anunciação








São sete horas e vinte minutos, não tarda o amanhecer. Uma ou duas janelas iluminadas, a rua vazia, os cães calados, sombrias as paredes. A casa da torre é habitada por um ser alado, não sei se é homem, se é ave. Ele esconde as asas quando vai de manhã bem cedo ao pão, gosta de pão quente com manteiga e café forte. Esconde-as, dizia eu, para não ser alvo de troça da rapariga da caixa, que lhe pergunta, como te chamas e ele responde num fio de voz, Gabriel. E acrescenta, serias capaz de sentir o bater do meu coração, rapariga da loja onde eu compro o pão. A rapariga ri-se mas não o ouve, lá fora os carros, os depósitos de gasolina, o ar, o óleo, cá dentro o jornal, o tabaco, a revista, a água engarrafada. Gabriel regressa à casa da torre quando eu desço a escada e aceno-lhe com a mão direita e ele com o saco de papel debaixo do braço e mais um pouco, o cheiro a café forte a subir pela rua vazia de cães.
Gabriel tem um pássaro raro numa gaiola de vime e todos os dias abre-lhe a portinhola e umas vezes o pássaro foge, outras não. Quando sim, eu lanço uma mão cheia de sementes para cima do muro e o pássaro debica-as apressadamente.
Amanhã o sol nascerá um minuto mais tarde e depois dois e três, até ao solstício. Se nevar, se a rapariga da loja ouvir, se o pássaro regressar à gaiola de vime, se a luz brilhar em todas as janelas, se eu cobrir os muros de sementes, Gabriel, sem medo do escárnio, despirá o casaco e soltará as presas asas.





























13 comentários:

Majo disse...

~ººº~***~ººº~***~ººº~***~ººº~***~ººº~

~~~~ Emocionante, caríssima poeta!

Fico maravilhada com a sua criatividade.


~ Uma Quadra Natalícia amorosa e feliz.

~~~~~~~~~ Abraço amigo. ~~~~~~~~~~
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madrugadas disse...

Um texto para sonhar:
- As asas escondidas
- Os cheiros
- A rua deserta
- As sementes e os pássaro
- O renascer do dia e o Gabriel

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA BAPTISTA


... se asas presas as tivesse, soltava-as a confundirem-se com a noite escura ...


BOAS FESTAS


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Dezembro de 2015

Mar Arável disse...

Mais um fabuloso texto de liberdades

Bj

Jacintinha Marto disse...

Chegou uma massa de ar frio que me tomou de repente os ossos, e um anjo de rastas apareceu no céu, e disse, levanta-te e caminha, Jacinta, que já há coisas novas no blogue da Manuela,
e eu, querido anjo, pudesse eu levantar estas sinóvias à altura das pálpebras, e assim faria, vai e diz ao teu senhor que a Jacinta vai deitar óleo nos eixos e fará rodar o seu edredon até o blogue, a minha alma é um saumier e as minhas partes um palmier preparado para a adoração,
e deixei a Decápole e fiz-me pela estrada do autódromo, onde havia moitas muitas e desertas, e pensei, assim sempre foi e assim sempre haverá de ser, em boa verdade vos digo que já sei o que me vai acontecer, mal meta a segunda para subir aquela rampa das portagens, e o Anjo Gabriel, com umas asas novas compradas nas black friday do El Corte Ingles, brilhou ao fundo e disse, preparada estás, Jacinta, e eu, que remédio, se não estivesse preparada eles vinham à mesma, portanto, mais vale estar,
o resto já vocês sabem, nem o Natal respeitam, foi uma indecência, de manhã, quando os homens pegaram na pega do lixo, já só viram um berço entornado, um burro que fugia e umas ovelhas a fazerem mééééé,
até a estrelam tinha roubado,
tinha os tornozelos todos grafitados, já não respeitam nada...,
a senhora sente-se bem?,
não sei, que eu já desde Herodes que não sinto nada,
e consegue descrevê-los,
olhe, eram cinco, todos da forma daqueles minaretes da capela, altos e grossos, só que em negro, e não em vermelho, mas descanse que, com a minha idade, já não vai nascer ninguém por altura do Natal, podem ir à vossa vidinha,
olhe,
adorei o conto, umas festas felizes aí em casa, e acho que vou ficar cunhada da Francisca, que tenho aqui umas nódoas negras deixadas por alguém da criação dela,
penso eu de que...

Jacintinha Marto disse...

... e o nome, afinal, não era Gabriel, era Walter, e dizia que era da Praia, mas tinha muito mais pinta de ser do Sal,
uns mentirosos, que eles são...

Beatriz disse...

E a Manuela me fez pousar na torre e acordar Gabriel de seu sonho...
Voa Gabriel! Os tempos atuais clamam por esta liberdade!

Grande beijinho

Bia <°(((<

. intemporal . disse...

.

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. sete são as horas e mais alguns minutos e sete são as vozes que encontro por ora aqui . assim como sete é o número da perfeição e a perfeição está presente nesta página de quase natal . :) .

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. íssimo . sempre feliz .

.

.

Agostinho disse...

Gabrieis, há por aí muitos, que andam à cata
do pastel de nata aquecido no micro-ondas.
E a gente come-o com satisfação com café
do Nabeiro. Coisa vulgar, digo eu.
Invulgar é este conto de Natal.
Um enredo surpreendente de dores e amores
irresolúveis.
Venham mais Manuela.
Eu, reconhecido, agradeço.

Graça Pires disse...

Como se viesse o anjo visitar o abismo que somos...
Uma beleza, Manuela! Obrigada.
Um beijo.

Existe Sempre Um Lugar disse...

Para si e para a sua família desejo um Natal de Luz! Abençoado e repleto de alegrias.
AG

Rita Freitas disse...

Lindo. Palavras de quem tem uma alma doce e bela.

Beijinhos e um feliz Natal

mz disse...

Que lindo Manuela!

Simplesmente adorei este anjo Gabriel e a forma como lhe deu vida, colocando-o nos nossos dias e nos nossos hábitos.