faz-te forte













A primeira a chegar foi a grande ave cinzenta. Pesada, as pernas altas submersas na água, concentrada no peixe, na rã, no rato, no caracol, no lodo, no baixio. Levanta voo num bater de asas lento e o longo pescoço retrai-se, encurta-se. Pousa num ilhéu de areia. E uma a uma, as outras aves do sapal.
Os patos-marrecos e os brancos, os flamingos, os maçaricos das rochas, as calhandrinhas e as pegas-rabudas e também aqueles de quem esquecemos o nome por serem tantos e tão distintos e por ali se espalharam, respondendo ao apelo da grande ave cinzenta que logo grasnou. Era rouca a voz e desfiou uma lista de penas comuns sobre a organização hierárquica do sapal e não via mais nada para além do baixio, do lodo, do caracol, do rato, do peixe e da rã.
As aves ali presentes enfastiavam-se de tal grasnar, mas temendo-lhe o bico aguçado, disseram que sim e repetiram, sim, sem entenderem a razão daquela assembleia.
A pequena ave cinzenta foi a última a chegar. Alheada do peixe, do baixio e sobretudo do rato, espantou-se com o burburinho dos visitantes e o agitar ruidoso das patas. Ela gostava dos dias luminosos da primavera quando regressavam as andorinhas. Levantava a cabeça, esticava o bico, crescia um ou dois centímetros e ficava a olhá-las no seu rodopiar louco e, sem se cansar, observava-lhes o voo de asas bem abertas e lamentava a pouca ambição dos da sua espécie, pescadores de superfície, sempre a olhar para baixo.
- Nós devíamos voar como as andorinhas - disse em voz alta a pequena ave cinzenta.
Fez-se um silêncio de lodo no sapal. A grande ave cinzenta abriu e fechou o bico sentindo-se mais pesada e mais lenta. A calhandrinha e a pega-rabuda piaram, os patos-marrecos esconderam a cabeça no dorso, as restantes debandaram.
A água arrefece sempre um pouco quando o sol se põe.















19 comentários:

ki.ti disse...

já não estamos na Páscoa...?

Kika disse...

Kriu?

O tanas!

A primeira a chegar fui eu, íssima de primeiríssima e de cinzenta não tenho nada, ou melhor, já tive, mas deixei no alto da tola da Mindy!

Kriu!

Anónimo disse...

Comigo à porta de casa, não há quem cá chegue, seja em que lugar for...

. intemporal . disse...

.

.

. sinto.me uma pequena ave cinzenta . alheado que estou dos grandes auspícios . mas sempre atento à luminosidade dos dias . :) .

.

. íssimo . sempre feliz .

.

.

Luis disse...

"Aqueles de quem esquecemos o nome", ancestrais, como Farid Al-Din Attar

Luis disse...

"Aqueles de quem esquecemos o nome", antigos como Farid Al-Din Attar

Jaime Latino Ferreira disse...

MANUELA BAPTISTA



faz-te forte como uma andorinha que és

... que forte és tu!



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Abril de 2015

Benó disse...

Voar como as andorinhas em voos rasantes pelas águas do ribeiro e construir casa de lama e galhos. Também eu quisera voar como qualquer andorinha ou ave do sapal.
Encanto-me sempre que aqui venho.

Mar Arável disse...

Como seriam belos todos os seus textos em livro

Aguardo
Bj

MARIPA disse...


... cheguei um pouco antes da pequena ave cinzenta.
Mas a minha voz vai juntar-se à dela, gritando
-Nós devíamos voar como as andorinhas!

Beijinho amigo, Manuela das histórias mágicas.

Rogério G.V. Pereira disse...

Se escreveres para um livrinho
não percas a ocasião
e lembra "Nós devíamos voar como as andorinhas"
e estas palavras minhas
Elas não pousam no chão

Tripa Seca disse...

Belo conto português :-)

:-*

Graça Pires disse...

A pequena ave cinzenta. As andorinhas. O sapal com todas as outras aves dão ao teu conto uma magia que me leva até ao encantamento. Também queria, como a pequena ave cinzenta ser como as andorinhas e inventar a primavera...
Um beijo, Manuela.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

acho que todos devíamos voar.( mas eu confesso que às vezes também voo).

bonito texto.

boa semana.

beijo

:)

Jacintinha Marto disse...

"A primeira a chegar foi a grande ave cinzenta",
quem me dera,
mas comigo é sempre aquele de olhos verdes e carapinha, nunca percebi se aquilo é um pássaro ou um passrão, põem-me os bícepes em cima e eu começo a bater as asas, coitada, ou o que resta delas, há uma altura em que só se veem penas a voar, as sonhadoras pensam que é alguma gaivota que está no mudar da pena, mas não é, é só colchão da Jacinta aleijada que rebentou, com a pressão de tanto pássaro negrão da Cova e da Buraca, e está a soltar a pena,
sou um rola aterrada, ou como dizem os brasileiros, uma aleijada sempre afogada em rola.

Bem haja, li e adorei

Beatriz disse...

Assim parece o 'Tuiuiu', uma linda, grande e desengonçada ave brasileira do Pantanal... bela estória, como sempre!

Bia <°)))<

O Puma disse...

Um dia seremos pássaros

mais azuis
que os céus

Rita Freitas disse...

Sem, deviamos deixar de olhar para baixo a passar a olhar para cima, quem sabe assim também conseguimos voar.
É sempre mágico passar por aqui.

bjs

Isa Lisboa disse...

Os rebeldes sempre causam essas reações, não é? :)

Um abraço