendeu as pausas que transfiguram o canto
dos pássaros. Até que a rã, desafiando-o, coaxou. O rapaz riu-se e lançou o
grito das andorinhas. A rã coaxou. O rapaz piou como os pardais e a rã coaxou.
És um pássaro? Perguntou a rã. O rapaz disse que não, abanando a cabeça e a sua cabeleira espetada e redonda refletiu a luz solar. Depois,
com muito cuidado pegou na rã, colocou-a na palma da mão esquerda e disse, se quiseres
ensino-te a cantar. A rã abriu os olhos de espanto e respondeu, se quiseres
ensino-te a arte de deslizar sobre as folhas, mantendo-nos à tona de água mesmo
com vento.
O fascínio daquele outono quente e seco, descobriu-o a rã
no canto do rapaz magrinho e passados sete dias, a rã já sabia trautear, numa
voz de baixo, mas afinada. O rapaz aprendeu o equilíbrio entre as pausas e o
canto e aquele outro equilíbrio mais difícil, entre o seu corpo magro e a
flutuação sem rede. Às vezes, metia a rã numa caixa com água e levava-a com ele
para as aulas de música e a rã imitava as aves de grande porte e ele, os verdilhões
e o chapim-real.
Não sei se o rapaz se tornou forte e grande, se o seu cabelo
assentou, se a rã hibernou, se o inverno chegou, mas isso não tem a mínima
importância pois eram livres os dois.
6 comentários:
Tua estória é muito bela
mas esta minhaé ainda mais que ela...
MANUELA BAPTISTA
... livres e felizes porque em equilíbrio suave e recetivo, apelativo entre o som e o silêncio ...
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Novembro de 2017
Linda a história... bela por não pretender moralizar e existir como o sol e o vento e os bichos, assim...simplesmente.
Não há amigos improváveis. A tua história desta amizade tão livre, tão mágica, tão encantatória, diz-nos isso. Há um lago aqui pertinho da minha casa. Hei-de reparar se vejo por lá a rã e o menino a quem chamavam dente-de leão. Talvez tenha a surpresa de os ouvir, pelo menos...
Tão bela a tua história. Tão belos os teus desenhos, Manuela!
Uma boa semana.
Um beijo, minha Amiga.
Quase tudo se conquista
em Liberdade
Excelente uma vez mais
Bj
Essa rã conheço muito mais dos tempos e das noites cálidas. Fez-se ao piso, e reinou pelo outono :-)
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